FICÇÃO
1. As Cinco Mães de Serafim
Rodrigo Guedes de Carvalho

“Seis décadas, que já foram início de velhice, diz-se que nestes tempos são a nova meia-idade, cada um acredite no que quiser.” Logo no princípio, percebe-se que a personagem de As Cinco Mães de Serafim também anda na casa dos 60, tal como o escritor. A literatura é um jogo, e Rodrigo Guedes de Carvalho – como narrador exímio que é – sabe-o bem, desde que se estreou com Daqui a Nada, em 1992. O novo romance do autor leva o nome de um homem, mas não é apenas em redor de Miguel Serafim – o maestro que, se fosse instrumentista, era mais provável ter sido pianista de hotel – que a história gira. A sua mãe, Maria Virgínia, prestes a celebrar 100 anos, é uma figura importante, bem como os seus dois amigos de infância, com quem se reencontra. Saga familiar com a paisagem duriense como pano de fundo, As Cinco Mães de Serafim é um livro sobre a amizade, a família, os ditos, os não-ditos e tudo o que levamos das várias instâncias da vida. D. Quixote, 456 págs., €19,90
2. Estilhaços
Bret Easton Ellis

Com os seus três primeiros romances (Menos que Zero, As Regras da Atração e Psicopata Americano), Bret Easton Ellis tornou-se um nome de culto da literatura contemporânea, cronista destravado de uma certa América meio perdida nos anos 80. Com Estilhaços, volta à escrita depois de 13 anos sem publicar nada (Quartos Imperiais, de 2010, era o seu mais recente romance). Aqui, há um regresso do autor e do protagonista (também Bret) a 1981, na Califórnia. O escritor, agora com 59 anos, convida-nos a reencontrar, entre um certo niilismo, dinheiro, sexo, álcool e droga, estes “adolescentes, crianças de uma sofisticação superficial, que na realidade não sabiam nada da forma como o mundo realmente funcionava”. Asa, 624 págs., €24,90
3. Rebentar
Rafael Gallo

Primeiro romance do vencedor da edição do Prémio José Saramago de 2022. Tal como Dor Fantasma, esta é uma narrativa que leva o leitor ao limite, tão preso que fica à tragédia da personagem principal. Neste caso, trata-se da dor maior: uma mãe, Ângela de seu nome, não sabe do seu filho há 30 anos e, ainda assim, acredita que o encontrará. Numa torrente de memórias e recordações, ela revive esse tempo de sofrimento, sem admitir um segundo de descanso ou de descrença. Rafael Gallo mostra-se, uma vez mais, um exímio gestor da tensão e do clímax. Porto Editora, 264 págs., €18,85
4. O Nome que a Cidade Esqueceu
João Tordo

É o vigésimo livro do autor português (nascido em 1975) publicado em 20 anos. Dois números redondos celebrados através de uma história cuja ação se desenrola em Nova Iorque, cidade onde João Tordo se fez escritor. Aliás, O Nome que a Cidade Esqueceu tem tantas referências espaciais e detalhes sobre a vida nas ruas e a arquitetura da cidade que não há como não sentir que também é uma homenagem ao lugar. O livro é uma ficção construída a partir de um artigo de 2015 do The New York Times, sobre o fim solitário de George Bell, encontrado morto num apartamento cheio de tralha. Tordo recua aos anos 90 e dá-lhe vida, em contracena com Natasha, uma refugiada da Geórgia, contratada para ler em voz alta a lista telefónica de Nova Iorque, sem saber ao certo o que procura. A busca de respostas para este estranho pedido é a ação do romance, uma história terna, em que se fala de solidão, de resiliência e da beleza e importância da dor. Companhia das Letras, 336 págs., €18,85
5. O Segredo de Espinosa
José Rodrigues dos Santos

É já o 25.º livro do jornalista e autor de best-sellers José Rodrigues dos Santos. Como sempre, o enredo tem alicerces bem fundeados na realidade. Desta vez, essa ligação é feita com a vida do filósofo, nascido em Amesterdão, em 1632, filho de judeus portugueses, Bento de Espinosa. Pretexto para revisitar as fundações da modernidade e um mundo em que, para pensar livremente, era ainda necessário enfrentar a terrível acusação de “heresia”. Planeta, 560 págs., €22,50
6. As Três Mortes de Lucas Andrade
Henrique Raposo

