Jorge Amado quis batizar este seu primeiro romance como Os Homens que Eram Infelizes Sem Saber Por Quê. Escreveu, em 1930: “Os defeitos deste livro são a minha maior honra.” Um arrebatamento que acompanha a sua intenção de fazer, aqui, um retrato de geração, “um grito”, “quase um pedido de socorro”. “Este livro narra a vida de homens céticos que, entretanto, procuram uma finalidade. Tentaram alcançá-la. Uns no amor, outros na religião. O fracasso das tentativas não é prova da sua inutilidade”, defende o autor, já então político, humanista, militante. O país observado nas páginas tem muitos “doentes de insatisfação”, e contrastes fortes – onde é que já vimos isto? Na cidade, “anúncios luminosos ensinavam remédios aos doentes ricos”, automóveis com “gente rica que ia aos teatros” ou à missa na catedral, ignoravam os mendigos, os tuberculosos, a gente que vivia em lugares sem janelas. Não surpreende que O País do Carnaval tenha integrado o lote de livros de Jorge Amado considerados subversivos e queimados em praça pública, em Salvador, em 1937. A polícia do Estado Novo não gostou do retrato deste Brasil triste, melancólico, com um spleen que nem o samba disfarçava. O escritor baiano usa um protagonista dividido para levar a cabo esta ficção, sombria, sociológica, existencialista, um pouco tendenciosa no absolutismo da sua juventude, e distante do apelo solar de romances posteriores como Tieta do Agreste ou Gabriela, Cravo e Canela: Paulo Rigger, filho da elite produtora de cacau, estudante de direito exilado em Paris durante sete anos, regressa ao país natal. Europeizado, despreza as manifestações exuberantes dos compatriotas, não percebe os códigos, os consolos, as festas delirantes. Tenta refundar as raízes junto de um grupo de intelectuais – uns vencidos da vida, afinal. A política, e as questões sociais e raciais cavam-lhe outros buracos: Rigger trouxera com ele uma amante francesa, a prostituta Julie, que, mais tarde, o trairá com Honório, um trabalhador rural negro. Todo um carnaval literário triste, que ainda hoje ressoa.
O País do Carnaval (D. Quixote, 160 págs., €13,90) foi o primeiro, dos 49 livros traduzidos em 80 países, que Jorge Amado (1912-2001) deixou como legado.