“Dizem que é preciso parar perante uma tela de Rothko como em frente de um amanhecer.” A autora logo desmantela a epifania encomendada, lembrando que a riquíssima alta sociedade da Quinta Avenida achava que os quadros dele combinavam “deliciosamente bem com os sofás de cabedal e os tapetes de angorá”. Rothko, acossado pelos críticos, cairia numa grandiloquência justificativa. E María Gainza escreve: “Talvez olhar para um Rothko tenha algo de experiência espiritual, mas de um tipo que não admite palavras. É como visitar os glaciares ou atravessar um deserto. Poucas vezes o inadequado da linguagem se torna tão óbvio. Em frente de um Rothko procuramos usar frases saídas de um sermão dominical mas não encontramos mais do que eufemismos. O que queríamos na realidade dizer era do caraças.” E a seguir, em O Nervo Ótico, lemos que a narradora está num consultório, gotas aplicadas nos olhos, pupilas a dilatarem entre clarões vermelhos e negros, perante um poster de… Rothko. Tudo é uma questão de olhar, recorda-nos este volume para estimar.
María Gainza conseguiu um feito: escrever um primeiro “romance”, confessional e desassombrado, em que trabalha elementos da ficção, do ensaio, da aparente autobiografia, sem medo das costuras à mostra nem reverências deslocadas. E encontrou uma voz própria que, em sotto voce, percorre as grandes questões, a História da Arte, os pecadilhos dos génios, as questões de gosto, a mortalidade (a sua e a dos próximos). A sua protagonista, profissional de visitas guiadas a coleções de arte, cruza, ao longo de onze andamentos, a biografia e o anedotário artístico: a cobardia de Picasso que homenageia Rousseau de forma insincera, a derrocada de Mísia em Veneza, a inveja de El Greco, o fascínio pelo mar de Courbet, ligam-se aqui às evocações da boa família argentina, às perdas, à passagem do tempo, à doença… Uma estreia que tocou num nervo.
O Nervo Ótico (D. Quixote, 168 págs., €14,90) é o primeiro romance de María Gainza, argentina nascida em 1975, em Buenos Aires, que trabalhou como crítica de arte para publicações como o The New York Times, ArtNews e Artforum.