O gosto pelas artes sempre fez parte do ambiente familiar de Constança Cordeiro. A sensibilidade do pai, arquiteto de formação, para as coisas belas levou-os em viagens de que a bartender não se esquece. “Uma vez fomos a Bilbau ver o Museu Guggenheim. O que mais me interessou não foi a arquitetura do edifício, mas aquele cão gigante e florido do Jeff Koons”, conta Constança. A veia artística na família Raposo Cordeiro reflete-se também na escolha profissional dos irmãos – cinco raparigas e um rapaz –, entre os quais há uma restauradora de quadros e um músico. “Eu sempre desenhei e pintei. Estudei artes no liceu e a ideia era seguir design, mas o meu pai avisou-me de que essa área não estava fácil e aconselhou-me a ir para informática ou turismo. Escolhi turismo.”
Conhecida por “Raposa Silvestre”, nome que junta o seu apelido à forma como os produtos crescem sem intervenção humana, Constança acaba de abrir a Toca da Raposa, o bar que idealizou, na Rua da Condessa, em Lisboa. Isto depois de promover, na quinta da família no Alentejo, os co.labs – encontros no campo com colegas de profissão, em que o objetivo era descobrir a flora da região e com ela preparar bebidas –, mostrando como os nossos ingredientes podiam ser baralhados em fórmulas tão simples quanto inesperadas. “Colhemos e provámos tudo, só assim se descobre a que sabem as coisas e o que funciona”, explica a bartender de 27 anos. As suas criações são feitas disso mesmo, com produtos portugueses e pouco convencionais: flores, frutos (como a banana da Madeira) ou rebuçados Flocos de Neve.
Chegar aqui foi uma aprendizagem. Constança Cordeiro formou-se em Gestão Hoteleira, na Escola Superior de Hotelaria do Estoril, e desde o primeiro ano que começou a trabalhar. Aproveitava as férias para fazer estágios, tendo passado pelo Tivoli de Vilamoura, pela cozinha do Ritz-Carlton, em Tenerife, e pela equipa inicial do bar do Miradouro de São Pedro de Alcântara. No último ano de curso, foi para o Penha Longa, em Sintra, onde evoluiu profissionalmente, mas queria ir mais longe: “Tentei desenvolver a parte criativa através dos cocktails, só que nessa altura servia um por semana, e isso não era suficiente.” Por isso, pediu para trabalhar, de graça, no Cinco Lounge, o bar no Príncipe Real, Lisboa, de David Palethorpe, que a aconselhou a ir para Londres. “Eu tinha ideia de ir para fora; queria aprender bem, e mais rápido. Nessa altura, em Portugal, ninguém ligava aos cocktails.” Mudou-se em 2014, com 23 anos, depois de cem emails enviados para bares da capital britânica e com quatro entrevistas marcadas. Uma semana depois tinha trabalho, não no sítio que tinha idealizado, mas o espírito de sacrifício havia de levá-la a bom porto. Quando, finalmente, chegou ao Peg and Patriot, um dos melhores bares de cocktails de Londres, percebeu o que era trabalhar com produtos frescos, endógenos, e fazer os próprios destilados. Entretanto, a ideia de abrir um bar já fermentava na sua cabeça, e o regresso a Portugal, com algumas saudades da família à mistura, aconteceu em julho do ano passado.
Ao som de uma banda sonora bem portuguesa, Constança e a equipa da Toca da Raposa (Cheila Tavares, Semi M’Zoughi e Dominik Weber) servem aqui Golfinhos, Lobos e Cegonhas – cocktails com nomes de animais, porque só assim fazia sentido. Haverá ainda uma instalação de vídeo, uma obra de Branca Cuvier e uma playlist escolhida para passar nas casas de banho. “Quero que as pessoas sintam que vêm a minha casa. O meu principal objetivo é que bebam cocktails, mas não sou tirana. Se quiserem, podem beber um copo de vinho ou cerveja”, diz a sempre sorridente Constança.
Toca da Raposa > R. da Condessa, 45, Lisboa > ter-dom 18h-2h