Já sabemos a história de cor. Kanye West anuncia o lançamento de um novo disco, faz/diz algo polémico/disparatado e capta as atenções. A música quase passou a ser um acessório para falar do rapper e produtor. Foi isso que voltou a acontecer com Donda, o seu décimo álbum. Adiamentos no lançamento, sucessivas alterações às músicas, colaborações de artistas homofóbicos (DaBaby) e abusadores (Marilyn Manson), dias a viver num estádio de futebol, beef com o arqui-inimigo Drake… Tudo isto no rescaldo do seu divórcio de Kim Kardashian e da sua corrida à presidência dos EUA.
O parágrafo anterior é tão extenuante que é natural que haja pouca paciência para falar da música. E é pena, porque Donda – dedicado à mãe, Donda West, que morreu em 2007 – mostra progressos face ao preguiçoso Ye e às tentativas de gospel de Jesus Is King. O Kanye religioso é o Kanye menos interessante, mas Donda é uma versão mais negra dessa ligação com Deus. É menos exaltação e mais pedido de ajuda. Alguns dos melhores momentos do álbum são a falar com Ele (No Child Left Behind, Jesus Lord). Outros aproximam-se do peso progressivo de projetos anteriores, como se Yeezus tivesse descoberto uma Bíblia. Off The Grid, Hurricane, Believe What I Say, Moon e Come to Life destacam-se.
Com alguma edição, talvez entrasse na categoria “ótimos discos do Kanye”. Mas é difícil justificar 27 (!) músicas. É um álbum cansativo de ouvir do início ao fim. Vindo de um dos artistas mais relevantes da primeira década e meia do século, provoca-nos demasiados minutos de bocejos. Embora mostre que a mina criativa de West ainda não se esgotou, prova que já não tem a mesma força gravitacional. O lançamento de Donda também volta a fazer-nos pensar sobre como lidar com um artista que assumiu a sua bipolaridade e cuja instabilidade mental serve para obter os cliques mais fáceis da internet. E, no entanto, aqui estamos…
O décimo álbum de estúdio de Kanye West, Donda, foi inspirado na sua mãe, Donda West, professora, desaparecida em 2007. A capa toda negra tem sido motivo para várias especulações nas redes sociais (era mesmo esta a capa que o músico queria?), como quase tudo o que gira em torno de Kanye West.