Conta-se que, ao chegar à Quinta do Amparo, fronteira à Igreja de Romarigães, em Paredes de Coura, Aquilino Ribeiro ficou imediatamente fascinado. O sogro, Bernardino Machado, tinha-o incentivado a conhecer o território, com elogiosa descrição: “Sendo o que há de melhor em Portugal e sendo Portugal o que há de melhor na Europa e a Europa o que há de melhor no mundo, é sem dúvida alguma a preciosidade maior de todo o mundo.” Quando a segunda mulher, Jerónima Dantas Machado, herdou a casa de família, o escritor liderou entusiasticamente o restauro, chegando a trazer consigo trabalhadores do Carregal – no concelho de Sernancelhe, onde nasceu, a 13 de setembro de 1885.
“As ruínas vão perdendo o ar calamitoso que cortava a alma. Quando armará ali banca o construtor de castelos nas nuvens?”, escreveu, no livro Arcas Encoiradas (1962). Mas foi naquela que é vista como a sua obra maior, A Casa Grande de Romarigães (1957), que ficaram eternizados o antigo solar e a sua envolvente, onde Aquilino passou largas temporadas, sobretudo nos meses de verão.
No prólogo, refere ter encontrado, durante o restauro, “uma volumosa rima de papéis velhos”, num armário embutido na ombreira da janela do antigo solar dos Meneses e Montenegros. A partir deste material, conta a “história romanceada” das sucessivas gerações que passaram pela Quinta do Amparo, ao longo dos séculos, cruzada com episódios marcantes da História de Portugal. Com a sua riqueza lexical e uma linguagem que combina o rústico com o erudito, o livro foi acolhido com entusiasmo pelos leitores. Muitos procuravam Romarigães em romagem literária – como José Saramago, durante a prospeção feita na Viagem a Portugal, recordada em emocionadas páginas. Com o passar do tempo, manteve-se o cenário bucólico courense, mas acentuou-se a degradação do edificado, apesar de os descendentes manterem a ligação ao território.
Graças ao contrato de comodato celebrado entre a câmara municipal e os familiares de Aquilino, e com a conquista de apoios comunitários, foi possível avançar com a reabilitação, mantendo-se a traça arquitetónica exterior. Em julho de 2023, ano em que se assinalam os 60 anos da morte do escritor, abriu como centro cultural. “Queremos explorar esta ligação do território com a literatura”, explica Vítor Paulo Pereira, o presidente da câmara de Paredes de Coura, aludindo igualmente ao Centro de Estudos Mário Cláudio, em Venade, igualmente no concelho. “Uma terra não se faz só de grandes eventos, mas também de outro tipo de promoção da cultura, que ajuda a afirmar a nossa forte identidade”, acrescenta.
A vontade é que a Casa de Romarigães “não seja apenas um museu, mas também um espaço para conversas, concertos… que tenha um programa cuidado e regular”, sublinha Vítor Paulo. O edifício principal, no piso inferior, apresenta uma linha cronológica com os dados mais marcantes da vida e obra de Aquilino, destacando-se ainda as ligações a Paredes de Coura, seja através de objetos, manuscritos, fotografias ou passagens dos seus livros. Já o piso superior recria uma antiga sala de aulas – em tempos, a casa acolheu uma escola –, com lousas e máquina de escrever, onde se concentrará a maior parte das atividades.
Contígua está a capela votada a Nossa Senhora do Amparo e, sobre a fachada barroca, disse Aquilino: “Não havia uma pedra que não fosse obra antes de ourives que de escultor.” No interior, mais singelo, é projetado o filme-ensaio Teatro de Enormidades Apenas Críveis à Luz Elétrica, inspirado em textos do autor, e estão a ser pensados mais documentários para promover a sua obra. Outro edifício na propriedade será destinado para residências de escritores. A quietude do lugar é, sem dúvida, propícia a retiros literários… e à construção de castelos nas nuvens.
Casa Grande de Romarigães > Romarigães, Paredes de Coura > T. 251 780 100 > qua-sáb 14h-18h > grátis
Comemorar 60 anos da morte de Aquilino Ribeiro
Reedições
A parceria entre a Bertrand Editora e diferentes municípios com ligação ao escritor tem permitido a reedição de obras como A Via Sinuosa, Volfrâmio, Geografia Sentimental e A Casa Grande de Romarigães.
Livro
Em Vila Nova de Paiva, a 20 de dezembro, será apresentado o livro de banda desenhada A Lenda do Juiz de Barrelas – inspirado numa célebre sentença eternizada no livro Geografia Sentimental –, da autoria de Maria Inês, com ilustração de José Peixoto.
Conversa
Aquilino Machado (neto de Aquilino Ribeiro) junta-se a José Lello e Mónica Baldaque (filha de Agustina Bessa-Luís), a 2 de março de 2024, em Vila Nova de Paiva, para conversarem sobre a vida e a obra de ambos os autores.