1. Trégua, de José Valente e Orquestra Filarmónica Gafanhense
Há muito que o premiado compositor e músico português José Valente se tem destacado pelo modo como tem alargado os limites da música dita erudita, trazendo o seu instrumento de eleição, a viola de arco, para territórios sonoros que à partida lhe são estranhos, como o jazz ou a eletrónica. Desta vez, o desafio consistiu em criar de raiz uma obra para viola de arco e orquestra de sopros, através do imprevisível encontro entre o próprio José Valente e a Orquestra Filarmónica Gafanhense, dirigida pelo saxofonista e maestro Henrique Portovedo. Dessa residência artística nasceu Trégua, um disco disruptivo, pelo modo como junta improvisação e contemporaneidade à realidade supostamente mais formatada de uma banda filarmónica. Composto por sete atos que vagueiam por “uma multiplicidade de referências”, o álbum conclui a trilogia iniciada com Os Pássaros Estão Estragados (2015) e Serpente Infinita (2018).
2. Dois Quartetos sobre o Mar, de Mário Barreiros
O mote para esta “espécie de álbum conceptual sem princípio, meio ou fim” surgiu depois de Mário Barreiros ter assistido ao documentário Seaspiracy. “Nalgumas partes do mundo vive-se uma total selvajaria em alto-mar. E depois de fazer alguma pesquisa sobre o assunto, disse aos músicos para fazermos algo que tivesse a ver com o mar”, contou à VISÃO o músico, produtor, compositor e fotógrafo, cujo nome se confunde com a história da música portuguesa das últimas quatro décadas (está presente em discos tão essenciais como Recados, dos Jafumega, Mingos & os Samurais, de Rui Veloso, Viagens, de Pedro Abrunhosa ou O Monstro Precisa de Amigos, dos Ornatos Violeta). Dois Quartetos sobre o Mar é um disco em dois andamentos, um “mais romântico e contemplativo” e outro “mais exploratório e denso”, fruto do trabalho com dois quartetos, ambos compostos por pesos-pesados do jazz nacional. São eles o Quarteto Pacífico, composto por Carlos Barretto (contrabaixo), Abe Rábade (piano) e Ricardo Toscano (sax alto); e o Quarteto Abissal, formado por Demian Cabaud (contrabaixo), Miguel Meirinhos (piano) e José Pedro Coelho (sax) – a quem se junta, em ambos, o próprio Mário Barreiros, na bateria. “O jazz, para mim, é liberdade, mas também flexibilidade. Funciona como uma conversa entre os músicos, em que todos têm tempo e espaço para expressar os seus pontos de vista. Estas músicas resultam de dois diálogos diferentes.”
3. Triofásico, de Trio Alcatifa
Se há música a merecer o rótulo “de festa”, a do Trio Alcatifa é uma delas. Essa é a sua razão de ser, com uma grande misturada de referências, como os próprios reconhecem, apresentando-se através de expressões como “turbo folk” ou “arábico psicadélico”. O disco de estreia poderia ser apenas uma sucessão de ambientes sonoros exóticos, mais ou menos avulsos, e não deixaria de ser divertido, mas o grupo composto por Dr. Alban no trompete, Dr. Bombazine no saxofone alto e Dr. Rashid no teclado conseguiu criar um álbum que apetece ouvir do início ao fim. Depois, fica-se com vontade de ir a correr para um concerto do inusitado trio, porque música assim só faz sentido se puder ser celebrada ao vivo.
4. Miramar II, de Miramar
Tal como na vida, na arte os melhores momentos surgem, muitas vezes, de encontros fortuitos. Este duo é composto pelos guitarristas Frankie Chavez e Peixe, que se conheceram no festival Guitarras ao Alto, em junho de 2017 e transformaram em música a empatia e amizade aí surgida. O primeiro momento foi o álbum Miramar, nascido de uma residência artística feita numa vivenda em frente à praia com esse nome, em Vila Nova de Gaia. E aí regressaram para gravarem o segundo volume da parceria, agora também com a companhia do pianista Mário Laginha (no tema Recolher), alargando a novas paisagens sonoras o já variado universo musical da dupla, que continua a ser desbravado em temas instrumentais com diferentes mundos lá dentro, como tão bem se comprova na surpreendente versão de Celulitite, de Conan Osiris.