Não há duas oportunidades para causar uma boa primeira impressão, mas a estreia de Henrique Raposo nos romances, vindo das crónicas e da não ficção, é auspiciosa. Este é um grande livro sobre um rapaz e a sua condição, da pobreza rude da serra portuguesa à miséria estrutural dos bairros suburbanos de betão de Lisboa, onde ratos coabitam com bullies num cenário de permanente violência física e psicológica, completamente alheio às elites da capital. É também um livro sobre dor e metamorfoses (João Miguel dá lugar ao Ruço, que dá lugar a Lucas Andrade), tentativas de fuga e suicídio. Uma leitura com tanto de cativante como de inquietante. Quetzal, 640 págs., €22,20
7. Tivemos de Remover este Post
Hanna Bervoets

Se alguma vez pensar que tem um mau emprego, lembre-se de que há pessoas contratadas pelas empresas das redes sociais para decidir se um vídeo, uma imagem ou um texto pode/deve permanecer online. Têm um nome pomposo – “moderadores” –, mas, devido à exposição prolongada a tanto “lixo”, perdem muitas vezes o tino. Há vários estudos sobre o assunto e, agora, um interessante romance. A escritora neerlandesa dá-nos, ao jeito de uma confissão, um processo de radicalização em curso. Um retrato do outro lado do espelho das nossas alegrias e frustrações virtuais. D. Quixote, 128 págs., €14,40
8. Debaixo da Onda em Waimea
Paul Theroux

De Theroux, conhecemos, sobretudo, a literatura de viagens, relatando as suas andanças pelo mundo (O Grande Bazar Ferroviário, entre comboios da Europa e Ásia, é talvez o seu livro mais célebre). Mas, aqui, o escritor americano centra-se no lugar onde escolheu viver, o arquipélago do Havai, para nos servir uma ficção que parte de um acidente de uma “lenda do surf”: numa noite, Joe Sharkey atropela e mata um homem. Quer esquecer o que se passou, mas essa é uma opção impossível. Quetzal, 528 págs., €22,20
9. Mentiras de Mulher
Ludmila Ulitskaya

Recuperação, na Cavalo de Ferro, do quinto romance de Ludmila Ulitskaya, uma das mais destacadas escritoras russas contemporâneas. É mais um fragmento da História da Rússia e da União Soviética, que a autora tem vindo a compor nos seus romances, com um foco especial nas mulheres. E são elas que nos dão um fresco dos anos a seguir à queda do Muro de Berlim e da fragmentação da URSS. Numa sequência de contos ou de vozes, Génia vai ouvindo as confissões (e as mentiras) de amigas e desconhecidas, fixando as suas lutas, sonhos e derrotas. Cavalo de Ferro, 160 págs., €16,45
10. Baumgartner
Paul Auster

O que pensar, sentir e ler num romance que bem pode vir a ser o último de um escritor que acompanhamos (e que nos acompanha) há tanto tempo? Foi já depois do diagnóstico de cancro que Paul Auster concluiu este Baumgartner. As linhas anteriores convidam a vê-lo como um testamento literário, mas será mais avisado lê-lo como o prolongamento do estudo que sempre fez da vida humana e dos seus relatos, os feitos pela memória e os passados a escrito. É entre esses dois mundos que se encontra o protagonista deste romance. Professor de Filosofia à beira da reforma, escritor consagrado, ele vive há nove anos a ausência da mulher, que, um dia, foi nadar em mar agitado e não voltou. Passado esse tempo, Baumgartner decide acrescentar às suas memórias (que revive obsessivamente) a leitura dos textos autobiográficos que a mulher deixou. A mesma vida vivida por duas pessoas, a intimidade partilhada de formas tão diferentes. ASA, 208 págs., €18,50
11. Demon Copperhead
Barbara Kingsolver

Não é muito importante que se lembre imediatamente do título (ou do enredo) de David Copperfield, de Charles Dickens. Mas é com a memória desse grande clássico da língua inglesa que este romance de Barbara Kingsolver joga. A luta pela sobrevivência é a mesma, embora os tempos sejam outros. Aqui, também há orfanatos, biscates e soluções engenhosas para trapacear alguns e amealhar pouco. A grande diferença é que estamos nas montanhas do sul dos Apalaches, que acrescentam mais aridez à vida. Demon Copperhead foi distinguido, neste ano, com o Prémio Pulitzer. Suma de Letras, 640 págs., €25,45
12. Olá, Linda
Ann Napolitano

