Parece algo sádica, a escolha de um título que recorda esse livro que marcou adolescências. O Diário Secreto de Adrian Mole aos 13 anos e 3/4 (1982), de Sue Townsend, era uma tragicomédia alimentada a hormonas, borbulhas, e angst juvenil. A comédia manifesta-se nesta “ficção” (ninguém sabe a identidade do autor holandês ou sequer se isto é relato biográfico ou invenção), mas o riso amarelece, transforma-se em coisa nervosinha, perante este retrato da velhice num lar de terceira idade em Amesterdão.
O Diário Secreto de Hendrik Groen aos 83 anos e 1/4 usa o dispositivo de entradas assinadas pelo idoso, que, apesar das mazelas e perdas de urina (só em novembro, conta, usará a primeira fralda) e de os amigos estarem debilitados ou dementes, se recusa a desistir. “Mais um ano e continuo sem gostar de velhos. Aquele arrastar de pés atrás dos andarilhos, aquela impaciência imoderada, aquele eterno queixume, as bolachas e o chá, aqueles suspiros e gemidos”, declara a 1 de janeiro. O lar é uma ditadura de intransigências e de pequenas crueldades (a má comida, a condescendência, as proibições…). É, ainda, um microcosmos dos fantasmas do Norte europeu, onde se premeia a delação (o anonimato é garantido a quem der “informações” sobre quem atirou bolos para um aquário, matando os peixes).
Literariamente, este Hendrik Groen é uma competição levezinha para o superlativo relato de fim de vidas que é A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe. Solidão, suicídio, sobrevivência abordam-se, aqui, em linguagem simples até pueril. Mas há o voyeurismo da futura identificação… e a vontade de ver até onde chega a resistência de Hendrik, que compra uma scooter de mobilidade, cria um clube de atividades, se apaixona. Não há finais felizes, mas a velhice não é para meninos.
O Diário Secreto de Hendrik Groen aos 83 anos e 1/4 (Editorial Presença, 304 págs., €17,50), best-seller holandês cujos direitos foram vendidos para 21 países, já tem continuação: um segundo diário intitulado As Long as There is Life.