Este ano que agora começa promete-se bem recheado. Haverá exposições, espetáculos de música, de teatro e de dança, ciclos de cinema, conferências, encontros de gastronomia, passeios pela cidade – é extensa, a programação de Lisboa 2017, Capital Ibero-americana de Cultura. Ao longo do ano, serão cerca de 150 as iniciativas culturais, escolhidas a dedo por António Pinto Ribeiro, consultor cultural e professor universitário, que aceitou o convite da autarquia de Lisboa para desempenhar as funções de coordenador-geral do programa. Pela segunda vez (a primeira foi em 1994, no mesmo ano em que foi também Capital Europeia da Cultura), Lisboa foi a cidade eleita pela União das Cidades Capitais Ibero-americanas – uma organização internacional não-governamental, de caráter municipal e sem fins lucrativos que engloba 30 cidades – para acolher esta iniciativa.
“Estamos habituados a ter uma visão e uma narrativa da América Latina, fundamentalmente escrita por nós, enquanto europeus e antigos colonizadores, e era importante conhecer a narrativa do outro lado. O passado vai ser revisto à luz destes protagonistas que serão os autores, as obras, os temas do universo latino-americano. E, claro com o nosso contributo”, resume António Pinto Ribeiro, que também dirigiu o Programa Gulbenkian Próximo Futuro. A programação de Lisboa 2017, Capital Ibero-americana de Cultura (que tem como antetítulo Passado e Presente) atravessará a história e a cultura destes países que, no conjunto de todas as cidades, reúnem mais de 120 milhões de pessoas na Península Ibérica, nas Américas do Sul, Central e México e nos países das suas diásporas. No total passarão por Lisboa perto de 390 artistas e convidados internacionais que se vão juntar aos 250 participantes nacionais.
O programa que António Pinto Ribeiro preparou durante os últimos seis meses assenta em grandes temas. A questão indígena é um deles, segundo explica. “Revela-se um ponto fulcral. Não nos podemos esquecer que o nosso primeiro contacto, enquanto europeus, foi com os índios”, relembra o coordenador-geral, que também considerou importante olhar para os afrodescendentes nesta programação. “Nós, os países europeus somos responsáveis por termos traficado milhões de escravos em África”, sublinha Pinto Ribeiro. Outro grande tema é o das migrações: “Todos temos ou tivemos um familiar, um amigo ou alguém conhecido que foi emigrante no Brasil ou na Colômbia. Por outro lado, estas culturas também têm um tio, uma mãe ou um primo que é de origem portuguesa ou espanhola. As identidades foram-se construindo com esta mescla de contributos dos emigrantes”. Por fim, o programador quis ainda pôr em destaque o pensamento e a criação contemporânea de todos estes países.
Com a ajuda de António Pinto Ribeiro, e entre a centena e meia de iniciativas programadas, fomos em busca daquilo que não deve mesmo deixar de ver na Lisboa 2017, Capital Ibero-americana de Cultura. Só no final de dezembro acabará este festim. Vale a pena pegar num calendário, para não perder o fio à meada.
MÚSICA
Depois do concerto Canções para uma festa, que reuniu em palco três vozes femininas, Gisela João, de Portugal, Mariela Condo, do Equador, e Yomira John, do Panamá e que inaugurou a programação musical da Lisboa 2017, Capital Ibero-americana no passado domingo, 8, no São Luiz Teatro Municipal, aguarde-se pelo 25 de Abril para se assistir ao concerto (que será também uma conferência e uma exposição) Canções para Revoluções. Ao ar livre, numa praça lisboeta, uma orquestra sinfónica portuguesa, um coro e um combo ligeiro reinterpretam canções de intervenção de José Afonso, Chico Buarque e Mercedes Sosa, entre outros.
No mês seguinte, a 28 de maio, o brasileiro Vítor Ramil subirá ao palco do São Luiz Teatro Municipal, para apresentar o espetáculo Délibab. “É uma música bastante melódica e melancólica, muito própria da região gaúcha [entre o sul do Brasil e o norte do Uruguai]. Normalmente compara-se às milongas argentinas”, descreve António Pinto Ribeiro.
