Por vezes, o desalento instala-se. Há perguntas que ficam a pairar sem respostas evidentes e que se emaranham quando pensadas isoladamente, sem partilha. Como furar a restrição de acesso aos circuitos editoriais e obter destes uma ação de promoção? Como conseguir presença nos festivais literários, em que estão “os mesmos de sempre”? Como conquistar destaque nos escaparates das livrarias? O que falha na promoção? Porque há tantas mulheres a escrever e os premiados são quase sempre homens? Porque, em Portugal, são as mulheres que compram mais livros e é a autoria no feminino que tem menos visibilidade? Será que a escrita das mulheres não é levada tão a sério quanto a dos homens? Filipa Fonseca e Silva, já com sete livros publicados, matutava e matutava nestas questões em cadeia. Sentia-se numa “bolha”… de solidão, pois “a escrita é um ato muito solitário” e “o mundo da literatura muito fechado”.
Até que conheceu outras autoras, todas da sua editora, e percebeu que “viviam, na sua bolha”, com as mesmas interrogações, inquietações e angústias. Surgiu a ideia de marcar encontros regulares, para discutirem, desabafarem e encontrarem estratégias que contornassem as dificuldades sentidas. Se, no início, eram meia dúzia, o passa-palavra trouxe mais e mais jovens escritoras de outras editoras e, hoje, são já três dezenas. Desde março que lhe chamam Clube das Mulheres Escritoras (CME).
Parece que há a literatura e depois há a literatura feminina, que as mulheres escrevem para mulheres, e os homens para toda a gente
Filipa Fonseca e Silva
“Eu própria fiquei surpreendida ao conhecer outras autoras. Não conhecíamos as obras umas das outras. E se eu, escritora, não conheço, muito menos o leitor comum!”, confessa à VISÃO Filipa Fonseca e Silva, entretanto nomeada porta-voz do movimento. “Não há aqui nenhum complot contra os homens. Mas, se já é difícil para qualquer jovem autor, para as mulheres ainda o é mais”, lamenta, recusando a ideia de que existe uma escrita feminina, termo que abomina, até porque é esse tipo de “estigmas” e de “preconceitos”, muitas vezes entranhados inconscientemente, com que estas autoras querem romper.
“Parece que há a literatura e que depois há a literatura feminina, que as mulheres escrevem para mulheres, e os homens para toda a gente! Nós não escrevemos só historinhas cor de rosa, de amor e fofinhas. Queremos que conheçam a diversidade que existe. Ainda há aqui um grande trabalho a fazer”, observa. “Há todo um conjunto de fatores que estamos a tentar perceber porque acontece. Existe falta de visibilidade, e não há só um motivo para isso acontecer, mas várias pequenas coisas. E são essas que queremos mudar.”
Assim meteram pés a caminho. Os encontros acontecem uma vez por mês, nos jardins da Gulbenkian, em Lisboa. A agenda começou por leituras das obras de cada uma, confissões das dificuldades e partilha de experiências. Depois, vieram ideias concretas: de um grupo de WhatsApp e de Instagram, passaram para duas newsletters mensais: uma temática, com textos de algumas autoras, e outra com informação útil, como festivais, residências literárias, fotógrafos para capas de livros, tradutores… Um site do CME nascerá em setembro, com o perfil de cada uma das participantes, livros publicados e percursos. Como se trata de uma associação informal, tudo é feito ao ritmo da disponibilidade de cada uma. Não há quotas a pagar e o único critério de adesão é ter um primeiro livro de ficção publicado por uma editora tradicional, garante da qualidade.
Puxar umas pelas outras
Tudo isto é feito com um forte espírito de entreajuda, em que as mais publicadas podem orientar as que ainda só publicaram o primeiro livro e as mais reconhecidas ajudam a dar exposição às que estão a começar, rompendo, assim, também com “a ideia de que as mulheres não se juntam e são sempre rivais”. Quanto mais que não seja, “umas puxam pelas outras”, e aquelas que se sentiam mais desmotivadas voltaram até a ganhar alento para começarem a escrever novos livros. “Se não servir para mais nada, serve para nos ajudarmos. E só o facto de estarmos juntas, com honestidade, acaba por dar mais poder às mulheres”, reforça Filipa Fonseca e Silva.
Esta foi também uma forma de unir o que estava separado, uma vez que nem todas vivem em Lisboa. Há quem viva no Porto, no Alentejo ou na Madeira, e há quem viva na Suécia, em Inglaterra ou até na Malásia. Entre as três dezenas de escritoras está um prémio Leya, o único ganho por uma mulher.
À medida que refinam a sua organização, descobrem métodos para melhor se afirmarem, como se de um sindicato se tratasse. Como ninguém consegue viver só da escrita, e quase todas têm empregos, está na forja uma espécie de tabela de pagamentos para deslocações a iniciativas ou outras colaborações. “Não se pode ir a Bragança, se não nos pagarem as deslocações e a alimentação, porque nesses dias faltamos ao emprego. E quando nos acenam com o prestígio que isso nos dá, temos de dizer que o prestígio não paga as contas.” Esta questão pôs-se quando, durante a troca de experiências, descobriram que umas eram pagas e que outras não. “Temos de nos levar a sério, para que também nos levem a sério”, remata Filipa.
A primeira conquista pública foi um palco que conseguiram só para elas, na Feira do Livro de Lisboa. Ali, não era para promoverem os livros – porque isso fica com cada editora –, mas para se darem a conhecer enquanto escritoras. E outras apresentações estão já na forja. O movimento começa a dar frutos.
Novas adesões serão sempre bem-vindas. Mais novas ou mais velhas, nomes mais ou menos sonantes, todas terão certamente algo a aprender umas com as outras. É esta a convicção que reina no clube. “Temos de mostrar que as mulheres, quando escrevem, não é só sobre mulheres e para mulheres.”
Para pôr na agenda
8 set, 19h30: Festa do Livro da Amadora > Conversa entre as autoras do clube
10 set, 16h: Feira do Livro do Porto: Filipa Fonseca Silva; Gabriela Relvas > sessão de autógrafos
14 set, 21h30: Festival Literário de Ovar > Gabriela Relvas – Mesa Redonda com José Manuel Barroso e António Carlos Santos
15 set, 18h: Parque Eduardo VII, Lisboa > Conversa informal com Catarina Costa, Fátima Moura da Silva e João Albano Fernandes
17 set, 11h30: Festival Literário de Ovar > Sara Rodi – Mesa Redonda com Isabel Peixeiro e Maria Leitão