“Não há pior para um escritor do que uma história já contada”, lê-se. Este é um remoinho traiçoeiro que Luísa Costa Gomes evita sempre, ainda que alguns contos chamem à linha de água gente como Lord Byron, Pirandello, Kierkegaard ou um “grande escritor da literatura universal” de bengala e joelho sofredor com um tédio imitador de “Zeus em concílio” que serviria de escafandro a vários literatos. Afastar-se evidencia, mais uma vez, a musculatura treinada, a capacidade de fôlego, a braçada vocabular, a profundidade de imersão literária de Luísa Costa Gomes, uma das nossas melhores autoras contemporâneas de narrativa curta, que sempre defendeu este género insuficientemente apreciado (também como diretora da revista Ficções, entre 2000 e 2008).
Apenas três destas 13 histórias tiveram publicação prévia: O Tratado de Tavira (na coletânea O Prazer da Leitura, em 2008), Banhos Célebres, rebatizada como Baía da Alumbrada (Jornal de Letras, 2017) e o comovente Desertos, Enseadas, Covas Abertas (coletânea Mães que Tudo, 2019). O resto é mar aberto, literatura salva-vidas que fala de escritores a quem o imenso azul ressuscita a ânsia de viver, de filhas entregues ao luto materno numa piscina a sul, de amantes que soçobram no abraço marinho, de um turista renitente em navio de cruzeiro (“prisões flutuantes com vistas desafogadas”) que salva um idoso em alto-mar para ser aí esquecido pelos outros…
E ainda de Giulia, a menina de 12 anos que se atira à água com “determinação de galgo, sem olhar para trás”: obcecada por Lord Byron, não o poeta mas o nadador que saía do palazzo Mocenigo vestido e calçado, atirando-se ao Canal Grande de Veneza sem sequer desfazer o nó do lenço de seda, aquele que faz a travessia do Helesponto entre Sesto e Abidos – travessia que ela tentará imitar. Uma parábola líquida para a vida, a literatura e tudo o que está no meio.