É irresistível o cheiro a chocolate quando se sobem os degraus da Feitoria do Cacao, a loja da japonesa Tomoko Suga e da portuguesa Susana Tavares, na estrada de S. Bernardo, em Aveiro. No ateliê, situado no piso inferior, três cilindros moem delicadamente, durante 30 horas, os chocolates negros de São Tomé com flor de sal de Aveiro, o branco com chá matcha & sencha e o premiadíssimo chocolate negro (76%) de cacao Nicalizo da Nicarágua que, em junho, lhes valeu a medalha de prata nos Academy of Chocolate Awards 2017. “Se existem Oscars no cinema, para nós este prémio tem o mesmo peso”, diz Susana, orgulhosa. Nem de propósito, no dia da nossa visita, as chocolateiras souberam que tinham ganho mais duas medalhas noutro concurso, o Internacional Chocolate Awards: a de ouro para o chocolate negro Costa Rica 92% e a de bronze para o da Tanzânia 60% com leite de ovelha. O único senão destas distinções é o facto dos chocolates premiados se esgotarem rapidamente e de ali não se ter, por isso, mãos a medir. Há dois anos que Tomoko Suga, 50, e Susana Tavares, 39, vão mostrando ser possível trabalhar o chocolate, em pequena escala, desde o grão à tablete. Há, contam-nos, “quem tenha vindo do centro da cidade a pé, só para o conhecer e provar”.
Pouco a pouco, a Feitoria do Cacao está também a tornar-se num cartaz turístico de Aveiro. Que o diga Paula de Jesus que, nessa tarde, veio de Vila Nova de Gaia com o marido e o filho, “só para perceber como se faz chocolate a partir do grão de cacau”. Não faltam novos motivos para visitar Aveiro e isso tem-se notado no aumento de visitantes que aqui chegam. Ainda sem números oficiais deste ano, o Turismo do Centro aponta para uma clara subida. Os dados, por agora baseados no atendimento nos postos turísticos, indicam que são os espanhóis a liderarem as visitas, seguidos dos franceses, que já ultrapassaram os portugueses.
Às dez da manhã, hora a que os moliceiros começam as viagens de passeio pela ria, já o casal de galegos José e Mónica, vindos de Mós, próximo de Vigo, anda pelas salinas. “Queríamos ver o sal e fomos entrando, sem saber o que íamos encontrar”, contam, sentados no café que a Cale do Oiro abriu este verão, e de olho nos três filhos, de oito, nove e 12 anos, que se divertem nas águas da piscina salgada e cobrem o corpo com a lama natural e terapêutica que reveste o fundo. Os quatro dias que ficam de férias em Aveiro hão de decorrer entre passeios pela cidade, viagens de moliceiro e idas às praias da Costa Nova e da Barra. Só não ficam mais tempo porque José, que é gaiteiro galego, terá de regressar a Vigo a tempo de atuar num concerto na Corunha.
Até final de setembro, época em que as marinhas Grã Caravela e Peijota se tornam numa das maiores atrações turísticas de Aveiro, será mais ou menos este o cenário. Pedro Sardo, um dos sócios da Cale do Oiro e deste Salinário, estima que, entre pagantes e não pagantes a entrada é livre, mas as visitas guiadas custam €4, ali tenham entrado dez mil pessoas desde abril, só para ver “este antigo labirinto de compartimentos de circulação de água”. “Manter as marinhas em produção, de forma artesanal”, é o objetivo deste advogado, cuja família há muito está ligada ao setor.
