A hora de almoço aproxima-se e João Narigueta e Filipe Rebocho não têm mãos a medir. Os dois amigos são os responsáveis pelo Híbrido, uma das novas mesas da cidade de Évora, onde se dá destaque aos produtos endógenos. Filipe passou pela Casa da Calçada e pelo Esporão, trabalharam juntos no L’and Vineyards, em Montemor-o-Novo, até que a paixão pela cozinha voltou a juntá-los num projeto próprio. “Sentíamos falta de um restaurante onde pudéssemos provar coisas diferentes.” No Híbrido, trabalham caça, porco alentejano, peixe do rio, fermentados feitos na casa, produtos autóctones, das ervas às hortícolas, sempre de proximidade e com foco na sustentabilidade. “Interessa-nos o produto sazonal e a história da gastronomia, fazemos muita pesquisa e falamos com familiares para perceber o que se comia antigamente.” Os pastéis de caça que têm na ementa “são um tributo aos rissóis, que tiveram origem nas guiozas asiáticas, trazidas pelos monges jesuítas”, explicam. “Em miúdo, o meu avô comia muito papas de cevada, agora servimo-las transformadas numa espécie de risotto com cogumelos selvagens”, diz João. O menu depende da disponibilidade dos produtos, mas pode deixar-se ficar nas mãos de Filipe e João e pedir a degustação de cinco pratos, sempre com a certeza de que provará o pão de fermentação lenta feito na casa.
Na Rua da Alcárcova de Baixo, o Tua Madre, do italiano Francesco Ogliari e da portuguesa Marisa Tiago, é paragem obrigatória para quem gosta de ser surpreendido. O sucesso do restaurante (vem gente de fora só para almoçar ou jantar) deve-se à conjugação de receitas italianas com portuguesas, confecionadas com produtos locais “por vezes esquecidos ou mal aproveitados nas ementas das casas tradicionais”, diz Francesco, mas também aos vinhos naturais, da responsabilidade de Marisa, que ainda se ocupa da sala. No dia da nossa visita, provámos carpaccio de coração de boi, mostarda e queijo da Ilha; ravioli de cabrito e couve-coração, arroz de leitelho e chèvre, mas a ementa segue a sazonalidade e a imaginação de Francesco. No Tua Madre, utilizam borrego do Vale das Dúvidas ou cabrito de Sousel, vegetais da Quinta do Lagarto, e aproveita-se tudo o que vem do porco, dos pés à cabeça, incluindo as miudezas. As massas frescas foram as primeiras a ganhar fama porque, ainda antes de abrirem o restaurante, a pandemia obrigou a improvisar e o casal apostou no takeaway: “As pessoas vinham buscar e terminavam o prato em casa, com as nossas instruções.” A casa está quase sempre cheia e recomenda-se fazer reserva.
Filhos da terra
Na Praça do Giraldo, o icónico Café Arcada está quase a abrir. Reconhece-se a antiga porta giratória, mas no interior está tudo novo. “Vinte anos depois, vamos voltar a ter papelaria como antigamente”, diz José Coelho, o proprietário. Mas há mais novidades: pastelaria com fabrico próprio – com os pastéis e queijadas de Évora, croissants –, cave de vinhos e loja, restaurante com buffet a funcionar todo o dia e rodízio de carnes. E se é para sentir o ritmo da cidade, não esqueçamos a esplanada, com mesas postas no Giraldo.
Aos sábados, dia de Mercado de Hortelões e Quintaneiros, a Praça 1º de Maio fervilha de gente e agora ainda mais, desde que as lojas do Mercado 1º de Maio foram ocupadas. É lá que está a Luumi, de Helena Imaginário. “Começou com um abat-jour que encontrei no lixo e quis recuperar. Pedi ajuda ao meu amigo e escultor Hélder Cavaco para o arranjar, mas não conseguimos e acabámos por fazer uma estrutura nova”, conta. A partir desse e de outros esqueletos de contraplacado nascem candeeiros que cruzam design com trabalho artesanal. Feitos com fios de lã ou estopa de linho, tingidos à mão, e cruzados numa geometria irrepreensível por Helena, existem em vários modelos – de suspensão, de mesa ou de chão – e podem ser personalizados, não só na cor mas também nas pegas e nos pés. Ao sábado, com sorte, se passar pela Luumi ainda poderá assistir a uma sessão de fiação manual.