Já no final do ano teremos oportunidade de assistir a Imperial Silence: Una ópera Muerta , do compositor John Jota Leaños, nascido no México mas a viver há muitos anos nos Estados Unidos da América, e responsável por criar obras num universo mestiço e multimédia, misturando imaginários americanos e mexicanos e várias vertentes artísticas como o teatro, a arte pública e a instalação. Será no Maria Matos Teatro Municipal (Av. Frei Miguel Contreiras, 52 T. 21 843 8800. 9-11 nov, qui-sáb 21h30) e é apenas mais um dos destaques de um programa, onde valerá a pena mergulhar em sons tão diferentes como os do fado português, o das canções da chilena Violeta Parra ou o das novas músicas brasileiras.
EXPOSIÇÕES
É com os desenhos de grandes dimensões do artista plástico mexicano Demián Flores que se dá início à programação de Lisboa 2017, Capital Ibero-americana de Cultura. A exposição Al Final del Paraíso tem inauguração marcada para as 17 horas deste sábado, 7, no Padrão dos Descobrimentos (Av. Brasília, T. 21 303 1950, ter-dom 10h-18h. €4), em Belém. Esta será a primeira vez que o pintor, nascido no México em 1971 e especializado em muralismo, se apresenta a solo em Portugal. Até 2 de abril, as suas obras poderão ser vistas neste monumento do arquiteto Cottinelli Telmo e do escultor Leopoldo de Almeida: vários murais com desenhos em grandes dimensões que pintou uma semana antes da inauguração, e dois núcleos dedicados às suas gravuras, umas mais coloridas do que outras, das séries Antropofagia e O Bom Selvagem.
Esta será apenas a primeira das cerca de 40 exposições da extensa programação de Lisboa, Capital Ibero-americana de Cultura, onde estarão mostras tão diferenciadas como aquela que fala de Fado ou a que nos faz olhar o Racismo, coletivas de artistas ou trabalhos de fotografia vindos do Chile, da Bolívia ou do Peru – e onde cabem, entre outras, as pinturas de Vieira da Silva e de Arpad Szenes, nos seus anos de exílio no Brasil. Lá mais para a frente, de 8 de julho a 1 de outubro, virá também do México Máscaras Mexicanas – Quimeras no mundo dos Santos, com curadoria de Anthony Shelton, diretor executivo do Museu de Antropologia da Universidade British Colombia. Nos 400 metros quadrados do Pavilhão Preto do Museu de Lisboa – Núcleo Palácio Pimenta (Campo Grande, 245, T. 21 751 3200, ter-dom 10h-18h) serão reveladas cerca de 300 máscaras feitas por artesãos de várias regiões daquele país da América Latina, nos finais do século XIX e meados do século XX, espólio do Museu de Arqueologia Mediterrânea de Marselha e de coleções privadas. “É a primeira vez que estão expostas em Portugal, algumas delas são desconhecidas mesmo no México”, comenta António Pinto Ribeiro, coordenador-geral da programação da Capital Ibero-americana de Cultura. “Um olhar atento notará a presença frequente da morte, que tem um grande peso na cultura mexicana”, acrescenta. Máscaras Mexicanas apresenta, ainda, fotografias das máscaras usadas nas competições pelos lutadores de luta livre, desporto-rei do México. E, até aí, a morte está à espreita.
DANÇA
Será, sem dúvida, um dos espetáculos a não perder na Lisboa 2017, Capital Ibero-americana de Cultura, esta estreia mundial de Antropofagia. “Tamara Cubas é umas das grandes coreógrafas da atualidade”, diz, sem hesitar, António Pinto Ribeiro. Uma trilogia, Antropofagia chega em setembro ao palco do São Luiz Teatro Municipal, nos dias 15 e 16 (Antropofagia 1), 19 e 20 (Antropofagia 2) e 23 e 24 (Antropofagia 3), interpretada pela Companhia Tamara Cubas. Para a criar, a coreógrafa uruguaia de 44 anos baseou-se nas peças de dança de três coreógrafos brasileiros, todas inspiradas na tradição antropofágica no Brasil: Vestígios, de Marta Soares, Matadouros, de Marcelo Evelin, e Pororoca, de Lia Rodrigues. “Tamara Cubas cria obras inesperadas. É terceira vez que virá a Portugal, mas das outras vezes passou muito despercebida. Sabia que estava a preparar um trabalho novo e convidei-a. É uma trilogia, por isso, não é uma, mas três estreias mundiais”, nota Pinto Ribeiro.