Enquanto, ao longe, se avistam os dois únicos marnotos da zona, a terapeuta Teresa Estêvão, 42 anos, prepara a marquesa do spa improvisado numa casa de madeira (com vista para as salinas) onde a Cale do Oiro começou, há poucos meses, a promover massagens de relaxamento com pindas marinhas (saquinhos de pano com flor de sal e ervas aromáticas), e o ritual salínico (esfoliação com sal marinho). A ideia, trouxe-a Teresa do tempo em que trabalhou num hotel em Reiquiavique, na Islândia. “Gostava de usar sal dos Himalaias e era conhecida por misturar cascas de laranja, gengibre e canela nos óleos essenciais”, conta. A técnica de spa quer “reeducar as pessoas acerca do uso do sal marinho”. “Não serve só para comer, pode ser bebido, funciona bem como diurético e pode ser aplicado em banhos”, explica. Mas não serão apenas o sal, a flor de sal ou as algas da região, usados para temperar, em conservas ou cosmética, os únicos produtos naturais transformados em negócio. Também a salicórnia, a planta que cresce de forma espontânea nas salinas, tem visto novos usos. É, por exemplo, um dos ingredientes da recente cerveja artesanal Moira, produzida pela microcervejeira Maldita e comercializada pela Cale do Oiro disponível no café do Salinário. Ou do cocktail Salicórnia Mule (com lima, vodka e ginger beer), que haveremos de provar, mais tarde, no novíssimo bar Salicórnia, aberto em meados de junho, junto ao Mercado do Peixe, por João Mendonça e Pedro Monteiro, ambos com 46 anos, onde se combinam vinhos e petiscos portugueses como a salada de polvo e moelas.
A cozinha do Armazém da Alfândega
Das Salinas ao Rossio, podíamos ter ido de BUGA, as bicicletas de utilização gratuita de Aveiro que ganham cada vez mais adeptos. Mas, como não andamos em ritmo de passeio, seguimos de carro para o Jardim do Rossio, lugar que fez com que o chefe de cozinha Daniel Cardoso, 35 anos, trocasse Lisboa por Aveiro para abrir o restaurante Armazém da Alfândega no rés do chão do igualmente novo hotel Histórias por Metro Quadrado. Desafiado por Maria João Lincho, a proprietária do edifício, saiu do Le Moustache Smokery, na lisboeta Praça das Flores, e veio para “esta pequena aldeia dentro de uma cidade” que nem sequer conhecia.
“Dificilmente volto para Lisboa. Aqui, vou às compras a pé, demoro cinco minutos a chegar a casa. Toda a gente se conhece e se entreajuda”, nota. No Armazém da Alfândega, decorado com murais do graffiter Fábio Carneiro que tem outras obras espalhadas pela cidade, garante ter “mais tempo” para criar pratos de “cozinha do mundo e de conforto”. No início, confessa, “as pessoas estranharam um bocadinho”, mas quem resiste a provar um tiramisu feito com raivas (biscoito típico de Aveiro), uma barriga de leitão confitada com puré de pastinaca e aros de cebola crocantes ou uns tacos de peixe fresco? Na carta, há ostras da ria, mariscos, novilho dos Açores, ceviche, tataki de atum e propostas irreverentes como a marmita do dia (disponível de segunda a sexta ao almoço) servida nas antigas caixas de inox iguais às que o avô de Daniel levava para o trabalho na construção civil. Os primeiros e últimos sábados do mês são dias de Chefe ao Balcão e cozinha-se à frente dos clientes. Garra é também o que não falta à mentora deste negócio, Maria João Lincho, 44 anos, e tanto a encontramos a fazer o check-in aos hóspedes do Histórias por Metro Quadrado, o alojamento que abriu em fevereiro, como a ajudar no transporte das malas. O brasileiro Marcos da Costa, 57 anos, reformado, chegou com a mulher e dois filhos para passar dois dias em Aveiro. Descendente de portugueses, veio conhecer as suas raízes, não escondendo a intenção de se mudar para Portugal. “Vocês têm um País maravilhoso”, elogia, antes de subir para um dos oito quartos temáticos, onde tanto se viaja pelos amarelos dos ovos-moles como pelas riscas características dos palheiros da Costa Nova ou pelos traços de Arte Nova da Casa do Major Pessoa. É, na realidade, um projeto “feito com paixão” por esta aveirense, que desafiou alunos da ESAD Escola Superior de Arte e Design para a decoração de interiores e a designer Cláudia Garrido a desenvolver uma linha própria de almofadas e fundos de cama para o hotel.