Na porta ao lado está a Magnífica Beer House and Tapas, do eborense Rui Madeira. Com sala interior e esplanada, serve cerveja artesanal. “Há quem ainda não saiba bebê-la, e assim é difícil apreciá-la. Tento dar alguma informação e indicar a cerveja certa”, diz. Às seis bocas de cerveja à pressão, mais uma de cidra, juntou as alentejanas Estroina, Velhaca e Alvoreada em garrafa e referências da Alemanha à Irlanda. Acompanham com petiscos, como tapas de presunto e de cavala em vinagrete. Em breve, há de abrir, do outro lado do bar, a fábrica da Magnífica. “A ideia é que as pessoas vejam o processo de fabrico e até possam fazer um lote próprio”, afirma. Em outubro, Rui espera organizar a segunda edição do Évora Beer Fest.
Perto da Sé Catedral, é fácil dar com a Quintinha de Évora, com um carrinho à porta recheado de cestas de vime e produtos de fazer crescer água na boca. A proprietária, Paula Fernandes, explica que embora a rua seja turística, trabalham essencialmente para as pessoas daqui, procurando produtos regionais e tradicionais que hoje em dia são difíceis de encontrar à venda. Nas prateleiras há pastel de toucinho, empadas de Arraiolos, costas de Sousel, bolos fintos e línguas da sogra recheadas com canela, chás e ervas da Aromáticas d’Palma (São Manços), chupas de mel (Mértola) e aguardente fumada de figo-da-índia (Lavre). “A ideia era ser uma loja 100% alentejana, ficámos aí pelos 90%, essencialmente de pequenos negócios”, diz Paula.
No Palácio Duques do Cadaval, a dois passos do Templo Romano, há de inaugurar, ainda em abril (espera-se), o restaurante Cavalariça. Depois da Comporta e de Lisboa, Bruno Caseiro e Filipa Gonçalves foram desafiados a levar para Évora a sua cozinha sazonal, em que os produtos são trabalhados com as mais variadas técnicas. A ementa será em tudo diferente das outras moradas, pensada sobretudo para quem vive na cidade, mantendo-se a qualidade da cozinha, a partilha de alguns fornecedores e o pão caseiro de massa mãe e fermentação lenta.
Vistas panorâmicas e banhos romanos
No Palácio de D. Manuel, recentemente recuperado, está o novo Centro Interpretativo da Cidade de Évora. Desenhado para contar, em linguagem acessível e com recurso a tecnologia, os 20 séculos de História da cidade, da Liberalitas Julia romana aos dias de hoje, é um dos novos equipamentos culturais. O percurso expositivo surpreende pela interatividade, tem animações 3D, vídeos e painéis com conteúdos históricos, reconstituições e até um miniteatro com personalidades importantes da cidade, do arquiteto Miguel de Arruda ao humanista André de Resende. Com vários projetos de requalificação a decorrer, edifícios históricos como o Teatro Garcia de Resende e o Salão Central Eborense, futuro centro multiúsos, ainda sem data de abertura, vão ganhando nova vida e valências à boleia da candidatura da cidade Património Mundial da UNESCO a Capital Europeia da Cultura 2027 (integra a lista das cinco finalistas portuguesas). Subimos à cobertura da Sé Catedral, o ponto mais alto da cidade, para perceber melhor o que se passa: daqui vê-se toda a cidade, dentro e fora das muralhas, até Arraiolos e Évora Monte. Para outras vistas, aconselha-se uma paragem no Alto de São Bento: este geossítio granítico, onde há moinhos recuperados e um centro educativo, é um miradouro natural.
Atravessando a Praça do Giraldo e descendo a Rua Serpa Pinto, encontramos o Convento dos Remédios que acolhe o Núcleo Interpretativo do Megalitismo. Totalmente remodelado, assinala a importância da paisagem megalítica da região, considerada uma das mais significativas a nível europeu e pontuada por vestígios monumentais de que são exemplo a Anta Grande do Zambujeiro e o Cromeleque dos Almendres. Sob a luz ténue das salas, vão-se descobrindo minuciosas maquetas de povoados pré-históricos, imagens e informação sobre estes monumentos megalíticos que merecem uma visita in loco.
