Subindo a Avenida Calouste Gulbenkian, em direção à Praça de Espanha, ter-se-á a melhor perspetiva do mural de António Alves. Teve o “privilégio” de viver o 25 de Abril de 74, conta-nos, abstraindo o olhar como se fosse de novo o jovem adolescente que, naquele dia, saiu bem cedo da Margem Sul para vir trabalhar para Lisboa e foi surpreendido com a Revolução na rua. Nessa altura, com 17 anos, já tinha como referência as pichagens de rua com frases contra a Guerra Colonial. Depois, foi muralista no PREC e hoje, aos 67 anos, continua a andar com latas de tinta na mochila para poder desabafar na parede.
António Alves é um dos cinco convidados da iniciativa 5 Décadas, 5 Artistas, 5 Murais promovida pela Galeria de Arte Urbana (GAU) da Câmara Municipal de Lisboa, que assinala os 50 anos da Revolução dos Cravos. O convite, explica o coordenador da GAU, Hugo Cardoso, foi lançado a artistas com percursos representativos das cinco décadas da história da arte urbana em Portugal, desafiando-os a refletir sobre a pergunta “Onde está a Liberdade?”. Além de António Alves (anos 70/80), participaram Youth One (anos 90, o início do graffiti), ±MAISMENOS± (anos 2000, entrada da street art nas galerias de arte), Kruella D’Enfer (anos 2010, afirmação das mulheres na arte urbana) e Arisca (anos 2020, sangue novo no feminino).
Tinta plástica, latas de spray, stencil, cada artista escolheu os materiais para dar forma e cor às suas reflexões em muros e empenas que vão dos 80 aos 180 metros quadrados. Uns reproduziram à mão os desenhos em quadrículas, outros optaram por projetá-los nas paredes e depois subir na grua para fazer os contornos. As intervenções encontram-se dispersas na malha de Lisboa, formando uma coroa que passa por Campolide, Areeiro, Alfama e Castelo.
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2024/09/240925_MB-Antonio-Alves-MuraisLx-01_preview-1600x1066.jpg)
António Alves
Na sua intervenção, reproduziu momentos históricos destes 50 anos: o fim do Estado Novo, a espontaneidade popular do 25 de Abril representada pela manifestação dos moradores do Bairro da Liberdade, as primeiras páginas dos jornais, a independência das ex-colónias, as feministas que se manifestam pelos seus direitos. O mural termina com a palavra Liberdade. Está enevoada, um sinal dos tempos mas também de que há esperança. Cç. dos Mestres / Av. Calouste Gulbenkian
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2024/09/240925_MB-MuraisLx-Youth-One-07-1-1600x1067.jpg)
Youth One
Para Adalberto Brito (Youth One), o 25 de Abril representou uma oportunidade de vida, após a família ter perdido tudo em Angola, fugindo à Guerra Colonial. Este seu percurso está refletido na empena de um prédio no Bairro da Liberdade. Mulheres e homens dão expressão ao passado e ao presente. O futuro, repleto de desafios, escolhas, anseios, fica por conta de uma criança. Bairro da Liberdade, Rua B, 1
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2024/09/240925_MB-MaisMenos-MuraisLx-02-1-1-1600x1066.jpg)
±MAISMENOS±
Recorrendo a um teste de acuidade visual – no qual a leitura se torna mais difícil à medida que as letras vão diminuindo –, Miguel Januário (±MAISMENOS±) manifesta o seu ceticismo quanto ao cumprimento dos valores de Abril. Passaram-se 50 anos, mas isso não é o mais importante. A Liberdade é o bem maior e, para continuarmos a ser livres, é preciso ter visão. Estaremos todos míopes? O melhor será fazer o teste. Av. Gago Coutinho, 3
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2024/09/240925_MB-Kruella-MuraisLx-06_preview-1600x1066.jpg)
Kruella D’Enfer
No Teatro Taborda, Ângela Ferreira (Kruella D’Enfer) criou um labirinto onírico em que os conceitos de teatro e de liberdade se entrelaçam. Para a artista visual e ilustradora, nascida em 1988 em Tondela, ambos estão ligados enquanto meios de expressão e reflexão social. O muro traça o caminho onde surgem máscaras, cravos, uma pomba, que tanto podem ser contemplados de perto como decifrados do miradouro da Graça. Teatro Taborda, R. Costa do Castelo, 75
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2024/09/240925_MB-Arisca-MuraisLx-01-2-1600x1067.jpg)
Arisca
Com 31 anos, é a mais nova desta mão-cheia de artistas. A Inês Arisca, nascida no Porto, coube trabalhar duas empenas, situadas frente a frente, que se confrontam e ao mesmo tempo se complementam. De um lado, o conhecimento (“não existe liberdade sem a busca de conhecimento”), do outro, o afeto e a empatia (“é quase revolucionário, neste mundo individualista e violento em que vivemos”). Este é o seu primeiro trabalho, em nome próprio, em Lisboa. R. dos Caminhos de Ferro, 58 e 66