Da ria ao mar, é um pulinho
A meio da tarde, apetece dar um salto à praia da Costa Nova. Corre algum vento, mas quase não se dá por ele debaixo do novíssimo bar homónimo, com madeira de um branco imaculado. O Costa Nova Beach Club podia estar nas Caraíbas, mas fica no litoral de Aveiro, onde um grupo de seis amigos se costuma juntar. “Queremos que seja a casa de praia de famílias e amigos”, conta Margarida Mangerão, uma das sócias. Entre sumos naturais, limonadas e cerveja gelada, servida em chávenas da Costa Nova (a conhecida marca de loiça em grés, nascida naquela vila, é parceira do bar), comem-se saladas (verde, vegetariana, camarão ou rosbife), sanduíches (salmão, brie, atum) e tostas. Termine-se a refeição com uma deliciosa bola de gelado de ovos-moles da Benareli, marca artesanal do restaurante de sushi aveirense Subenshi. Ainda se poderá brindar com um copo de vinho, espumante, cocktail ou gin. Foi o que fez o engenheiro agrónomo Alberto Camões antes de regressar ao areal onde tinha estendido a toalha. “Só vos digo: este é o melhor sítio do País”, sentencia. E quem somos nós para duvidar… Basta olhar à volta, para as dezenas de espreguiçadeiras, de uso gratuito, espalhadas no areal, onde não falta, sequer, um tapa-sol pensado para pais com bebés e uma zona de bicicletas.
De volta à zona histórica de Aveiro, onde se escutam vários idiomas nas ruas, espreitamos a loja A Desconfiada, que a professora de línguas Ana Guimarães, 41 anos, abriu em 2016 com a intenção de “mudar de vida”. Lá dentro, quase tudo é português: loiças, objetos decorativos, fios e colares, postais e sacos, tudo escolhido a dedo “para que os turistas possam levar um pouco de Portugal”.
Se, nestas andanças, a fome apertar e não lhe bastarem os ovos-moles de Maria da Apresentação da Cruz (€6/caixa mais pequena), a casa centenária de 1882 que tem loja recente no número 82 da Rua Dom Jorge de Lencastre, próxima da garagem onde nasceu, é seguir para o Tê Zero, atravessando para a outra margem da ria e seguindo pela Rua do Clube dos Galitos. A nova casa que Paulo Pinheiro abriu na Rua José Rabumba, dedicada às tripas de Aveiro, fica quase em frente ao lugar onde este aveirense, de 51 anos, inovou durante mais de uma década a tradicional massa mole de bolacha americana.
O Tê Zero abriu em abril, decorado com motivos da cidade, com os vermelhos, azuis e amarelos típicos das casas, e algumas fotografias de Paulo nas paredes. Convém entrar de estômago vazio, para poder provar as tripas salgadas (de queijo, atum, fiambre ou salsicha) ou doces (de ovos-moles com gelado de limão, leite condensado, vários tipos de chocolate, compota, manteiga de amendoim e uma série de outros extras). Os aveirenses adoram e os turistas vão atrás. Quando os barcos atracam, sobretudo à tarde, é vê-los a encher este pequeno Tê Zero.
Foi por amor à cidade, piscando, também, o olho ao turismo, que a inglesa Lisa Vella-Gatt, 48 anos, trocou, há uns meses, a pacatez da aldeia de Benfeita, na Beira Interior, por Aveiro. Com ela vieram os três filhos de 14, 12 e oito anos e as 15 alpacas que tem e que, agora, correm velozes na quinta Monte Frio Alpacas, em Aradas, aberta a visitas e a quem queira montar estes animais de pelo fofo e surpreendente e que até podem fazer passeios junto à praia. “Aqui fica tudo mais perto, há mais escolas para os meus filhos e mais oportunidades para o têxtil”, justifica Lisa que já tem parcerias com empresas para o uso em pequena escala da lã proveniente das suas alpacas. Os animais parecem estar a dar-se bem com a região e com o clima, “muito parecido com o da América do Sul, de onde são provenientes”, diz-nos. “Gosto do mar e Aveiro… it’s very friendly”, nota, com um grande sorriso. Como convém sempre traduzir, diga-se que é mesmo muito amigável esta cidade.
