Vestida com uma saia rodada em tons de amarelo e de azul e com um turbante branco na cabeça, Carol Brito, 39 anos, sai da cozinha para nos receber. No Acarajé da Carol, o restaurante que abriu há cinco anos no Bairro Alto, a especialidade é… o acarajé, o “bolinho” feito de massa de feijão-fradinho, cebola e sal, e frito em azeite de dendê. A receita, oriunda do golfo de Benim, na África Ocidental, foi levada para o Brasil pelos escravos daquela região. “É uma comida afro-brasileira com muita história e significado”, diz a sempre sorridente Carol, que pertence à Associação Nacional das Baianas de Acarajé (em 2012, as baianas foram reconhecidas como Património Cultural Imaterial do Brasil). Por volta das seis da tarde, já havia clientes sentados à mesa. A maioria pede a versão para comer à mão (€5/€6, com ou sem camarão), mas o acarajé também pode ser saboreado no prato, em dose individual (€7) ou para partilhar (€12,90), acompanhado por camarão frito, vatapá e vinagrete. E se os “bolinhos” já nos tinham enchido as medidas, agradecemos também cada garfada na moqueca de camarão preparada por Carol. A próxima visita fica agendada para um domingo, para uma prova da famosa feijoada à brasileira.
Depois deste samba de sabores, descemos o Bairro Alto em direção à Praça Luís de Camões, onde fica O Boteco, de Kiko Martins. “Nasci no Rio de Janeiro e vivi lá até aos meus 10 anos; teve muita influência”, há de dizer-nos. Não será, pois, de estranhar que o chefe de cozinha de 42 anos tenha decidido aventurar-se com este boteco de assinatura (“boteco” é uma espécie de tasca, de porta aberta para a rua, onde se pode beber uns chopes, petiscar um pastel de vento ou comer algo mais substancial, como uma feijoada). Na ementa, consta o escondidinho (espécie de empadão, mas de mandioca) com pernil estufado, costeletão gaúcho e assado de tira confitada, bem como pratos tradicionais com um toque de autor, como o bobó de carabineiro e de bacalhau e o rosbife de maminha com tártaro de vieiras. Para sobremesa, os apreciadores saberão que só pode ser quindim, ali servido com tapioca e maracujá.
Salgadinhos tropicais
Enquanto aguardamos pelo pastel de feira preparado pela paulistana Carol Thomé, 39 anos, dona d’ A Pastelaria, no Saldanha, damos por nós (e não somos os únicos!) a cantarolar a música, que sai das colunas, Tiro ao Álvaro, na voz de Elis Regina. Um entusiasmo apenas interrompido para saborear esta iguaria nascida nas feiras de São Paulo e que depressa se espalhou pelo Brasil. E basta uma simples dentada para se perceber a sua qualidade. A massa artesanal, produzida diariamente, chega com um recheio generoso (e delicioso, é preciso dizê-lo). A ementa inclui várias opões, desde os recheios mais tradicionais, afixados no cardápio, como queijo (€3), carne (€3,20), frango com queijo Catupiry caseiro (€3,50), aos mais originais e que aparecem esporadicamente, como o pastel hot-dog. “Cresci comendo pastel de feira. Adoro comida de rua e tudo o que está em volta dessa cultura”, diz Carol Thomé, autora do livro Portugal à Brasileira.
Com identidade paulistana, tal como o pastel de feira, as coxinhas são igualmente populares no Brasil. Por cá, este salgadinho ganha cada vez mais adeptos e sítios onde apreciá-lo. A Coxinharia, em Alcântara, é disso um exemplo. Quando saiu do Interior de São Paulo, em 2015, para viver em Lisboa, Glauco Junqueira, 37 anos, trouxe na bagagem a receita da avó. À massa, preparada com farinha, leite e caldo caseiro de galinha e sovada à mão, juntam-se diferentes recheios, nomeadamente os de carne, camarão, bacalhau, queijo e legumes (€3). “As nossas coxinhas são sempre fresquinhas e fritas no momento ou, para quem preferir, assadas no forno”, explica Glauco que, juntamente com Carlos Rebolo, gere a casa dedicada a este salgado (mas não só!).
Na hora de matar as saudades do país irmão, há mais petiscos a ter em conta. Como o quibe, introduzido no Brasil pelos emigrantes árabes, no final do século XIX, bastante apreciado e presença obrigatória em festas. Para provar este bolinho preparado com massa de trigo, recheado com carne e temperado com ervas (€1,90), entre outras sugestões, basta passar pelo Feel Rio, uma lanchonete com alma carioca, na Baixa, bem perto da saída de metro, com opções para comer à mão.
