Numa das vitrinas do Centro Interpretativo do Vinho de Talha, em Vila de Frades, mostram-se as grainhas de uva encontradas durante as escavações arqueológicas nas ruínas romanas de São Cucufate, monumento nacional a meia dúzia de quilómetros do centro da vila.
Pequenas em tamanho, mas não em importância, estas sementes e outros achados provam a ligação da Vidigueira e da freguesia de Vila de Frades à produção de vinho de talha. O método ancestral, que remonta ao tempo dos romanos, dá-se agora a conhecer numa rota cultural que também passa pela Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito, e onde se descobre, entre outras curiosidades, a casta Antão-Vaz, autóctone da Vidigueira.
Com sete itinerários principais, a rota permite conhecer o vinho de talha em 23 produtores e em todas as suas vertentes, das visitas às adegas tradicionais aos passeios pelas vinhas centenárias, da produção das talhas à gastronomia tradicional. “Trata-se de uma iniciativa assente na economia viva do vinho de talha”, diz Catarina Valença Gonçalves da SPIRA, responsável pelo desenvolvimento desta rota, na qual se dá destaque à história, às memórias e tradições e que atravessa 22 municípios do Alentejo.
Já Rui Raposo, presidente da câmara da Vidigueira, promotora principal da iniciativa, vê o projeto como uma forma de unir o território e de promover um produto que acaba de ser inscrito no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial e que está em processo de candidatura a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO. O site da rota ainda está em desenvolvimento, mas, através dos Postos de Turismo (ou do email geral@rotadovinhodetalha.pt), é possível solicitar todas as informações e fazer-se ao caminho.
Aprender com quem sabe
Na Gerações da Talha, também em Vila de Frades, os olhos de Teresa Caeiro, 27 anos, brilham de entusiasmo enquanto conta a história do projeto fundado com a mãe e cujos frutos se bebem desde 2019, quando lançou o Farrapo, o primeiro vinho batizado em homenagem ao nome por que eram conhecidos os habitantes de Vila de Frades.
A adega, do século XVIII, passou pelas mãos do bisavô e do avô, o professor Arlindo, mestre no fabrico de vinho em grandes recipientes de barro e a quem foi beber conhecimento. “Respeitamos ao máximo o vinho de talha e as suas tradições”, diz Teresa, que estudou Enologia e Viticultura em Évora. Quem a ouve explicar o processo de produção fica maravilhado com a história – e também com as cerca de 50 talhas à vista, os cachos de uva pendurados, os utensílios na adega. Combinando previamente, organizam uma refeição no quintal, preparada a preceito e acompanhada de cante alentejano.
Os programas de enoturismo organizados, como aqueles que a Gerações da Talha promove, são uma iniciativa recente na vila alentejana. “Antes, a abertura das talhas era uma coisa feita para os amigos e a família”, conta Ruben Honrado, 32 anos, outro representante desta nova geração de produtores que também recebe visitantes na Adega-Museu Cella Vinaria Antiqua, ao lado do restaurante da família. O País das Uvas é uma referência gastronómica na região, onde os ovos com silarcas, as bochechas de porco estufadas ou o cozido de grão se fazem acompanhar com vinho de talha. “A minha ideia é mantê-lo como vinho da casa o ano inteiro, de janeiro a dezembro”, afirma Ruben.
A visita à Cella Vinaria Antiqua é uma lição de História. Tudo o que está à vista, desde as paredes de tijolo burro aos arcos e ao chão – onde é visível a dorna ou o ladrão (buraco por onde escorria o líquido no caso de rebentamento da talha) –, esteve escondido durante décadas.
A partir da Adega-Museu, o percurso pode incluir uma paragem na casa de José Galante, 60 anos. A mesa está posta com queijos, enchidos, azeitonas, rábano e uma frigideira a fumegar com ovos mexidos e silarcas, todos eles produtos da região, escolhidos a dedo por José, produtor há cinco anos. “Sou apaixonado por isto. Sou eu que faço tudo, na vinha e aqui.” No meio da conversa e do petisco, há tempo para provar o vinho novo, aberto no Dia de São Martinho, como manda a tradição.
De passeio
Cinco sítios para ficar a conhecer (e provar) o vinho de talha, entre a Vidigueira e Vila de Frades
1. Centro Interpretativo do Vinho de Talha
Vila de Frades > T. 284 441 211 > ter-sex 9h30-12h30, sáb-dom, feriados 10h-13h, 14h30-17h30 > €2, com prova €3,50
2. Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito
Vidigueira > T. 284 437 240
3. Gerações da Talha
Vila de Frades > T. 96 756 6930
4. Adega-Museu Cella Vinaria Antiqua – Honrado Vineyards
Vila de Frades > T. 284 092 094
5. Adega Zé Galante
Vila de Frades > T. 96 949 1349