Guia de Viagem
ONDE COMER
Armazém da Alfândega
Restaurante de cozinha “de conforto” da autoria do chefe Daniel Cardoso, que trocou Lisboa por Aveiro, onde diz ter “mais liberdade para criar”. Largo do Rossio, 1, Aveiro > T. 96 605 8214 > seg-sáb 12h30-15h, 19h30-24h
Salicórnia
Nasceu no final de junho, junto ao Mercado do Peixe, e serve petiscos portugueses (salada de polvo, rojões e moelas), tábuas de queijo e enchidos, cocktails, gin e vinhos. Largo Praça do Peixe, 34, Aveiro > T. 234 134 245 > seg-dom 11h-02h
Maria da Apresentação da Cruz
A casa, nascida em 1882, é uma das mais antigas no fabrico de ovos-moles (€24/ kg) e outros doces tradicionais de Aveiro, como raivas, cacos, bolos de gema ou castanhas de ovos. R. Dom Jorge de Lencastre, 82 > T. 234 092 689 > seg-sáb 9h30-20h, dom 9h30-13h
Tê Zero
Pequeno restaurante com as famosas tripas de Aveiro, em diferentes combinações doces e salgadas. Em setembro, abrirá um segundo restaurante no ISCA – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro. R. José Rabumba, 6, Aveiro > T. 91 865 5169 > seg-dom 10h-2h
ONDE DORMIR
Histórias por Metro Quadrado
Pequeno hotel de charme, aberto em fevereiro, com oito quartos temáticos a remeterem para os sabores, tradições e a história de Aveiro. Tv. do Rossio, 1, Aveiro > T. 234 420 289 > A partir €67,50, com pequeno-almoço
O QUE FAZER
Costa Nova Beach Club
Bar de praia, nascido em parceria com a marca homónima de loiça de grés, que serve refeições para todas as horas do dia. Costa Nova do Prado, Praia da Costa Nova, Aveiro > T. 91 552 5328 > até final set, seg-dom 10h-20h
Aveiro Walking Tours
Há um ano que a equipa de Susana Caldeira organiza visitas guiadas a pé pela cidade, percorrendo tradições, bairros, história e cultura. Recentemente, editaram o livro-roteiro Rota do Bairro da Beira-Mar (€20) à venda em algumas lojas de Aveiro. Reservas: info@ explore-aveiro.com > tours €12,50/pessoa (mínimo 5 pessoas)
Cale do Oiro
A empresa de serviços turísticos organiza passeios (€8/45 minutos) em moliceiros e barcos mercantel pelos canais urbanos da ria, em comboio turístico (€5), visitas guiadas às salinas (€4), massagens com sal (a partir €35) e passeios pedestres pelo roteiro de arte nova. R. João Mendonça, 31-2ºA, Aveiro > T. 91 665 8300
Mercado Negro
Associação cultural que ocupa um edifício do século XVIII, funcionando como bar (duas salas têm vista para a ria) e galeria. R. João Mendonça. 17-2º, Aveiro > T. 234 133 501 > seg 21h-2h, ter-sex 17h-2h, sáb-dom 14h-2
Monte Frio Alpacas
Uma quinta onde se podem visitar e dar passeios com alpacas, bem como fazer workshops de feltragem e fiação. R. do Buragal, 99, Aradas, Aveiro > T. 92 617 9255 > seg-dom 10h-19h > visitas: €8/adultos; €4/crianças; workshops a partir €16
Zeca Aveiro
É loja/cafetaria e empresa de animação turística que foi buscar o nome a Zeca Afonso, nascido em Aveiro. Organiza passeios a pé, de moliceiro, visita às salinas e provas de doces tradicionais. Largo da Apresentação, 1, Aveiro > T. 96 449 7240/ 96 493 1998 > seg-dom 10h-20h
O QUE COMPRAR
A Desconfiada
A loja, aberta há um ano, aposta em produtos portugueses inovadores. R. José Estêvão, 17, Aveiro > T. 234 426 561 > seg-sáb 10h-13h, 14h30-19h
Feitoria do Cacau
Loja e ateliê de chocolate artesanal, do grão à tablete, criada há dois anos pela japonesa Tomoko Suga e pela portuguesa Susana Tavares. Estr. de S. Bernardo, 91B, Aveiro > T. 234 427 100 > ter-sáb 10h-12h30, 14h30-19h
Cais à Porta
Uma loja que aposta em produtos nacionais contemporâneos na área da decoração, design e moda, e inclui espaços de coworking. R. das Falcoeiras, 6, Aveiro > T. 234 063 085 > seg-dom 10h-20h