Quem tem por hábito dar a volta aos livros antes de os comprar será agarrado logo pela frase que está escrita a encarnado, na contracapa deste: “A Lisboa dos anos 80 é uma cidade onde tudo parece possível”. A frase apetece e, coisa rara, não promete mais do que a realidade – há três décadas, sentia-se que nada era impossível na capital portuguesa.
Essa é, também, a sensação com que fica mesmo quem não tenha vivido os anos 80 em Lisboa e se puser a folhear o novo livro da dupla Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes, já o terceiro de uma série. E se escrevemos folhear é porque as suas páginas prestam-se a serem primeiro vistas e só mais tarde lidas com o gozo da descoberta ou da redescoberta.
Depois de nos levarem até à Lisboa dos anos 60 e dos anos 70, a jornalista e o designer gráfico mostram-nos a cidade que entrou numa época “movida a sonhos”. Logo a abrir, uma colagem com o antigo cinema Monumental como cenário traz-nos Cicciolina abraçada a Natália Correia, António Variações a provar que ainda sabia tratar de cabelos, Lia Gama feita Pepsi Rita, Mário Viegas como Kilas, “o mau da fita”, e ainda García Márquez de visita e Mário Soares sentado ao lado da estátua de Pessoa, no Chiado. Seguem-se dados “instantâneos” recolhidos pelos autores, e ficamos a saber que, em 1980, 18,6% dos portugueses eram analfabetos, 85% votaram nas legislativas, e o salário mínimo estava nos sete mil e 500 escudos.
Só depois chega o índice, uma perdição para quem gosta de histórias – e logo estas que perduraram para lá dos telejornais. Entre dezenas delas, está o caso Dona Branca, a fuga de Faustino Cavaco e a rodagem do Citroën BX que levou um outro Cavaco ao congresso do PSD. Três histórias que parecem de ficção, a temperar com palavras nascidas nos eighties, como yuppie, pós-moderno, walkman, rubik e filofax.
Dona Branca $uper$tar é das mais deliciosas e, mesmo contada em apenas nove pontos, ainda hoje enfia num chinelo o esquema em pirâmide do americano Bernie Madoff. Nunca se vira uma “banqueira do povo” que tratava os clientes por “ó filho” e “ó filha”, usava casaco de peles e se atrevia a telefonar para um programa de televisão para arrematar um quadro por 350 contos. Em outubro de 1984, após vinte anos a pagar juros de 10% ao mês (120% ao ano), Maria Branca dos Santos seria detida pela PJ e começavam as piadas. “Os portugueses têm as finanças em estado catastrófico, mas têm uma avozinha que é um doce”, gozou-se, na altura, no Charlie-Hebdo.
“Só sabendo quem fomos podemos um dia perceber quem somos”, defendem Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes, e faz todo o sentido.
Lx80 – Lisboa entra numa nova época (D. Quixote, 280 págs., €24,90) é já o terceiro livro de uma série de Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes