São dez e meia da manhã e já Rick Lins, austríaco de 39 anos, anda de volta da comida que há de servir no Donau, o café, restaurante e espaço cultural que abriu há dois meses com a companheira, a lisboeta Sara Rafael, 35 anos, na Rua Joaquim António de Aguiar.
Há três anos que o casal escolheu o Porto para morar – “queríamos uma cidade que não fosse a origem de cada um” – e encontrou no Bonfim um bairro “muito tranquilo”, apesar de cada vez mais procurado por estrangeiros para viver, onde ainda se cruzam com os moradores de sempre. “Os vizinhos têm muito coração”, diz Rick num português fluente, enquanto cumprimenta um dos residentes que passeia o cão.
Rick e Sara são artistas: ele dividia-se entre as artes plásticas e a cozinha em restaurantes e bares de Viena; ela andava pela fotografia e pela música experimental na capital. No Donau, querem servir “clássicos austríacos típicos dos Alpes, além de vinhos naturais portugueses de pequenos produtores”, ao mesmo tempo que abrem o café a exposições e noites de música, descreve Rick Lins, natural de Dünserberg, “a segunda aldeia mais pequena da Áustria”. Foi lá que aprendeu a cozinhar o goulash de porco vienense com spätzle (massa fresca artesanal), o strudel de maçã e a bassiger käsewurst (salsicha austríaca) “que vem de um talho pequeno e artesanal dos Alpes”, incluídos na carta.
Antes de descermos a Rua de São Victor para as Fontainhas, ainda temos tempo para ir conhecer outras duas novidades no Bonfim: o A Certain Café e o atelier da ceramista Sofia Beça.
O primeiro, aberto no verão passado na Rua Morgado de Mateus, funciona como galeria colaborativa e cafetaria. A ideia foi do casal de artistas argentinos Matias Romano (pintor e escultor) e Agustina Fortunato (designer de joias e vidro), ambos com 32 anos, que trocaram Buenos Aires pelo Porto. Numa antiga garagem, ampla e pintada de branco, vendem revistas de design e de moda e servem petiscos (sardinhas com pão de massa mãe; tosta de pesto e burrata; stracciatella e alcachofra no prato…), café de filtro e vinhos naturais. “Temos uma boa relação com a vizinhança. Quando nos esquecemos do vaso das plantas lá fora, o vizinho guarda-o em casa. Respeitamos quem aqui vive. Não queremos que sintam que estamos a invadir o espaço deles”, reforça Matias.
Bolinhos de bacalhau e a esplanada que já não é segredo
A viver no Bonfim há mais de uma década, a ceramista Sofia Beça tem sentido “que as coisas estão a mudar” por conta dos estrangeiros que para aqui têm vindo viver, mas a artista diz ainda ser um privilégio conseguir deslocar-se a pé ou de bicicleta: “Só pego no carro quando preciso de ir a outra zona da cidade.”
Encontramo-la na loja-atelier na Rua Duque de Saldanha, que partilha há um ano com o coletivo Pedra no Rim. A ceramista-escultora, 51 anos, trabalhava em casa, mas precisava de um espaço maior onde conseguisse moldar e mostrar ao público as suas peças feitas em grés e porcelana “inspiradas na Natureza e na relação humana”, cozidas num forno a lenha em Bragança.
Voltamos à Praça da Alegria para descer a Rua de São Víctor em direção às Fontainhas. Poucos saberão que, numa antiga garagem, se aluga loiça (copos, taças, pratos de vários tamanhos, a partir €0,80), talheres, guardanapos, toalhas e cadeiras, para qualquer ocasião.
Há dois anos que a S.P.O.T., empresa de Joana Lima e Ana Neto, encontrou aqui o lugar ideal para guardar o material com o qual decora mesas para chefes de cozinha – é o caso do restaurante itinerante Residência, de João Rodrigues. “Nesta zona podemos descobrir coisas novas, sem nos sentirmos um turista na cidade”, contam as duas sócias, responsáveis pela organização do mercado Flea Market e pela curadoria de comida em festivais como o Primavera Sound ou o Paredes de Coura.
Já no Passeio das Fontainhas, com o rio Douro lá em baixo, Fernanda Brito frita os bolinhos de bacalhau (€1 cada) que desde 1989 dão fama ao seu café Azul e Branco.
Passamos o muro do Viaduto Duque de Loulé, onde a ilustradora Mariana Malhão desenhou, em 2021, um mural alusivo às festas de São João, e descemos rumo ao Guindalense Futebol Clube, coletividade nascida em 1976 colada à Muralha Fernandina na freguesia da Sé, e que se orgulha de ter uma das melhores esplanadas da cidade com vista para o rio, a serra do Pilar e a Ponte Luiz I.
As três esplanadas estão cheias de gente a apreciar a vista, entre uma cerveja, um cachorro ou uma francesinha. “A grande transformação do clube deu-se com a construção do funicular [dos Guindais]. Não quero perder esta mística. O turista tem de perceber que isto é uma associação. Antes era pobre morar na Sé, hoje é chique viver aqui”, afirma Rui Barros, o presidente do Guindalense, que conta com 250 sócios.
Quando Miguel Araújo lançou o álbum Giesta no Guindalense, em 2017, o músico descrevia este lugar como “um dos mais preciosos e mais bem guardados segredos” do Porto. Agora, o clube anda nas bocas do mundo.
GUIA DE MORADAS
VER
Mural de São João, de Mariana Malhão > Passeio das Fontainhas
Funicular dos Guindais > R. Augusto Rosa (estação Batalha) e Av. Gustavo Eiffel (estação Ribeira) > dom-qui 8h-22h, sex-sáb 8h-24h > €2 a €4
COMPRAR
Sofia Beça > R. Duque de Saldanha, 449, rés do chão >T. 92 912 2062
S.P.O.T. > R. São Victor, 143 > T. 93 842 0801 > thisisthespot.eu
COMER
A Certain Café > R. Morgado Mateus, 107 > seg 10h-16h, qua-sáb 9h-19h, dom 9h-18h
Azul e Branco > Passeio das Fontainhas, 20 > T. 22 011 9307 > ter-dom 7h-23h
Donau > R. Joaquim Antóniode Aguiar, 80 >qua-dom 10h-22h,sex-sáb 10h-24h
Guindalense Futebol Clube > Escada dos Guindais, 43 > seg-qui 10h-22h, sex 10h-24h, sáb 13h-24h