Eu, admiradora de Tóssan, me confesso. Devia ter uns dez ou 11 anos quando o ilustrador, ali mesmo à minha frente, começou a rabiscar uma folha de papel, para me oferecer: a agarrar as cordas de um baloiço, uma menina de totós apanhados com laços, vestido curto com uma golinha e, recortados a tesoura, dois buracos no papel para pormos os dedos e a fazermos baloiçar. “Para a amiga Gabriela com muitos beijinhos do Tóssan”, escreveu. Vêm estas sentimentais memórias a propósito de um pequeno livro editado pela Bruaá há pouco mais de um mês. Cinquenta e seis anos depois, volta a estar nas livrarias Cão Pêndio, uma coleção de trocadilhos sobre caninos, escrita e ilustrada por Tóssan, que, na verdade, se chamava António Fernando dos Santos (1918-1991). Este que foi o único livro que publicou – já edições com ilustrações suas terão sido cerca de duas dezenas – faz rir pequenos e grandes leitores a cada uma das páginas e ainda nos puxa pela imaginação.
“Aos amigos cães, responsáveis por esta cão incidência”, escreveu Tóssan na dedicatória, antes de uma “cão versa preliminar”, em rima: “Eu em vez de neblina vejo apenas cães na rua. E um desses disse um palavrão: ão-ão-ão. Ainda bem que os humanos são ignorantes, porque outros cães, que ouviram e perceberam, coraram, ficaram ofendidos e taparam os ouvidos!” Com finos traços retos a preto, sobre a folha branca, o ilustrador (que foi também pintor, gráfico, decorador, caricaturista, cenógrafo, caracterizador…) faz desfilar vários cães, sempre com a legenda correspondente. Do Cão de Guarda, com um osso como arma, ao Cão Clusão, atrás das grades, são quase seis dezenas as espécies caninas dentro deste pequeno livro. Está lá o Cão Serva com o seu rabo enrolado em forma de abre-latas, o Cão Plexo com o seu dorso curvado, o Cão Vento de hábito franciscano, o Cão Beleireiro de pente e escova nas patas, o Cão Positor ao piano, o Cão Delabro, o Cão Deeiro, o Cão Boio, o Cão Pitalista, o Cão Mandante, o Cão Fusão, o Cão Selho de Administração… Numa das páginas, a ilustração dá lugar a uma fotografia de uma salsicha dentro de um pão, a do Cachorro, sim. Outra, Tóssan deixou-a propositadamente em branco: “Aos olhadores que sentirem a falta de algum cão, oferecemos esta página desocupada para que a inquilinem à vontade. O autor já fez o mesmo.”
Muitos cães desenhou Tóssan – os animais eram, aliás, o que mais gostava de desenhar e, muitas vezes, aproveitava-os para retratar os homens, pois claro. Na sua obra, não faltam leões, burros, coelhos, tartarugas, sapos, borboletas, macacos (como os do fantástico O Livrinho dos Macacos, de Leonel Neves). Basta recordar as crónicas Lógica Zoológica, que assinou no semanário humorístico O Bisnau, dirigido por Afonso Praça. E essas também dariam, de certeza, uma bela reedição – palavra de menina que sempre gostou muito de andar de baloiço.
Cão Pêndio > De Tóssan > Bruaá > 72 págs. > €9,50 (10% de desconto em www.bruaa.pt)