O jipe de Miguel Torres, arquiteto e guia do Vale do Coa, espera-nos junto à estrada, num dos portões da Reserva da Faia Brava, a 14 quilómetros de Figueira de Castelo Rodrigo, na estrada que liga Vale de Afonsinho a Cidadelhe. Entramos na primeira área protegida privada, atualmente com mil hectares, classificada em 2010 pelo então Instituto de Conservação da Natureza e gerida em exclusivo pela Associação Transumância e Natureza (ATN), inserida no Parque Arqueológico do Vale do Coa.
Há 17 anos, este projeto de conservação da natureza começou numa área bem mais pequena. Nessa altura, um grupo de biólogos, arqueólogos e professores adquiriu 25 hectares de terreno com a intenção de proteger a nidificação de uma águia-de-bonelli, recuperando também um pombal fundamental para o alimento desta ave em risco de extinção. Com o tempo, adquiriram-se mais terrenos e a Faia – como por aqui a reserva é conhecida – soma agora mil hectares regidos sob o princípio da ATN, a criação de espaços para a natureza, que qualquer um pode visitar. Como nós o fizemos.
Do interior do jipe, entre solavancos provocados pela terra batida, avistam-se ao longe os garranos, a galope, livres. Miguel Torres explica-nos que os animais têm a dupla função de “ajudar a limpar a vegetação e a fertilizar os solos”. “Queremos que, daqui a 50 anos, tudo isto volte a ser uma floresta.” No início, eram oito, levados para ali do Gerês – agora há 70 garranos selvagens – aos quais se juntou uma manada de 30 vacas maronesas para “combinar a ação herbívora” no terreno, explica- -nos mais tarde, o biólogo Pedro Prata, coordenador da ATN. Os animais “nascem, crescem, vivem e morrem na reserva”, salienta. Com pouco ou nenhuma intervenção do Homem.
Nesta mini-África, ainda desconhecida por muitos, não há sequer rede de telemóvel, somos apenas nós e a biodiversidade que tem dado provas de que a missão da Reserva da Faia Brava está a resultar. “Há evidências de que o corso voltou com algumas manadas, ou o gato-bravo. O britango aumentou o número de casais no Vale do Coa, bem como o grifo”, exemplifica Pedro Prata. Pela Faia, nos charcos, onde garranos e vacas matam a sede, moram anfíbios e fungos, há répteis no solo e borboletas noturnas no ar. Toda uma cadeia alimentar, portanto, que parece estar a regressar. A Reserva da Faia Brava “pode ser também complementar às gravuras do Coa”, atenta Pedro Prata. Os auroques que se observam nas gravuras do Paleolítico são muito semelhantes ao gado bovino que se encontra na Faia Brava. “É uma forma de as pessoas verem como estes animais se comportam no seu habitat natural.” A este projeto qualquer um se pode associar, bastando o pagamento de uma quota anual de 20 euros.
Dormir com a natureza
A visita à Reserva da Faia Brava pode ser feita livremente, mas devido às características do terreno e à particularidade deste projeto de conservação da natureza, aconselha-se o acompanhamento de guias (ver caixa). Além da observação de aves ou da fotografia no campo de alimentação de aves necrófagas, é possível, desde há um ano, dormir nas três casas-tendas do Star Camp Portugal, projeto nascido a partir de uma parceria com o movimento Rewilding Europe – no qual a Faia Brava é a única área-piloto portuguesa. Aqui pernoita-se com conforto e em total contacto com a natureza.
As casas Aquila, Taurus e Equuleus – nomes de constelações que também remetem para a águia, o touro e o cavalo – são feitas de madeira e materiais sustentáveis, com painéis solares que fornecem água quente. Lá dentro, há sabonetes e champôs artesanais, confecionados com ingredientes locais, como azeite, óleo de amêndoas doces, rosmaninho, alecrim ou alfazema. “Com um total respeito pela natureza e sustentabilidade”, reforça Sara Noro, responsável pelo Star Camp. Nada parece ter sido esquecido. O teto, por exemplo, abre-se, para que se possam observar as constelações durante a noite. “A ideia é que nos sintamos no meio da natureza, mas sozinhos, numa experiência única”, diz Sara, acrescentando que o wi-fi pode ser ligado a pedido do cliente. O pequeno-almoço (ou jantar por marcação) serve-se lá fora, com produtos locais. Com a mais valia de se poderem ver os garranos a passar bem perto.
Além das casas/tenda do Star Camp Portugal (€100/duas pessoas) e do programa Faia Brava 24 horas (€100/pessoa, tenda para três ou quatro pessoas, incluindo visita guiada e observação de aves), há outras possibilidades, mais exclusivas e personalizadas, de por cá pernoitar. É o caso do Fly Camp, projeto gerido pelas Miles Away, de Mafalda Nicolau de Almeida, com tendas móveis que tanto podem ser colocadas ali como na região do Douro Superior. Não esquecendo, claro, o respeito pela natureza e pela liberdade dos animais que envolvem a Reserva da Faia Brava.
Como conhecer a Faia Brava?
Visitas guiadas, a pé, com a duração mínima de quatro horas > €50/duas pessoas, €18/três ou quatro pessoas
Safari de carro de três horas e meia > €60/duas pessoas, €24/a partir de três pessoas
Observação de abutres e do modo como se alimentam, a partir do abrigo fotográfico > 4 horas, €120/pessoa, €65/duas pessoas Birdwatching com duração de quatro horas > €74/duas pessoas, €27 para três ou quatro pessoas, €20 cinco ou mais
Reserva da Faia Brava > Associação Transumância e Natureza > R. Pedro Jacques de Magalhães, Figueira de Castelo Rodrigo > T. 271 311 202