1. Atirar Para o Torto, de Margarida Vale de Gato
Tradutora e poeta excelentíssima, recebe-nos aqui com esta confissão: “Olá, não é para todos isto/ de ser selvagem com o volume/ da bagagem ocidental; no clímax da meia-idade/ é previsível já a quase-/-invariável rotina: i)/ achar que não é para mim; ii)/aquiescer, eu, treinada/ em variações de bardo (Deus, faz com que nunca seja/ uma poeta ressabiada).”
Recentrando a (sua) experiência feminina e o cânone, estes poemas são autobiográficos, desconcertantes e habitados por afetos: casas, cúmplices, computadores perdidos, Elizabeth Bishop… Tinta-da-China > 126 págs. > €13,41
2. Afectuosamente, de Margaret Atwood
Conhecemos-lhe A História de uma Serva, mas Atwood tem sido poeta constante. Esta compilação, dedicada ao companheiro desaparecido em 2019, Graeme Gibson, traduzida por João Luís Barreto Guimarães, olha para o passado sem nostalgia, preferindo o estilete da lucidez. “Não olhes para trás, dizem eles:/ tornar-te-ás sal./ Mas porque não? Porque não olhar?/ Não é tão brilhante?/ Não é tão bonito, lá atrás?” Cabem aqui passaportes colecionados, ameaças ambientais, a gata demente da casa e até uma imagem do tempo como mão de zombie… Bertrand > 240 págs. > €16,60
3. Viver Feliz Lá Fora, de José Gardeazabal
Tal como a sua ficção, este longo poema dividido em cinco partes é uma máquina implacável, subvertendo ritmos, linguagem, associações de ideias – “idem ibidem dem dem bidem”. Uma ode triunfal em que ecoam Pessoa (“diante de uma janela absoluta não/ comentemos tabacarias”) e Cesário Verde (“a esta hora do dia/ não é normal termos sentimentos de ocidental”), lançam-se farpas a quem as apanhar (“há cães/ desconhecidos/ a decidir o cânone”), contempla-se a contemporaneidade (“os atos são aves predadoras/ as palavras plantinhas/ símbolos redondos sorriem-nos do fim das frases/ vivemos sob o signo das cicatrizes”) e ausculta-se o estado do mundo (“Um estranho pergunta-nos de onde somos/ e isto/ ou é/ curiosidade/ ou é racismo”). E a pandemia crava agulhas: os “óbitos em dominó”, a “felicidade de formiga”, a “canção ferida da claustrofobia”. “A pior mortalidade é a mortalidade dos vivos”, lê-se. Eis a nossa civilização “parada como pompeia/ segundos antes de…” Relógio D’Água > 64 págs. > €15
4. Todos os Poemas, de Friedrich Hölderlin
Tomo monumental para dias longos, permite ler em português, pela primeira vez, toda a produção do gigante alemão Hölderlin (1770-1843), desde as obras de juventude, influenciadas pelo mundo grego antigo, até aos hinos e odes que o tornaram autor-deus, e aos fragmentos finais. Um “Hölderlin de corpo inteiro que nos faltava”, refere o tradutor João Barrento. E que deixa motes assim: “Se esquecerdes os amigos, se desprezardes o artista / E virdes o espírito profundo de forma mesquinha e vulgar/ Deus vos perdoará – mas nunca perturbeis/ A paz dos amantes.” Assírio & Alvim > 664 págs. > €44
5. Sétimo Dia, de Daniel Faria
Sob um título evocativo do mito da criação do mundo, alinham-se inéditos do poeta – monge beneditino desaparecido em 1999, aos 28 anos –, resultantes de 14 folhas encontradas no Mosteiro de Singeverga. Respeitando as ausências documentais, seguindo o fio da frase, do verso, sempre em contacto com as fontes teológicas, o livro faz escutar cinco homens em cinco dias, cinco vozes que aspiram a transcendências. “Ponho a minha mão esquerda diante do espelho. Agora já medito se não há do outro lado outra mão que se possa tocar.” Assírio & Alvim > 160 págs. > €15,50