Há aquele momento em que a luz do dia deixa de iluminar-nos e em que temos de prestar atenção aos pedregulhos incertos que formam os caminhos do castelo. É sobre eles que andaremos durante este Sonho de Inverno, idealizado por João Botelho.
Durante uma meia hora, na versão mais “a despachar” (se for respeitado na íntegra pode durar 60 minutos), pararemos em seis instalações. A primeira (Da História) dá-nos a voz da atriz Catarina Wallenstein, a debitar um excerto de Descrição da Cidade de Lisboa, de Damião de Góis. “São textos maravilhosos sobre a origem da cidade”, assegura João Botelho. Do lado oposto, avistam-se as ruínas de uma antiga catedral que obrigam a uma pausa musical, da autoria do compositor Pedro de Cristo – no meio da obra do polifonista do século XVI, escutam-se sinos a dobrar. Mais à frente, na sala das exposições temporárias, é tempo de sonhar e ficar nas nuvens com Fernando Pessoa. Enquanto se ouvem pedaços da sua obra, espreita-se a projeção de luz e fumo que simula um céu nublado.

Deste Sonho até à próxima paragem, para nos determos num poema de Cesário Verde sobre Lisboa, pela voz do ator Pedro Lacerda, o caminho faz-se ao som da Natureza, com destaque para os gritos dos pavões. Podemos ficar meia hora na instalação Da Música. Aproveitando o murete do poço, sentamo-nos a interiorizar a Noite Transfigurada, de Arnold Schönberg, enquanto hipnotizamos perante as imagens do universo que ilustram esta composição. Aqui, a luz banha-nos de vermelho enquanto se projeta na muralha, reconstruída no século XX. É agora tempo para Camões. Na sala dos fornos, encontramos uma tina com água, cheia de espelhos que se projetam na parede como uma gota contínua a simular o mar português. “Estou contente por poder brincar com este monumento fantástico”, revela o realizador, de 72 anos, que escolheu as palavras de Luís de Camões sobre o mar para marcar o final do seu sonho.

Sonho de Inverno > Castelo de São Jorge > até 18 fev, seg-dom 19h-21h > €5
5 pistas sobre o Sonho
Informação extra: Todo o percurso é acompanhado de informação biográfica dos autores a que recorreu João Botelho, exposta em pequenos painéis junto às respetivas paragens. Há também projeção de legendas em inglês.
Por onde passa: O percurso tem seis paragens, mais precisamente no Jardim Romântico, nas ruínas da catedral, na Sala Ogival, na primeira e na segunda Praças de Armas e no Páteo dos Fornos.
Aproximação do Universo: As imagens que acompanham a Noite Transfigurada, de Schönberg – composição que João Botelho venera e já utilizou no seu filme Três Palmeiras – começam muito longe no universo e vão-se aproximando da Terra, terminando num eclipse lunar.
Pavões a dormir: João Botelho recorreu ao arquivo de sons para garantir que se ouviam os pavões, mas no castelo há um pinheiro-manso que abriga, durante a noite, 40 exemplares desta ave.