Vem cheio de créditos o novo romance de Ann Napolitano: lista de leituras de verão de Barack Obama, escolha de Oprah Winfrey e comparações a Mulherzinhas, de Louisa May Alcott, numa versão moderna, mas igualmente drástica. Aqui, também há quatro irmãs, Julia, Sylvie, Emeline e Cecile Padavano, também há um homem-amigo, o basquetebolista William Waters, que cresceu negligenciado pelos pais e encontra nesta família uma estabilidade. É sobre estas cinco vidas – e a forma como as ambições, as derrotas e as angústias de cada uma moldam as ações – que se constrói o romance, um livro em que o imperdoável parece ceder à força dos laços familiares. TopSeller, 464 págs., €20,95
13. Os Esquecidos de Domingo
Valérie Perrin

Foi A Breve Vida das Flores que a revelou ao mundo, com traduções para diversas línguas, mas, antes, Valérie Perrin publicou um romance não menos premiado em França. Os Esquecidos de Domingo sai agora na Presença (que também já publicou a sua terceira narrativa), para revelar a raiz de uma escritora capaz de criar grandes personagens e de as lançar em odisseias que mudam as suas vidas. Aos 22 anos, Justine trabalha num lar. Nunca pensou muito na morte dos pais, mas o contacto com uma centenária leva-a a destapar as perguntas que recalcou durante demasiado tempo. Presença, 312 págs., €17,90
NÃO FICÇÃO
14. Máquina de Escrever Sentimentos
Inês Meneses

Os livros de Inês Meneses são objetos com uma estética cuidada, para serem lidos e vistos. Neste, fala da perda, da saudade, da ausência e de todas as emoções à volta desta geografia. As entradas são apresentadas num tom confessional, sem data ou ordem, onde partilha emoções, considerações, trocadilhos, ideias soltas, e nos põe a pensar – essa é, aliás, uma das suas grandes qualidades. Começa assim uma das tiradas: “É bom olhar para trás e trazer os erros para a frente, bem de frente para nós. Nesse confronto, descobrimos onde podemos melhorar (…).” As belíssimas ilustrações são da filha, Maria Inês. M.A. Contraponto, 80 págs., €13,30
15. Coisa Que Não Edifica Nem Destrói
Ricardo Araújo Pereira

R.A.P. não é só o mais destacado humorista da sua geração. É também – e isso é mais raro – alguém que gosta de falar e pensar, a sério, sobre o humor, o grande mistério do riso. O seu podcast Coisa Que Não Edifica Nem Destrói é mais uma prova desse talento. Neste volume, reúnem-se alguns textos escritos para serem lidos aí, com muitas referências e uma desmistificação como pano de fundo: “O que quero dizer é que isto do humor tem tanto de místico como qualquer outra forma de escrita – ou de trabalho. Nada.” Tinta-da-China, 104 págs., €16,90
16. Homem Objeto e outras coisas sobre ser mulher
Tati Bernardi

“Eu estou rindo de mim há mais de quatro décadas e é terrível e maravilhoso.” A frase de Tati Bernardi (n. 1979), retirada de uma das crónicas deste livro, publicado no Brasil, em 2018, e agora editado cá com alguns textos mais atuais, é uma boa porta de entrada para aquilo que é o mundo – louco, agitado, divertido – da cronista brasileira. Rainha da autoficção, tão bem espelhada nos textos da Folha de São Paulo e nos podcasts que conduz, traz a estas páginas reflexões hilariantes sobre homens e mulheres, família e trabalho, casamento, filhos e neuroses várias. Sem pudores e com uma liberdade que chega a ser desconcertante. Tinta-da-China, 216 págs., €16,90
17. Vamos Todos Morrer Outra Vez
Hugo van der Ding

Começa em Cleópatra e segue, por ordem cronológica, de figura em figura, até à rainha Isabel II de Inglaterra. No total, são 100 biografias de “gente que já lá está”, costuma dizer Hugo van der Ding, escolhidas a partir das mais de mil apresentadas aos microfones da Antena 3, no programa diário Vamos Todos Morrer. É o segundo volume desta transposição para o papel (com os mesmos trocadilhos, piadas e desvios históricos), feita por alguém que não se cansa de garantir não ser um historiador, mas um interessado em factoides e vidas alheias – aqui, muito bem condensadas. Oficina do Livro, 304 págs., €19,90
18. Conhecer Portugal a Pé
Miguel Judas

Aqui se reúnem mais de 250 sugestões de percursos pedestres em Portugal (todos eles certificados, com indicações no local). Para fazer em família, à beira-mar ou no interior montanhoso, muito acessíveis ou mais exigentes, todos dão vontade de conhecer o País lentamente, passo a passo. O cicerone é o jornalista Miguel Judas (colaborador regular da VISÃO há mais de 20 anos), incansável andarilho pelos caminhos de Portugal, mesmo os mais recônditos e ignorados. Desassossego, 240 págs., €19,90
19. Hip-Hop Tuga
Ricardo Farinha

