Um Hamlet na despedida

RuiCarlosMateus

Depois de ter anunciado que deixará de representar, Luís Miguel Cintra leva o seu Hamlet ao Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada. Será a última oportunidade de o ver em palco

Gabriela Lourenço

Foi especial desde o início este Hamlet. Foi especial ainda antes de existir, na verdade. Quando ainda era uma promessa de Sophia de Mello Breyner Andresen, que um dia anunciou a Luís Miguel Cintra estar a fazer a tradução. Quando, muito mais tarde, lhe entregou um exemplar com a nota “Finalmente, o Hamlet!”. Quando, em julho, Cintra estreou – aí, sim – finalmente a peça no Festival de Teatro de Almada. Quando a apresentou, em setembro, no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, casa do seu Teatro da Cornucópia . E quando agora a leva para o Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, depois de ter anunciado que deixará de representar. Será este o seu último papel, garante. Logo num Hamlet, onde sempre sonhou interpretar o personagem principal mas onde não o faz porque entretanto deixou «passar o prazo».

Numa coprodução entre o Teatro da Cornucópia e a Companhia de Teatro de Almada, cabe ao jovem Guilherme Gomes a interpretação de um imaturo Hamlet. «É com uma imensa confiança em ti, e grande alegria que te apresento a estes senhores como um novo grande ator. Afinal até há Primavera na selva das cidades», disse-lhe Cintra, quando anunciou o fim da sua carreira na representação.

Com 17 atores em palco, faz-se uma versão praticamente integral da peça de Shakespeare, como Sophia a leu e, como nota Cintra, com «os valores estilísticos que nos habituámos a só reconhecer na poesia». «Perdemos a cabeça. A sensatez é triste companhia. E dos tristes não reza a história. E quisemos fazer um espetáculo excecional, uma última vez, o último espetáculo de uma era. Pensámos: nunca mais se fará um Hamlet integral», contava o encenador na apresentação da peça. E ainda, como só ele, sempre sem papas na língua: «Quatro horas de palavras? A tendência é para ensinar a poupar palavras. Não perder tempo com ninharias. Paciência. Temos pena. Afinal a Cultura sempre foi tão aborrecida.»