O ambiente à média luz convida ao relaxamento e o calor húmido sente-se na pele assim que entramos na sala do In Acqua Veritas, escondido na Rua do Imaginário. Nesta espécie de balneário romano, composto por uma piscina retangular de água tépida com jogos de água, e outras duas pequenas, uma de água quente e outra de água fria, há também massagens e degustações. “Já fechámos a sala só para um casal de neozelandeses que veio de propósito de Madrid”, conta o responsável, Pedro Branco. “Costumamos ir aos banhos árabes a Sevilha e a Córdoba ou a Budapeste, na Hungria, e pareceu-nos uma boa ideia fazer algo parecido.” O edifício centenário tem o ambiente ideal: arcos, paredes de tijolo burro, nichos e outros pormenores a remeter para os banhos antigos.
No Convento do Espinheiro também se trata do corpo, mas não só. Comecemos pelo spa deste hotel de cinco estrelas, onde há novos tratamentos à base de alecrim, azeite e lavanda, cujas propriedades terapêuticas se experimentam em massagens revitalizantes, como a Planície de Lavanda, feita com pindas, umas bolsas de algodão quentes infusionadas com lavanda em flor e emulsionada com óleos naturais. Já relaxados, experimentamos o restaurante Divinus, aberto a não hóspedes, cuja arquitetura nos põe a contar os arcos da sala. Serve pratos de raiz tradicional, como a presa de porco preto beloteiro com migas de batata e enchidos, marmelo e acelgas, preparados pela equipa do chefe de cozinha Jorge Peças, entre outras sugestões. Mesmo que não se fique hospedado no hotel, o edifício, de interesse histórico, vale uma visita, para admirar as salas, o claustro, os jardins e a igreja.
Vinte minutos de viagem separam a cidade do novo Évora Farm Hotel & Spa, implantado numa herdade de 11 hectares, cuja extrema toca a margem da Barragem do Monte Novo. “Alentejo é sinónimo de exterior, é isso que temos e promovemos no hotel, com várias zonas de estar e atividades ao ar livre”, diz o diretor, Sérgio Duarte. É isso que encontramos, seja a partir dos quartos com saída direta para o exterior (prático para quem vai com crianças), seja no restaurante À Terra, aberto a não hóspedes e a meia dúzia de passos das duas piscinas. O tempo é passado ao ritmo de cada um. As crianças entretêm-se nos ateliers de arte e nas visitas à quintinha dos animais, os pais têm três piscinas contemplativas (exclusivas para adultos), mais isoladas. Tudo bons motivos para aqui ficar e voltar a explorar Évora, uma e outra vez.
Guia de novidades
VER
Núcleo Interpretativo do Megalitismo
Convento dos Remédios > Av. São Sebastião > T. 266 777 000 > seg-sex 10h-12h30, 14h-17h30, sáb 14h-17h > grátis
Centro Interpretativo da Cidade de Évora
Palácio de Dom Manuel > R. 24 de Julho > ter-sáb 9h-12h30, 14h-18h > grátis
Vista Panorâmica da Sé de Évora
Lg. Marquês de Marialva > T. 266 759 330 > seg-dom 9h-17h > a partir de €3,50 (vista+claustro)
Núcleo Museológico do Alto de São Bento
Alto de São Bento > T. 266 736 163 > seg-sex 9h-12h30, 14h-17h (visitas por marcação prévia)
Teatro Garcia de Resende
Pç. Joaquim António de Aguiar > T. 266 703 112
COMPRAR
Quintinha de Évora
R. 5 de Outubro, 50 > seg-dom 10h-19h
Luumi
Mercado Municipal 1º de Maio, lj. 25 > T. 96 639 2400 > ter-sáb 9h-18h
DORMIR
Convento do Espinheiro – Historic Hotel & Spa
Convento do Espinheiro > T. 266 788 200 > a partir de €160, tratamentos spa a partir de €60
Évora Farm Hotel & Spa
Herdade do Perdiganito, Lt. 52, Nossa Senhora de Machede > T. 266 248 530 > a partir de €115
COMER
Híbrido
R. Serpa Pinto, 34 > T. 96 143 1319 > ter-sáb 12h-15h, 19h-22h
Tua Madre
R. da Alcárcova de Baixo, 55 > T. 266 094 865, 91 687 9490 > qua-dom 13h-15h, 19h-23h
Café Arcada
Pç. do Giraldo, 7 > T. 266 736 040 > seg-dom 8h-24h
SAIR
Magnífica Beer House and Tapas
Mercado Municipal 1º de Maio, lj. 24 > T. 96 777 8934 > ter-dom 11h-22h
In Acqua Veritas Spa
R. do Imaginário, 11 > T. 266 048 958, 96 671 0360 > seg-qui, dom 10h-14h, 16h-22h, sex-sáb até 23h > a partir de €39 (uma hora de banhos)