A Feira do Livro de Lisboa está de regresso, no sítio do costume, o Parque Eduardo VII, onde ficará até 16 de junho. É a maior de sempre e abre mais cedo do que noutros anos – às 10h aos fins de semana e feriados, às 12h nos restantes dias. Selecionámos 7 novidades editoriais que aí vão estar em destaque.
1. Tarrafal
João Pina
Os dois livros anteriores do fotógrafo João Pina (46750, sobre a violência no Rio de Janeiro, e Condor, sobre a infame operação, com esse nome, de ditaduras latino-americanas para eliminar oposicionistas) impressionavam pelo cuidado na edição e design gráfico, perfeccionismo nos acabamentos e solidez geral dos projetos. Tarrafal, o mais pessoal dos seus trabalhos, segue nesse mesmo registo e, de alguma forma, retoma a temática da sua estreia em livro (Por Teu Livre Pensamento, editado na Assírio & Alvim, em 2007). Nos dois casos, o avô de João Pina, Guilherme da Costa Carvalho, é uma figura central. Mas, aqui, é o bisavô, Luiz Alves de Carvalho, que é mais recordado. Autorizado a visitar o filho, Guilherme, preso no Tarrafal (única autorização conhecida para esse fim), Herculano levou uma máquina fotográfica e fez um impressionante registo visual do interior da prisão situada na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Neste volume, vemos esses retratos de antigos prisioneiros (algumas dessas imagens ganharam uma grande força emocional quando voltaram à metrópole e foram mostradas a familiares) em diálogo com fotografias recentes de João, feitas em Cabo Verde. Mas o livro é muito mais do que isso, o diálogo familiar – e, afinal, histórico – estende-se à correspondência real entre Guilherme e os pais e a cartas que o neto/bisneto João envia deste presente para os seus antepassados. Outros prisioneiros também são evocados. Virada a última página, saímos como se tivéssemos visto um documentário, tão íntimo como referente à nossa História comum. Pedro Dias de Almeida Tinta-da-china, 284 págs., €75
2. Bandidos
Eric Hobsbawm
Além de grandes obras de referência sobre os séculos XVIII, XIX e XX, expostas nos clássicos A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos, Eric Hobsbawm foi autor de pequenos estudos monográficos que nem por isso deixaram de ter um enorme impacto. E, em alguns casos, abriram caminho a novos campos de investigação, como aconteceu com Bandidos. A filiação marxista e o interesse pela resistência da gente comum estimularam o historiador inglês a contextualizar as figuras lendárias que povoam o imaginário de muitas comunidades. São fora-da-lei, alguns bem conhecidos, aqui entendidos como combatentes de injustiças sociais e laborais, na Europa e em todo o continente americano. L.R.D. Antígona, 256 págs., €18,50
3. O Árabe do Futuro 6
Riad Sattouf
E chega ao fim uma das mais extraordinárias BD publicadas na última década e meia. O retrato autobiográfico de Riad Sattouf chega agora à idade adulta e ao desabrochar de um talento há muito descoberto. Este sexto volume, publicado em França, em 2022, centra-se precisamente no início da carreira artística de Sattouf e nos primeiros passos na nona arte. Em pano de fundo, as revoluções e as tragédias que dominam a sua família, nomeadamente o desaparecimento do irmão mais novo e a figura do pai, que continua a assombrar todos. Com o traço simples e o hábil jogo de cores, Sattouf cruza, com engenho, a pequena história (a sua) e as grandes convulsões no mundo árabe. L.R.D. Teorema, 184 págs., €22,90
4. Imperador de Roma
Mary Beard
Garante a classicista britânica neste livro estupendo, no qual se expande a constelação por cá editada de Doze Césares e SPQR – Uma História da Roma Antiga, que aqui se abordam menos psicopatas do que seria de esperar, de acordo com a imagem mental que temos da Roma Imperial. Sim, há passagens sobre escravos e aliados, burocracia, distribuição de estátuas pelo território (às vezes, era só trocar uma cabeça…), arquitetura, amantes. Mas Beard, grande contadora de histórias, atenta aos factos num sistema que derrubava líderes por assassínio, cria um fresco abundante de episódios curiosos, inesperados, gastronómicos, sanguinários, ridículos e líricos, que revela “o significado de ser imperador romano” e que inclui tanto o pragmatismo que fazia um “César” resolver pessoalmente uma disputa pela queda fatal de um bacio como o excesso de um Heliogábalo, que sufocava os convidados sob pétalas de rosa – e acabaria assassinado, à semelhança dos 30 imperadores aqui nomeados, de Júlio César a Alexandre Severo. S.S.C. Crítica, 464 págs., €22,90