Em Belém, entramos n’ A Lanchonete, aquela palavra que nos habituámos a ouvir nas telenovelas dos anos 80 e que quer dizer, mais ou menos, o mesmo que os nossos snack-bares. Todos os dias, entre as 11h e as quatro da tarde, serve-se aqui um brunch brasileiro. Há duas opções (€13 e €16), dependendo se tem fome ou muita fome. Depois há que escolher entre o que se quer comer – pão de queijo ou minicoxinhas, tapioca ou crepioca (com ovo), pão grelhado com requeijão ou pastel de feira, acompanhado, por exemplo, de chá-mate Leão. A ideia é de Pedro Bento, 32 anos, que decidiu dar continuidade ao negócio dos pais, ex-emigrantes no Brasil, transformando-o, há três anos, numa lanchonete, agora com morada também em Benfica.
Mitigar a distância
Desde maio de 2019 que a literatura brasileira encontrou um lugar no Príncipe Real. Chama-se Livraria da Travessa e trata-se de um projeto de Rui Campos, o mineiro que, em 1986, abriu uma livraria na Travessa do Ouvidor, no Rio de Janeiro, transformando-a, desde então, num dos polos culturais mais conhecidos do Brasil. Por cá, tem como objetivo aumentar a presença em Portugal dos livros publicados no Brasil, e vice-versa.
Também a Baobá, na Rua de São Paulo, atravessou o Atlântico. Servem café produzido na fazenda Baobá, localizada em São Sebastião da Grama, no estado de São Paulo, região cafeeira de excelência pelo clima e pelo solo. Dos pés cultivados até 1 400 metros de altitude, extrai-se, num processo artesanal e manual, a variedade arábica. Na loja lisboeta (esperam abrir, em breve, mais duas na capital), vendem os grãos moídos para fora e os clientes podem pedir café de filtro (€3 a €5,50), expresso de máquina (€1), latte (€3) e cappuccino (€3).
Se o café pede um doce, não há ninguém melhor do que a paulistana Carolina Henke, 38 anos, proprietária da Brigadeirando, na LX Factory, para falar sobre deste doce do Brasil. Quando chegou a Portugal, para fazer o mestrado, a ideia era voltar para casa, mas a vida trocou-lhe as voltas e ficou por cá. “Sempre gostei de cozinhar e mais ainda de criar”, diz. Na loja, decorada com flores secas e com uma esplanada, não faltam diferentes combinações, do tradicional brigadeiro de chocolate ao de amendoim, caramelo salgado, flor de sal e lima.
Chegados aqui, e se a ideia for aventurar-se na cozinha, vale a pena espreitar as prateleiras da Made in Brazil, na Rua Morais Soares, do casal Rozana e Renato Pinto. Na mercearia, não faltam ingredientes, desde tapioca, açaí, pamonha, arroz-agulhinha, feijão-carioca, melaço de cana e pão de queijo, temperos, linguiça calabresa, carne seca e um kit de feijoada à brasileira, estas últimas embaladas em vácuo.
“Tira o pé do chão”
Falar do Brasil significa começar imediatamente a trautear um sambinha e a sentir um formigueiro que nos obriga a dançar. E que felicidade ter os nossos irmãos por aí, a darem-nos música em restaurantes e bares. Difícil é só mesmo acertar a agenda com a variada oferta.
Mas, às vezes, falta-nos a alma certa para entrar no espírito da roda de samba. Bem sabemos que as restrições pandémicas comprometeram a proximidade que este conceito implica, mas nada nos impede de dançar, isso é certo.
Na Casa da Pedra, no recinto do Rock in Rio, no Parque da Bela Vista, os jantares de sábado são acompanhados pelas melodias de Higor, Everaldo, Daniel, Eduardo e Fabrício (o quinteto com o nome O Samba é 1 Só) que se esforçam por tirar os portugueses das cadeiras.
Aos domingos, ao final do dia, repetem a dose no Okah, no Cais Rocha Conde d’ Óbidos, e nunca perdem o otimismo e a confiança na animação. “Cada vez queremos mais ser um formato de roda, com energia brasileira, que implica uma maior interação com o público do que um concerto normal”, conta o porta-voz do grupo que aposta numa mistura de bossa nova com algum samba, à custa da junção da sonoridade do cavaquinho com a do pandejo e a do violão.
Não muito longe dali, o domingo continua animado e com sotaque brasileiro. O Boteco da Dri, quase a chegar à estação dos comboios do Cais do Sodré, é poiso garantido para uns chopinhos, algumas caipirinhas e muito pé rodopiante. Seja dentro ou fora, a animação musical deste restaurante arregimenta muita gente da comunidade residente em Portugal, que gosta de gozar o fim de semana até à última gota. Neste boteco, com vista para o nosso Cristo-Rei, além da comida de inspiração brasileira, há música garantida, de quarta a domingo – há que dançar como se estivéssemos no Brasil.
