Clara Pinto Correia é uma das vozes literárias relevantes do último quartel do século XX e do início do atual. Recorde-se o sucesso que foi, na década de 1980, o envolvente thriller ambientado na ressaca da Reforma Agrária intitulado Adeus Princesa. Muitos outros romances e novelas da escritora – como Ponto Pé-de-Flor, E se Tivesse a Bondade de me Dizer Porquê, em coautoria com Mário de Carvalho, ou A Arma dos Juízes –, pautados por um olhar irreverente, uma observação bem-humorada e uma escrita límpida, sucederam-se em bom ritmo. Agora, após um intervalo de alguns anos, a escritora retoma o fio à meada com um romance que, sendo composto em torno das memórias de uma protagonista narradora, retrata as múltiplas contingências da vida em Portugal – mas não só –, ao longo das últimas décadas.
Todos os Caminhos é um mergulho nas memórias de uma geração: a dos filhos do 25 de Abril, que tiveram de se ambientar a um mundo em mutação depois da embriaguez total da liberdade. Uma África matricial, um Portugal lugar de conflito e uma América tornada mais realidade do que sonho são os pontos cardeais que orientam uma ação por vezes dramática, por outras desconcertantemente hilariante. Não se deixe influenciar pelo estilo da capa nem pela frase publicitária aí impressa: o romance vai muito além do que esses acessórios dão a entender.
A escritora, que é também bióloga e especialista em História da Ciência, lançou em julho deste ano, em coautoria com Scott Gilbert e com a chancela da Columbia University Press, de Nova Iorque, Fear, Wonder and Science in the New Age of Reproductive Biothecnology, que aguarda tradução portuguesa. Nesta área, recorde-se o impacto que teve O Ovário de Eva, prefaciado por Stephen Jay Gold, originalmente publicado também em inglês e com várias edições em Portugal e no Brasil.
Todos os Caminhos (4 Estações Editora, 300 págs., €16,90) é o primeiro tomo da trilogia A Tirania da Distância, cujos restantes volumes, Meninas Morenas e A Luz de Marte, serão publicados, respetivamente, na primavera e no outono de 2018