
Pelo quarto ano consecutivo, o canal História desafia chefes de cozinha a recriarem a Última Ceia. Foram eles: Dabiz Muñoz (2013), João Alves e Miguel Laffan (2014) e Kiko Martins, Pedro Almeida e Miguel Castro e Silva (2015) e, agora, em 2016, Henrique Sá Pessoa
À sua espera estava uma imensa parafernália televisiva e uma equipa de 25 pessoas. Outras 12, escolhidas por Henrique Sá Pessoa, haveriam de chegar para, das nove da manhã às duas da madrugada, gravarem A Última Ceia. Há duas semanas, o restaurante Alma, na Rua Anchieta, em Lisboa, transformou-se num cenário bíblico, uma verdadeira “experiência sensorial” para o chefe. À mesa, Henrique sentou a família, alguns amigos, os sócios de trabalho, apenas pessoas que são uma referência no seu percurso pessoal e profissional. No lugar dos apóstolos, provaram o menu, que até 31 de março, também será servido no Alma (€60, sem bebidas). Apesar de ter nascido numa família católica e de ser batizado, hoje em dia, o chefe de 39 anos diz-se ateu. “Acredito na Bíblia e, historicamente, não tenho dúvidas de que alguma coisa se passou. Mas o que tentei representar é a paixão que tenho pela cozinha”, explica, enquanto vai empratando a entrada de cavala.
Na verdade, até ser desafiado para o programa, Henrique Sá Pessoa pouco sabia sobre a refeição que juntou Jesus e os doze apóstolos. “O processo criativo é sempre mais fácil quando nos lançam um desafio.” E para este havia algumas premissas. Mais do que seguir receitas, que na verdade não as há, teve de respeitar ingredientes, como peixe gordo, cabrito ou borrego, mostarda, pickles, alfarroba, especiarias, mel, azeite e frutos secos. “Tentei usar técnicas modernas, mas sem ser demasiado conceptual”, afirma. A utilização de azoto líquido para fazer a mostarda de maionese, servida com a cavala, é talvez a expressão mais moderna desta refeição. Tudo começa com um escuro pão de alfarroba e outro amarelo de batata-doce e milho, que combinam na perfeição com a manteiga fumada. A cavala é marinada em salmoura com vinagre de maçã, pickles, óleo de mostarda e maionese de mostarda. Segue-se o fresco filete de peixe galo glaceado – quer dizer que foi trabalhado de forma afrancesada, cozinhado com manteiga de gengibre e mel –, alho francês queimado, tâmaras (em puré feito com caldo de carne para ficar mais intenso) e o toque crocante das avelãs. É no prato de peixe que se revelam os componentes mais doces de toda a refeição. Para a carne foi escolhido um lombo de borrego com uma crosta de pinhões feita com manteiga, chalotas, alho, pão e salsa, que lhe confere a cor verde. No prato branco vêm também espargos, chalota caramelizada, puré de maçã, puré de aipo e molho pimenta. Boa combinação. O doce final lembra o bolo da Madeira, com um bolo de frutos secos e especiarias (gengibre em pó, noz moscada, canela) com gelado de gengibre e nozes caramelizadas. Tudo regado com um cálice de tinto do Douro, Altano 2013. Será que estes sabores agradariam a Jesus?

É no prato de peixe, filete de peixe galo glaceado, que se revelam os componentes mais doces de toda a refeição
Canal História > estreia 18 mar, sex 21h55