Para Marianne Faithfull, a maioria dos dias de abril de 2020 foram passados num hospital, a lutar pela vida, aos 73 anos, depois de ser infetada pelo vírus SARS-CoV-2. Por essa altura, estava em vias de concretizar um velho sonho artístico: gravar um disco de poesia declamada com música. She Walks in Beauty chegou um ano depois (foi lançado no passado dia 30 de abril), revelando gravações feitas antes do primeiro confinamento e nos meses seguintes.
She Walks in Beauty é um dos mais famosos poemas de Lord Byron, escrito em 1814. Agora, é também o título deste disco de Marianne Faithfull e Warren Ellis, que concretiza um velho sonho da cantora britânica: gravar um álbum de poesia declamada
A primeira etapa foi aquela que deu sentido a todo o projeto: o produtor Head (conhecido pelo seu trabalho nos primeiros registos de P.J. Harvey) foi ter com Marianne Faithfull e gravou a sua voz recitando uma criteriosa seleção de poetas românticos ingleses do século XIX. A cantora regressava, assim, a uma velha paixão de adolescência: estudou ardentemente esses versos antes de, aos 16 anos, ter ido viver para Londres onde, sobretudo depois de se tornar namorada de Mick Jagger, se tornaria um ícone dos revolucionários e loucos anos 60.
Agora, aqui estava, com a sua voz grave e marcada pela passagem do tempo – da vida – lendo, de novo, certamente de modo diferente, as palavras de Lord Byron, Thomas Hood, John Keats, Percy Bysshe Shelley, William Wordsworth e Lord Alfred Tennyson.
Essas gravações viajaram, então, para o estúdio parisiense de Warren Ellis (o músico australiano que, nos Bad Seeds, se afirmou como grande cúmplice musical de Nick Cave), a quem foi pedido que criasse ambientes musicais como os que tem assinado para diversas bandas sonoras.
Num ano de isolamento, mas de muito trabalho, essa missão tornou-se uma das suas obsessões. O seu entusiasmo contagiou, à distância, o próprio Nick Cave (que toca piano em algumas faixas), Brian Eno e o violoncelista Vincent Ségal que também colaboraram no disco. Contas feitas, estes versos, esta voz, esta música transportam-nos para muito longe daqui, talvez para esses lugares que os românticos perseguiam sem nunca os conseguirem alcançar.