Aqui, pode fazer-se um compasso de espera para se entrar na roda de samba mais antiga de Lisboa. Umas portas ao lado, e também ao domingo, a partir das 21 horas (o horário nunca é muito certo), o projeto Viva o Samba Lisboa reúne-se no Titanic Sur Mer, para embalar a noite ao som da melhor música brasileira improvisada. Com um bocadinho de sorte, e algum talento, até se consegue chegar ao microfone para, espontaneamente, se alegrar a sala que está quase sempre cheia de gente disposta a sambar pela noite adentro, como se a semana não começasse daqui a umas horas.
A porta está encostada n’ Água de Beber, na Rua Poiais de São Bento, mas o ambiente é convidativo por causa da música ao vivo. De sexta a domingo, das oito às 11 da noite, a banda sonora é sempre garantida entre “MPB [Música Popular Brasileira], bossa nova, e samba de raiz”, resume Marco Silva, o dono, entre as canções de Gal, Elis e Tim Maia que acompanham a nossa conversa. O bar, que durante seis anos animou o Cais do Sodré, cresceu em tamanho e na oferta gastronómica, sem perder o espírito de boteco que Marco, brasileiro natural de Goiânia, imaginou.
Espírito é o que não falta na Fábrica Braço de Prata, na outra ponta da cidade. Se andar à procura de um bom forró, saiba que sexta sim, sexta não, o andar de cima fica reservado ao Espaço Baião e à festa com sotaque brasileiro. E a partir deste mês, começa um ciclo de roda de samba, todas as quartas, às dez da noite, com o músico carioca Júlio Brechó. Brindemos a isso, com uma caipirinha, pois claro, e já com um pézinho no ar.
Moradas com sabor a Brasil
COMER
Acarajé da Carol > R. da Rosa, 63, Lisboa > T. 21 342 1073 > ter-sex 17h-23h, sáb 13h-23h, dom 13h-18h
O Boteco > Pç. Luís de Camões, Lisboa > T. 21 314 8071 > seg-dom 12h-16h30, 19h-23h30
A Pastelaria > Av. Praia da Vitória, 47, Lisboa > T. 21 352 1202 > seg-sáb 12h-20h, 12h-16h
Coxinharia > R. de Cascais, 31A, Lisboa > T. 21 590 3039 > seg-sex 11h-22h, sáb-dom 11h-19h
Feel Rio > R. do Crucifixo, 108, Lisboa > T. 21 346 0654 > seg-dom 10h-21h
A Lanchonete > R. Pinto Ferreira, 5A, Lisboa > T. 21 364 8755 > seg-sáb 8h-19h, sáb 9h-19h > Av. Gomes Pereira, 104A, Lisboa > T. 21 716 2250 > seg-sáb 9h-20h
Brigadeirando > LX Factory, R. Rodrigues Faria, 103 > T. 96 348 1132 > seg-sex 12h-19h, sáb-dom, fer 10h-19h
COMPRAR
Livraria da Travessa > R. da Escola Politécnica, 46, Lisboa > T. 21 346 0553 > seg-sáb 10h-22h, dom 11h-20h
Baobá > R. de São Paulo, 256 > T. 93 060 3277 > seg-dom 9h-18hMade in Brazil
Made in Brazil > R. Morais Soares 126A, Arroios, Lisboa > T. 21 813 9172 > seg-sáb 9h30-20h
SAIR
Água de Beber > R. Poiais de São Bento, 73, Lisboa > T. 91 158 1413 > seg-ter, qui-dom 18h-2h > música ao vivo sex-dom 20h-23h
Casa da Pedra > Parque da Bela Vista, Av. Dr. Arlindo Vicente, Lisboa > T. 91 080 0326 > roda de samba sáb 19h-23h
Okah > Cais Rocha Conde d’ Óbidos > T. 91 411 0791 > roda de samba dom 19h
Boteco da Dri > Cais Gás, 19 > T. 92 668 2323 > ter-qui 18h-24h, sex 18h-1h, sáb-dom 12h-1h > música ao vivo qua-dom 19h-23h
Titanic Sur Mer > Cais do Gás, Armazém B, R. da Cintura do Porto de Lisboa > roda de samba dom 21h
Fábrica do Braço de Prata > R. da Fábrica de Material de Guerra, 1, Lisboa > T. 92 573 7045 > roda de samba qua 22h, forró sex 21h (15 em 15 dias)