1. O Último Cais
Helena Marques
Os leitores mais velhos lembrar-se-ão, porventura, do êxito que foi o lançamento d’O Último Cais, em 1993. Helena Marques (1935-2020) tinha levado uma vida de jornalista e, aos 57 anos, aparecia com um livro sobre as famílias madeirenses do século XIX, em grande parte baseado nas suas memórias insulares. Ganhou prémios atrás de prémios, incluindo o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. Passaram-se 30 anos, e é por isso que a Dom Quixote publica agora esta edição comemorativa: o prefácio (muito certeiro) é de João de Melo e a capa (belíssima) leva uma fotografia do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s. O que lá está dentro, além de merecer ser lido pelas novas gerações, pode parecer fora de moda, mas faz ainda mais sentido nos nossos dias – uma escrita subtil e delicada, própria de quem está em paz consigo e com os outros. Sara Belo Luís Dom Quixote, 198 págs., €15,90
2. Mrs. March
Virginia Feito
Descrito como um thriller psicológico, Mrs. March, o romance de estreia da espanhola Virginia Feito, lê-se em permanente tensão – da primeira à última linha. Com ele mergulhamos na mesma espiral de dúvida e de ansiedade da protagonista, uma dona de casa do Upper East Side, à medida que esta se desfaz da capa de superficial perfeição e de tranquilidade. A história desenrola-se a partir de uma suposta semelhança entre Mrs. March, figura central desta história, e a personagem fictícia Johanna, uma prostituta “patética” e “fraca”, criada pelo marido e escritor George March, num romance tornado um sucesso de vendas e que parece que todos em Nova Iorque estão a ler e comentar. A paranoia dá origem a pequenas alucinações e a comportamentos bizarros, que fazem aflorar em Mrs. March um passado com laivos de doença mental, em tempos reprimida. A ação acontece sobretudo num apartamento de classe alta, que se torna sufocante com o avançar da narrativa e que tem tudo para dar um bom filme. Consta que Elisabeth Moss (Handmaid’s Tale) está envolvida na representação e produção. Já a autora, Virginia Feito, revelou em entrevista que a figura principal da história tem muito de si, pelas atitudes obsessivas e agora também pela pressão de pôr no prelo um novo romance que faça, tal como este, boa imprensa. Mariana Correia de Barros Alfaguara, 336 págs., €18,85
3. Uma Casa Feita de Doces
Jennifer Egan
Quem se surpreendeu ou até se desiludiu (apesar das suas qualidades) com A Praia de Manhattan, ficção mais convencional, pode agora descansar: Jennifer Egan está de volta ao romance enquanto máquina de rutura de convenções. Tal como em A Visita do Brutamontes, que a celebrizou e lhe conquistou inúmeros leitores, a escritora norte-americana cruza diversos fios narrativos (mais de dez) e personagens (algumas retomadas do livro de 2011), numa hábil metamorfose de registos (e de hipóteses) literários. Num tempo de criação de conteúdos com recursos à Inteligência Artificial, eis um romance que, pela forma e pelo conteúdo, indaga o impacto e os efeitos da tecnologia e das redes sociais. É nesse mundo online que Bix Buton se move e impõe a sua empresa (qualquer semelhança com a realidade não é pura ficção). Do outro lado da barricada, encontrará quem não quer perder a sua humanidade. Luís Ricardo Duarte Quetzal, 416 págs., €20,90
4. Perder-se
Annie Ernaux
O efeito Nobel continua a fazer-se sentir na divulgação, em Portugal, da obra de Annie Ernaux. Da escritora francesa, distinguida em 2022 pela Academia Sueca, continuam a chegar às livrarias novos títulos, dos mais recentes aos mais antigos. Perder-se, de 2001, ocupa um lugar especial nesta reconstituição do seu percurso literário, na medida em que nos dá acesso à matéria bruta que, depois, em alguns casos, é trabalhada literariamente no campo da autoficção. Este é um diário escrito durante a relação que Annie Ernaux manteve por ano e meio com um diplomata russo. O caso é relatado na novela Uma Paixão Simples. Mas se nessa obra, de 1991, se refletia (já sob o filtro da memória) sobre o que se pode contar a partir do que nos aconteceu, aqui expõem-se, sem filtros, a vida vivida, as ânsias, as esperas, as dúvidas e os sonhos mantidos nessa paixão, afinal, nada simples. A escrita antes da escrita, a vida antes da literatura. L.R.D. Livros do Brasil, 272 págs., €17,75
