A vida não é para meninos, confirmaram os leitores brasileiros ao ler a primeira crónica, e agora os primeiros parágrafos, de Estar Vivo Aleija (Tinta da China, 152 págs., €15,90), compilação das crónicas feitas por Ricardo Araújo Pereira para o jornal Folha de S. Paulo, entre abril de 2017 e agosto de 2018 (antes de o terramoto Bolsonaro dominar as ruas e os média). O cronista excelentíssimo (causador dessa particular dislexia que faz tantos leitores começarem a folhear a VISÃO pela última página) avisa logo: “O escritor Manuel da Fonseca disse: ‘Isto de estar vivo ainda um dia acaba mal.’ Levei a cabo algumas pesquisas e sinto-me muito inclinado a concordar. Por isso, todas as semanas escreverei aqui sobre a vida, esse caminho de dor, angústia e desespero que culmina na morte. Serão textos humorísticos.”
É um chapéu de chuva grande, que Ricardo Araújo Pereira salpica com temas tão diversos como os requisitos da sua cremação (inclui vacas amarelas em papier mâché, Céline Dion e a palavra “clavícula”), a falta de arrependimentos de Edith Piaf (“eu sou o seu rigoroso inverso: arrependo-me de tudo”, garante), a tentativa de compra do silêncio de Eduardo Cunha pelo Presidente Temer (mecenato, propõe ele), as razões para ter filhos, “falangetas pérfidas” ou os volúveis paradigmas dos estudos científicos (“Que vilão se reabilita tão depressa? Quem foi que, no espaço de um ano, convenceu as gorduras a abandonarem o lado negro e a juntarem-se ao bem, e porque é que o autor da proeza não protagoniza ainda uma série da Marvel, convertendo os bandidos de Gotham City com o mesmo método não-violento.”) Pensos rápidos para a vida, é o que é.