O passeio da Rua Poiais de São Bento é tão estreito que é quase impossível não se dar conta da música que soa no número 33. Não, não estamos a falar do bar-discoteca Incógnito, esse clássico da noite lisboeta que fica no prédio ao lado e só há de abrir à noite.
Entramos no novo Clube 33 a meio da manhã, atraídos pela música e também pelo chão de azulejo a preto-e-branco que contrasta com a inscrição Padaria Nacional, junto à janela. Os clientes, todos turistas estrangeiros, parecem encantados com os discos que vão passando, um a um, como se fossem as páginas de um livro. Nos móveis, há centenas de vinis por estrear, embora exista, ao fundo, uma secção de usados. “Somos ecléticos, temos de tudo um pouco, talvez haja mais oferta na área do rock”, adianta Alexandre Travessas, um dos responsáveis, a quem a música diz muito. Trabalhou como produtor musical, agente e road manager, até que a pandemia lhe trocou as voltas.
A loja estava nas mãos dele e do sócio desde 2015. “Os planos eram outros, acabou por tornar-se uma oportunidade de fazer uma coisa diferente e com que sonhava há muito tempo.” Mais do que uma loja de discos, o Clube 33 quer viver de encontros musicais, lançamentos, sessões de autógrafos e exposições, a primeira já no final deste mês de setembro.

Umas portas ao lado, no número 25, está o luthier Tomás Miranda. “Mudei para aqui em 1994, somos dos mais antigos da rua”, lembra Tomás, 66 anos, a figura simpática a quem se deve esta oficina de conservação e restauro de instrumentos musicais de sopro. “Este trabalho é cheio de mistérios. São precisos vários anos até nos iniciarmos nos pequenos arranjos”, diz-nos.

A excelência do seu trabalho tem trazido à oficina instrumentos tocados por artistas do mundo inteiro, desde flautas a clarinetes, oboés ou clarins. Nas paredes há registos fotográficos e recortes de Imprensa que o atestam, e a placa afixada na fachada, onde se lê também o nome de Fábio Mendes, é uma garantia de que tem quem prossiga com o ofício. “O Fábio está aqui há 20 anos, entrou com 18 anos. De início, não parecia muito interessado, mas foi ganhando o gosto. Há pequenos nadas que dão grandes coisas”, afirma.
Basta atravessar a rua para encontrarmos outra casa de ofícios, prova de que por aqui o saber-fazer e os velhos negócios convivem bem com as lojas modernas recém-inauguradas. No seu atelier, Rosa Diniz está debruçada sobre a bancada a trabalhar o couro que dá forma a uma das bandejas encomendadas pelo Hotel Lumiares. “Tive a sorte de crescer com uma mãe artista que me deu liberdade para experimentar e ser o que quisesse”, diz a artesã, de mãos irrequietas e com gosto pelas artes.
Abriu o atelier há dois anos nesta rua que descreve como “uma zona emergente, semelhante a alguns bairros de Paris”. Autodidata, faz tudo sozinha e sem recorrer a máquinas, desde malas, carteiras, sacos de viagem e outros artigos exclusivos, fruto da sua arte e imaginação, e também de muitas horas de trabalho. Em vários restaurantes de Lisboa, como o Belcanto de José Avillez, há ementas e fardas com a sua assinatura.
Tudo bons vizinhos
Na direção de São Bento ficam a Kintu Studio, de Sylwia Cylwik, onde há várias marcas de design nacionais e de artistas estrangeiros estabelecidos no País, e o atelier de cerâmica e estúdio de tatuagens de Julia San Millán e Olaya Mo. Em junho, Francisco Telo abriu aqui a primeira loja da Imago, depois de cinco anos a vender online e em lojas multimarca. Nas paredes brancas destacam-se as t-shirts, sweatshirts e bonés coloridos da marca portuguesa, tudo feito a partir de materiais orgânicos e reciclados. O estilo descontraído com um toque de irreverência agrada a raparigas e a rapazes.
Seguimos rua fora, fazendo uma paragem para espreitar as peças de design contemporâneo, ilustrações e outras obras de arte na Apaixonarte. O projeto é de Cláudia Cordeiro, que veio para esta rua em 2012, ainda este corre-corre de turistas não se fazia sentir nem havia vizinhos criativos como a Hoiko. Aqui, é a bijuteria de Nádia Vieira, feita à mão e essencialmente em latão, cobre e alumínio, que enche o olho, mas há ainda luminárias e cerâmica.
Passamos em frente à loja e ao atelier de Cécile Mestelan. A ceramista francesa soma cada vez mais interessados nas suas peças manuais e coloridas. Em março deste ano, abriu o Studio (fica um pouco mais à frente, no número 73A), onde decorrem as residências artísticas e organiza workshops.

