Os dados estão lançados para Rabo de Peixe ser muito mais do que um thriller sobre narcotráfico. À boleia de um caso de polícia – depois de meia tonelada de cocaína dar à costa junto a Rabo de Peixe, freguesia da ilha de São Miguel, nos Açores –, esta série, de sete episódios, serve para falar de insularidade e de como o lugar onde se nasce pode (ou não) definir o destino de cada pessoa.
Os jovens amigos, Eduardo (José Condessa), Sílvia (Helena Caldeira), Rafael (Rodrigo Tomás) e Carlinhos (André Leitão) têm pela frente um grande desafio: tornarem-se traficantes para conseguirem dar o salto da pequena vila açoriana ou abdicarem da sorte maldita, levando-os à desgraça. Juntar droga com máfia italiana, investigação policial e relações fortes promete bons momentos de ação, humor sarcástico e alguma introspeção.
Rabo de Peixe, que se estreia nesta sexta, 26, é a segunda produção portuguesa para a Netflix, depois de Glória. Falámos com Augusto Fraga, natural da ilha açoriana de São Miguel, realizador e co-autor do argumento da série, uma produção da Ukbar Filmes, que conta ainda com Kelly Bailey, Maria João Bastos, Salvador Martinha, Albano Jerónimo e Pepê Rapazote, entre outros, no elenco.
Escolheu um policial para falar de insularidade. Porquê?
Todos os criadores têm uma gaveta cheia de ideias e esta era uma delas. Quando abriu o concurso de argumentos da Netflix, pareceu-me interessante e o momento certo para desenvolvê-la. Tinha outras ideias, com tons diferentes, mas todas à volta dos Açores. Por muito que saia de lá, está sempre dentro de mim. Nós nunca saímos de uma ilha. Há qualquer coisa nesta ironia de uma substância tão corrupta [como a cocaína] ir parar a um sítio que é tão inocente e tão puro.
Faz diferença o facto de a droga ter dado ao largo daquela vila, uma das mais pobres de Portugal e da Europa?
Nunca olhei para Rabo de Peixe como uma zona pobre. Sou de Vila Franca do Campo, vila de pescadores, os meus amigos eram e são dessa zona. Quando estudei no liceu de Ponta Delgada dava-me com os meus colegas de Rabo de Peixe, via-os como pessoas iguais a mim. Nunca tive essa visão paternalista. Via pessoas que iam a correr para o cais, tiravam as calças e atiravam-se para o mar, brincávamos juntos, comíamos juntos nas casas uns dos outros.
Não escrevi a série com nenhum pensamento estigmatizante, nunca foi importante para mim a classe social a que as pessoas pertenciam. O mais interessante era a ideia de um rapaz comum, a quem uma coisa extraordinária acontece e como ele reage. O Eduardo [interpretado pelo ator José Condessa] sonhava com romper o esquema do destino, o determinismo de onde se nasce. Como é que alguém, que sonha com mais, gere o inesperado, uma armadilha de Deus. Este grupo de jovens não era traficante, não sabia o que era uma arma.
Nascer numa ilha condiciona o futuro?
Nós sonhávamos com a América, não porque quiséssemos fugir dali, mas porque ouvíamos falar. Tínhamos uma ideia de ir explorar o mundo. Os Açores são a terra de Natália Correia [Ponta Delgada, Fajã de Baixo], Vitorino Nemésio [Terceira, Praia da Vitória], Teófilo Braga [Ponta Delgada], de grandes pensadores que sempre tiveram uma visão maior do que o sítio onde estavam. As ilhas criam um sentimento de raízes profundas, mas também de necessidade de exploração. Quase um milhão de açorianos vive fora dos Açores, desde as Bermudas ao Havai, do Canadá a Boston.
O argumento de Rabo de Peixe é autobiográfico?
A escrita de ficção é sempre autobiográfica – embora tenha escrito a série com mais quatro autores [João Tordo, Hugo Gonçalves, Marcos Castiel e André Szankowski]. Há detalhes biográficos de todos nós, e também dos atores que interpretam as personagens.
Trabalhar durante 20 anos em publicidade imprime um cunho diferente a esta realização?
Comparar a publicidade com a ficção é comparar uma corrida de 100 metros com uma maratona. Na publicidade, tenta-se que cada plano seja um plano perfeito, com uma função narrativa, visual, de arte, de luz e de movimento de câmara perfeitas. Aprendi muito com a Patrícia Sequeira [realiza três dos sete episódios], em não olhar para as cenas desde o ponto de vista do plano, mas sim desde o ponto de vista da cena e só daí partir para o plano.
Quais foram as premissas da Netflix para a série?
Nunca houve uma lista de premissas para cumprir. Tivemos liberdade criativa, o único compromisso era que a série fosse apelativa para um público alargado. Há milhares de caminhos em aberto para uma segunda temporada, mas Rabo de Peixe não devia existir sem os Açores.
Rabo de Peixe > Netflix > Estreia 26 mai, sex > 7 episódios