No ano em que se celebrou o 50.º aniversário do hip-hop (de algum modo, simbólico, já que não é fácil definir a certidão de nascimento de um género musical com tantas raízes), foi publicada em Portugal esta revisão da matéria dada no que toca ao hip-hop nacional. A ambição do autor, o jornalista Ricardo Farinha, é proporcionar uma viagem para todos os públicos (nem falta um “glossário para quem não percebe o hip-hop”), abrangendo, como se lê no subtítulo, “quatro décadas de rap em Portugal.” Artistas e tendências vão entrando em cena, página a página, por ordem cronológica. Iguana, 416 págs., €29,95
20. O Ato Criativo: Um Modo de Ser
Rick Rubin

Rick Rubin tornou-se um nome mítico da cultura contemporânea, primeiro, como produtor musical (projetos como Beastie Boys, Public Enemy ou Run-DMC tiveram a sua marca) e, depois, como executivo marcante dessa indústria. As suas barbas longas, aos 60 anos, dão-lhe um certo ar de guru, e este volume só vem sublinhar essa perceção. No fundo, é como uma espécie de livro de autoajuda, com dicas e reflexões para quem quer ter um trabalho criativo (ou mesmo uma vida). Exemplo: “O talento é a capacidade de deixar que as ideias se manifestem através de ti.” Talento Intemporal, 368 págs., €24,40
21. Eu Vi uma Flor Selvagem
Hurbert Reeves

Afortunados serão os que, neste Natal de 2023, tiverem a sorte de receber este pequeno livro de Hubert Reeves, astrofísico e grande divulgador científico, desaparecido em outubro passado. Eu Vi uma Flor Selvagem é um pouco diferente das restantes obras do autor de Um Pouco Mais de Azul, na medida em que se trata de um herbário das flores do campo, com 44 entradas (das anémonas-dos-bosques à ervilhaca-dos-lameiros) e 19 considerações botânicas. Reeves adota o registo de escrita simples que sempre o caracterizou, privilegiando a comunicação com o leitor e, sobretudo, evitando ao máximo a linguagem técnica. Cada entrada é acompanhada por uma fotografia a cores, de Patricia Aubertin, captada no campo de Malicorne, uma aldeia no norte da Borgonha, onde Reeves e a mulher viviam. Em Eu Vi uma Flor Selvagem, o cientista mantém o maravilhamento (até poético) perante a beleza do mundo e não esconde o prazer imenso que tem em partilhar esse encanto com os outros. Como se diz logo no princípio do livro, há coisas que estão demasiado longe de nós, mas outras que estão ao nosso alcance “e que muitos de nós ignoramos simplesmente porque nunca nos foram devidamente apresentadas”. Muito obrigada, mestre Reeves, por tudo quanto nos revelou. Gradiva, 256 págs., €21,50
22. Nanbanjin – Os Portugueses no Japão
Luís Filipe F. R. Thomaz

Nanbanjin – Os Portugueses no Japão reúne dois textos dispersos de Luís Filipe F. R. Thomaz: o primeiro serviu como introdução à História dos Portugueses no Extremo Oriente, dirigida por Oliveira Marques; o segundo foi publicado pelos Correios de Portugal. Além de juntar os ensaios, esta edição também se faz acompanhar por algumas ilustrações sobre o Japão, nomeadamente mapas, bilhetes-postais, estampas e pinturas de biombos nanban do Museu Nacional de Arte Antiga. O prefácio (interessante) é de João Paulo Oliveira e Costa, que recentemente venceu o Prémio John dos Passos 2023. Gradiva, 224 págs., €19,50
23. Cartas de Amor (edição revista e aumentada)
Fernando Pessoa

Nova edição das Cartas de Amor de Fernando Pessoa, com a particularidade de incluir outras destinatárias além da conhecida Ofélia Queiroz. A vida do grande poeta, tal como a sua obra, continua a dar muito que falar, com descobertas, apuramento de informações e novos pontos de vista. Este volume, com edição de Jerónimo Pizarro, tem uma pequena fotobiografia, com fotos, fac-símiles e muitas anotações. Pelo meio, a correspondência trocada com Madge Anderson, que chegou a ser motivo de ciúmes para a querida Ofélia. Um poeta plural (como o universo) também no amor. Tinta-da-China, 240 págs., €25
24. García Márquez, História de um Deicídio
Mario Vargas Llosa