5. Canção de Rolando
Anónimo
Estão na História, na literatura, no cinema e no imaginário popular. As canções de gesta, criadas na Idade Média, relatando feitos aventurosos de grandes cavaleiros, tiveram uma enorme influência na cultura ocidental, chegando até aos nossos dias filtradas por muitos séculos de reinterpretação. De todos estes épicos, o mais famoso (e também o mais antigo) é a Canção de Rolando, que conhece em Portugal a sua primeira tradução integral, uma louvável iniciativa editorial da E-Primatur. A versão portuguesa, a partir das traduções modernas do francês antigo, é de Amélia Vieira e Pedro Bernardo. Escrita em verso, narra a Batalha de Roncesvales, em que o exército de Carlos Magno é atacado na retaguarda. O seu sobrinho, o conde Rolando, fará frente ao que muitos quiseram ver como o inimigo pagão, mas que estudos recentes sugerem tratar-se de outro povo europeu. L.R.D. E-Primatur, 216 págs., €16,90
6. Dia
Michael Cunningham
Passados quase dez anos, Michael Cunningham regressa ao romance, com Dia, uma narrativa em três tempos, que reflete as vicissitudes de uma família no mundo contemporâneo. No mesmo dia – 5 de abril – de três anos diferentes – 2019, 2020 e 2021 –, tece–se uma rede de afetos e de desencontros, de desafios e de obstáculos, que vão questionar a harmonia de cada membro e do conjunto. Neste contexto, tão comum e específico de cada família, a passagem pela pandemia é um dos momentos centrais no romance. Mas, mais do que uma descrição do que todos vivemos, trata-se de espelhar como a experiência individual pode ser tão próxima e tão distante numa mesma casa. Literariamente, é muito interessante ver como o autor de As Horas explora o contacto à distância, com páginas de diálogos, SMS, emails e outras comunicações remotas. Um romance sobre a hipótese de redenção e de futuro. L.R.D. Gradiva, 320 págs., €18,50
7. Eu Canto e a Montanha Dança
Irene Solà
Distinguido com o Prémio da União Europeia para a Literatura, em 2020, e celebrado em Espanha, particularmente na Catalunha, e em todos os países em que tem vindo a ser publicado, Eu Canto e a Montanha Dança, de Irene Solà, é uma das mais recentes provas da vitalidade da literatura espanhola e da sua diversidade linguística e cultural. Nascida em 1990, em Malla, Irene Solà transporta o leitor para o coração dos Pirenéus, o que, neste caso, significa equiparar o elemento humano ao natural. Todos têm voz neste romance polifónico e todos revelam a sua sabedoria – os homens e as mulheres, os fantasmas e as bruxas, os animais e os fungos, as nuvens e as montanhas. Aqui se canta como se semeia, esculpe uma mesa, ergue uma casa ou sobe uma colina, como sugere uma das personagens, revolvendo pelo caminho memórias e o tempo longo das coisas imóveis. Com um percurso também na poesia e nas artes plásticas, a escritora catalã socorre-se dos mais variados recursos estilísticos, do desenho ao verso, do diálogo ao discurso torrencial, para evocar uma região e para ligar um conjunto de histórias e momentos da História mais ou menos recente. Em dois pontos centrais da narrativa estão Domènec de Matavaques e a sua mulher, Sió. Ele é um camponês, que faz poesia só no falar e morre logo no início, fulminado por um raio. Ela fica viúva e tem pela frente a luta dos que ficam, tendo de cuidar dos filhos e do sogro. E, no meio, a Natureza, a verdadeira personagem deste romance singular e expressivo, cativante e surpreendente. Luís Ricardo Duarte Cavalo de Ferro, 192 págs., €16,45