CINEMA
Está guardada para o final do ano a Mostra de Cinema das Américas Central, do Sul, Portugal e Espanha. De 4 a 17 de dezembro, hão de passar pela tela do Cinema São Jorge (Av. da Liberdade, 175, T. 21 882 0090) filmes das novas cinematografias daqueles países, numa programação que ainda não está totalmente fechada. “O que fizemos foi pedir à Casa da América Latina, que todos os anos organiza e produz a Mostra de Cinema da América Latina, que aumentasse o número de filmes”, explica António Pinto Ribeiro. “Por isso, em vez dos habituais três dias, serão dez e com várias sessões”, acrescenta. Para esta área da programação, Pinto Ribeiro escolheu os curadores Carlos Nogueira (Portugal) e Teresa Toledo (Cuba) que estão ainda a selecionar os filmes de ficção e não-ficção, todos inéditos em Portugal, que farão parte da mostra. “A maioria dos títulos são dos dois últimos dois anos”, adianta Pinto Ribeiro.
Antes disso, a Capital Ibero-americana de Cultura chega à televisão. A partir de março, será exibido pela RTP2 o ciclo de filmes IberoAmérica para Amar (às quartas e sextas no programa Tudo Menos Hollywood). Logo nesse mês, passa uma seleção de filmes de ficção, seguindo-se uma escolha de curtas-metragens (em outubro, às sextas, no programa Cinemax Curtas) e, a fechar, em novembro, um conjunto de documentários dos países ibero-americanos. Para ver instalado no sofá, sem precisar de sair de casa.
PASSEIOS E VISITAS
A Capital Ibero-americana de Cultura vai estar espalhada pela cidade. A partir de janeiro, será possível visitar cerca de 30 equipamentos culturais, que terão pequenas exposições. Testemunhos da Escravatura – A Memória Africana, com curadoria de Anabela Vicente e Ana Cristina Leite, divide-se em duas partes. Na primeira, explica Pinto Ribeiro, foram desafiados “museus, galerias, arquivos, bibliotecas e associações a procurarem nas suas coleções e espólios, peças e registos que lembrassem a presença africana”. A Academia Militar (R. Gomes Freire, 23) inaugura uma exposição a 12 de janeiro e, no dia seguinte, a Biblioteca Nacional de Portugal (Campo Grande, 83) mostra o que preparou para a ocasião. Mais tarde, abrem-se portas no Gabinete de Estudos Olisiponenses (Estr. de Benfica, 368), a 8 de fevereiro, na Casa-Museu Medeiros de Almeida (R. Rosa Araújo, 91), a 21 de março, e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Al. da Universidade), a 23 do mesmo mês, só para dar alguns exemplos. A segunda parte do projeto, em maio, é um convite para que se siga, nas ruas, a Lisboa africana. Nessa altura, será disponibilizado um mapa, com lugares assinalados e algumas explicações. Para descobrir, por exemplo, de onde veio o nome da Rua das Pretas ou da Rua dos Poços dos Negros.
Também Ruas de Lisboa: Um Roteiro Ibero-Americano nos orientará pela cidade. Valerá a pena seguir este percurso, organizado por Ana Homem de Melo e Paula Machado, por 53 ruas, praças e largos que guardam sinais das ligações com alguns destes países. Um roteiro que passará, na certa pela Avenida do Brasil e pela Praça do Chile.
TEATRO
Do Chile chegam várias peças de teatro, ao longo deste ano. Pájaro é a terceira obra escrita e encenada por Trinidad González e estará no Maria Matos Teatro Municipal, a 25 e 26 de maio (qui-sex 21h30). “É uma obra muito misteriosa, porque no meio de um jantar de amigos cai, literalmente, um homem que diz ser um pássaro”, descreve António Pinto Ribeiro, notando que aquela figura representa os índios mapuchi chilenos. Em palco, estarão a encenadora e os atores María Fernanda Olivares, Nicolás Pavez e Nicolás Zárate, num espetáculo em castelhano sem legendagem.
Ainda antes disso, de 12 a 14 de maio, o São Luiz Teatro Municipal recebe Feos, pela companhia chilena Teatros y su Doble (ex Teatro Milagros). A peça começa na fila de um cinema com um homem e uma mulher que ali se veem pela primeira vez. “É uma tragédia que fala das pessoas que são consideradas muito feias e de como conseguem ou não viver numa sociedade onde a juventude e a beleza são a norma”, conta o programador. Feita com atores e marionetas, será uma estreia por cá, inserida no FIMFA – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas.
Em Lisboa 2017, Capital Ibero-americana de Cultura, não faltarão, ao longo do ano, outros teatros do lado de lá do Atlântico, como peças de companhias argentinas ou brasileiras, mas também de grupos e encenadores portugueses, como a Mala Voadora. Que suba o pano.
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