5. A Escrita ou a Vida
Jorge Semprún
Pode parecer estúpido dizer isto, mas o sentimento que se tem ao escrever umas linhas de recensão sobre este livro é o da consciência de que nada podemos acrescentar ao que Jorge Semprún (1923-2011) escreveu. Se quisermos ser honestos, nada mais há a acrescentar, perante a Verdade (com maiúscula, porque usamos a palavra no sentido ontológico) que o autor imprimiu a tudo aquilo que pôs em palavras, depois de viver a experiência atroz que viveu, no campo de concentração de Buchenwald. “Mas pode-se contar? Poder-se-á contar?” Se o próprio hesitou e teve dúvidas de que fosse possível, quem somos nós para, do alto das nossas pobres opiniões, comentar o que quer que seja? A Escrita ou a Vida é um tratado. Sobre a vida e a morte, o mal e o bem, o horror e a loucura, mas também sobre a Humanidade, a esperança, a beleza, a compaixão, a generosidade, a fraternidade… E lê-lo, neste princípio de século XXI, no momento em que tantas ideias absurdas estão de regresso por esse mundo fora, é porventura o nosso maior desafio. Um louvor à Zigurate, que voltou a disponibilizá-lo no mercado português, numa edição com prefácio de Eduardo Prado Coelho. Ao contrário do que acontece com o testemunho de Primo Levi, não há aqui uma só evocação que não esteja orientada para a Vida. S.B.L. Livros Zigurate, 176 págs., €19,30
6. A Maldição da Noz-Moscada
Amitav Ghosh
E se lhe disserem que a raiz das alterações climáticas está no domínio colonial que a Europa impôs ao mundo? O argumento é bem fundamentado, e Amitav Ghosh, um dos pensadores e romancistas mais destacados da Índia, defende-o com originalidade. Para o efeito, convoca o seu talento de criador de enredos e as suas ideias fortes e fora da visão ocidental do mundo. Pegando no extermínio da população da ilha Lontor (único produtor de noz-moscada no século XVII), em 1621, às mãos dos holandeses, Ghosh mostra como os europeus procuraram sempre, na sua expansão marítima, consumir todos os recursos, sem qualquer respeito por uma relação mais vital com a Natureza e o planeta. Os resultados estão à vista, garante. L.R.D. Elsinore, 400 págs., €24,35
7. Júlio Pomar. Depois do Novo Realismo
Alexandre Pomar
Jornalista e crítico de arte, também comissário de exposições, Alexandre Pomar nunca fugiu ao mais difícil dos ofícios: escrever sobre a obra do seu pai, o pintor Júlio Pomar. E fê-lo sempre com informação e acutilância, rigor e originalidade (de que o catálogo raisonné, por si organizado, é o melhor exemplo). Na mesma altura em que o Atelier-Museu Júlio Pomar, em Lisboa, assinala dez anos de existência, Alexandre reúne em livro vários ensaios, que cobrem a atividade do pintor depois de se ter afastado do Novo (ou neo) Realismo. São seis décadas de atividade, com reinvenções constantes, de um dos mais estimulantes percursos artísticos do século XX. Em anexo, 25 escritos inéditos ou dispersos do pintor e muita correspondência. L.R.D. Guerra & Paz, 328 págs., €18
8. Portugueses na Lista Negra de Hitler
Miriam Assor
Os números impensáveis de vítimas da II Guerra Mundial dão-nos bem a ideia da escala e da barbárie do conflito, mas não nos dão a dimensão humana. É por isso que a pequena história, os enfoques nacionais ou pessoais são tão importantes. De tão variados, tocam (quase) todas as realidades. Miriam Assor dedica-se, neste livro, a revelar os Portugueses na Lista Negra de Hitler. São judeus como muitos (milhões de) outros que foram perseguidos, levados para campos de concentração, mortos, também alguns que sobreviveram ou foram ajudados por diplomatas e pessoas com pensamento próprio. Biografias e, em alguns casos, memórias pessoais, bem contextualizadas na guerra e nas políticas do Estado Novo. L.R.D. Casa das Letras, 232 págs., €16,60