Terá sido em 1962, à boleia de um descapotável verde prateado, de estilo norte-americano, que Amália e o marido, César Seabra, então casados de fresco, encontraram este refúgio à sombra das luzes da ribalta. “Já não saio mais daqui”, terá dito ela, deslumbrada, segundo Paulo Pires, programador cultural algarvio e recoletor destas memórias. Para chegar à Herdade Amália no Brejão (Odemira), ainda é a fadista que nos vale: à face da estrada, surge a sinalização em forma de malmequer que ela mandou colocar à entrada do caminho que leva aos portões.
Felipe Gomes gere este aconchego mágico desde 2021 como se tivesse chegado a casa, em todos os sentidos. Fado ou força superior, o entusiasmo deste profissional da hotelaria e da restauração não é para menos: filho de uma prima da fadista, “veste” a missão de “preservar os valores do seu grande amor por estas terras alentejanas e pelo seu povo durante toda a sua vida”. A propriedade da Fundação Amália Rodrigues espreguiça-se por 11 hectares até à falésia sobre o mar, com acesso direto à “Praia da Amália”, quase privativa.
Arrojado projeto do arquiteto Conceição e Silva, a moradia adaptou-se à passagem do tempo, mas a decoração moderna e contemporânea, escancarada ao oceano, manteve ali o seu ninho. A par das fotos, dos discos e adereços associados à carreira da artista, permanecem, entre outras, as originais pinturas de Jacinto Luís e de Marcelino Vespeira (opositor da ditadura e autor do símbolo do MFA após a revolução), esculturas de Jorge Lindinho e Rosa Ramalho, por entre porcelanas Bordallo Pinheiro e artesanato da região. O “santuário” amaliano continua, no essencial, intacto, e há planos para acolher residências artísticas num futuro próximo. “O Alentejo”, dizia Amália, “é um sítio onde uma pessoa vê mais do que aquilo que pode ver”. O Brejão é essa verdade absoluta.
As fotos de Amália na casa no Brejão (cedidas pela Fundação Amália Rodrigues)
Herdade Amália > Brejão, São Teotónio > T. 21 357 0652 > quartos época baixa €115/dia, época alta €150/dia
Brejão obrigatório
A Chaminé
O restaurante da Sílvia e do Marco é outro “santuário” do Brejão, mas onde qualquer pecado leva ao céu. Os mariscos (ai o lingueirão, santo Deus!), o arroz de marisco e a massa de tamboril são especialidades com fama. E se, por acaso, o viajante aparecer combalido com algum resfriado, a Sílvia tem receita infalível, com medronho, para restaurar todas as capacidades. R. da Chaminé, 11 > T. 282 947 203 > ter-dom 12h-15h, 19h-22h
Murais de Amália Rodrigues
São quatro e têm a assinatura de Smile, nome artístico de Ivo Santos. Os murais dedicados a Amália marcam a paisagem da localidade de São Teotónio e constituem uma homenagem, em versão arte pública, à memória da “diva” que ali semeou gratas recordações e parte do seu legado em testamento.