Quase sem percebermos, estamos à porta da EarlyMade. Vem mesmo a calhar, pois a Poiais de São Bento é barulhenta, devido aos carros que teimam em passar, e agradece-se uma pausa. Mais ainda se for para tomar um café de especialidade e provar as rabanadas ou um cinnamon roll (disponível apenas aos fins de semana), numa das salas desta concept store que veio do Porto, onde há uma loja com o mesmo nome em Cedofeita.
É Irem quem nos recebe, uma jovem turca que escolheu Portugal para viver e esta rua para trabalhar. “Foi muito natural. Não entreguei nenhum currículo, simplesmente perguntei se estavam a precisar de pessoas. Gostei muito do visual da loja, colorida e cheia de detalhes”, diz num português esforçado, e a conversa prossegue em inglês.

A verdade é que é impossível não reparar nas prateleiras e nas paredes feitas de pedra lioz, que durante anos serviram a mercearia que aqui funcionou. Agora, nelas estão expostos peças de vestuário e acessórios escolhidos pelos irmãos Patrícia Sousa e Emanuel de Sousa. A curadoria das marcas – mais de duas dezenas, como a Kestin Hare, Studio Nicholson, Folk, Yogi Footwear, Orate Officine, entre outras – segue uma premissa: a ligação a Portugal, seja ao nível dos materiais seja na produção.
Na vizinha Mustique, marca fundada em 2018 pelos amigos Vera Caldeira da Silva e Pedro Ferraz, viaja-se até ao outro lado do mundo. Os tecidos naturais e os padrões exclusivos feitos na técnica block printing, que dão vida a camisas e calças, obrigam a uma paragem. O mesmo dizemos para a Minimall. Nesta concept store, vestuário, acessórios ou peças para a casa, tudo tem aquele toque de originalidade que, por vezes, se procura sem se encontrar. E há até quem pergunte se a decoração das montras está à venda.
Quase a chegar à Rua de São Bento, reconhecemos o Kooa Hair. Se é para pintar ou cortar o cabelo, esta é uma morada a fixar. Ricardo Memphus e Peter Andre, os responsáveis, são especializados na arte da cor e fazem questão de atender, sem pressa, quem se senta nestas cadeiras.

À saída, no outro lado do passeio, notamos a diferença na D’Olival Azeites & Cia., do casal Helena Begheto e Lino Rebolo. O que começou por ser um negócio em duas lojas, em 2020, passou agora para uma, na qual os azeites de pequenos produtores nacionais convivem lado a lado com o artesanato português contemporâneo. Há mantas da Pardo, peças em barro da Casa Cubista… Tudo coisas bonitas que não são só para turista ver.
Rua Poiais de São Bento: Pontos de paragem
Nº 25 Tomás Miranda > T. 93 402 2811 > seg-sex 10h-13h, 15h-19h
Nº 33 Clube 33 > T. 91 520 8575 > seg-dom 11h-19h
Nº 37 Incógnito > qui-sáb 23h-4h
Nº 44 Rosa Diniz Atelier > T. 92 574 3596 > seg-sex 10h-18h
Nº 52 Imago > T. 21 585 8677 > seg-sex 11h-19h, sáb-dom 10h30-18h30
Nº 54-58 Casa Angelita + Kintu Studio > T. 21 390 2193 / 91 101 9729 > seg-sex 11h-19h, sáb 11h-18h
Nº 57 Apaixonarte > T. 21 390 4333 > seg–sex 11h-19h, sáb 11h-18h
Nº 65 Hoiko > T. 96 680 6174 > seg-dom 11h-19h30
Nº 73 A, 74, 78 Studio + Cécile Mestelan > T. 91 363 6334 > seg-sex 11h-19h, sáb até 18h
Nº 81 D’Olival Azeites & Cia. > T. 91 874 2209 > seg-sáb 11h-19h
Nº 90 Mustique > seg-sex 11h-19h, sáb-dom 10h-18h30
Nº 112-114 Kooa Hair > T. 21 595 9199 > seg-sáb 10h-19h
Nº 120 Minimall >T. 93 848 0441 > seg-sáb 11h-20h