Eis um luxo a que poucas vezes temos acesso. Um grande escritor, Nobel da Literatura, a escrever sobre outro grande escritor, também distinguido pela Academia Sueca. Dois mundos em confronto (antes de os próprios se terem desentendido) e uma leitura feita por quem igualmente escreve. Falamos da tese de doutoramento de Vargas Llosa sobre Cem Anos de Solidão, de García Márquez, um estudo que passa pelos primeiros contos sobre Macondo, pela construção da própria aldeia, por tudo o que foi imaginado e pelo que se pode recolher do vivido, pela História e pela ficção. Quetzal, 704 págs., €29,90
25. Mulher Vida Liberdade
Marjane Satrapi

Um acontecimento editorial, político e artístico: Marjane Satrapi, autora de Persépolis e que há 20 anos se despedira da BD, regressou ao género para coordenar um volume que responde à morte de Mahsa Amini às mãos da polícia dos costumes do Irão. Mulher Vida Liberdade é mais uma peça na revolução feminista em curso no país, tentativa de explicar a uma plateia maior (e mundial) o que está em causa. A vários especialistas juntaram-se 17 ilustradores (quatro iranianos) para escrever e ilustrar episódios sobre a História, governo, censura e revolta. Iguana, 288 págs., €27,75
26. Alguém Falou sobre Nós
Irene Vallejo

Falar com um classicista tem destas coisas: a propósito de tudo e de nada lembram-nos que nada é novo e tudo é uma revisitação. E fazem-no não para nos tirar a experiência do presente, mas para nos ligar a uma corrente de vivências que vem do passado e, espera-se, será prolongada e renovada no futuro. Visto desta perspetiva, é um exercício fascinante, como fascinantes são estas crónicas de Irene Vallejo, que já nos cativara com O Infinito num Junco. Textos que escreveu para o Heraldo de Aragón sobre vários aspetos e curiosidades da vida contemporânea e da sua raiz milenar. Bertrand, 152 págs. €16,60
27. Acreditar nas Feras
Nastassja Martin

O episódio podia ser descrito assim: um urso e uma mulher encontram-se e nenhum deles morreu, embora ambos tenham saído feridos. Mas, aos olhos de Nastassja Martin, foi muito mais do que isso: foram as fronteiras de dois mundos, o humano e o animal, que implodiram, escasseando palavras e conceitos para descrever o embate. Ainda assim, a antropóloga arrisca a descrição, contando o encontro, a sobrevivência e a sua fuga às histórias (e às ideias) que se formulam para dar sentido ao inexplicável. Uma extraordinária crónica de morte e ressurreição. Antígona, 136 págs., €16
28. Jorge Palma
Rita Carmo

Ao longo de três décadas, Rita Carmo, fotojornalista especializada em concertos e retratos de músicos, há anos presença assídua nas muitas vidas do jornal/revista/site Blitz, fotografou várias vezes Jorge Palma. Tantas, que o resultado desses encontros (“entre quem gosta de fotografar e quem gosta de ser fotografado”, lê-se) deu origem a este álbum. Com retratos de diversas épocas e contextos, é uma belíssima homenagem a um nome maior da música portuguesa. Coral, 128 págs., €49,90
E ainda… Poesia: Origens, pintores e romancistas
É uma das surpresas do ano editorial. A fechar as comemorações do centenário de Mário Cesariny, que se celebrou em agosto passado, uma antologia de poesia (e teatro) pensada pelo próprio poeta, primeiro para a rádio, depois para a televisão e, finalmente, para a gaveta. O projeto foi concebido e concluído nos anos quentes do pós-Revolução de 1974 e oferecia uma leitura surrealista da poesia portuguesa. Poetas do Amor, da Revolta e da Náusea (Assírio & Alvim, 248 págs., €16,65), título do programa-antologia, é recuperado por Fernando Cabral Martins, que, ao mesmo tempo, organiza uma antologia de Cesariny com poemas de todos os seus livros (Assírio & Alvim, 320 págs., €16,65).
Se Cesariny era um poeta que também pintava, de um pintor que também escrevia poesia sai outra surpresa editorial: Prima Contradição (Assírio & Alvim, 304 págs., €22,20) reúne um conjunto muito alargado de inéditos de Júlio Pomar. Os versos eram uma prática regular sua, dando origem a dois volumes e a alguns fados musicados, mas manteve-a sempre mais reservada. Poesia completa, ainda, de um romancista consagrado: Roberto Bolaño, com versões portuguesas de Carlos Vaz Marques (Quetzal, 424 págs., €22,20). E, finalmente, um grande clássico, pela primeira vez traduzido integralmente do latim: Horácio, por Frederico Lourenço (Quetzal, 816 págs., €24,90). L.R.D.