1. Durante o PREC, nas manifestações contra o rumo esquerdista ou autoritário que uma parte dos militares do MFA pretenderia prosseguir, um dos slogans era “Vasco só há um, o Lourenço e mais nenhum” – assim se exprimindo a oposição à chamada linha de Vasco Gonçalves. Retomo-o, parafraseando-o, para sublinhar que 25, como número símbolo do derrube da ditadura e da conquista da liberdade, “só há um”. Como mês e ano em que o povo português tomou em mãos o seu destino são apenas ‒ Abril e 1974.
Claro que isto vem a propósito de, nos 50 anos do 25 de Abril, desde sempre celebrado no Parlamento, pela primeira vez se ter celebrado, no mesmo Parlamento e com uma cerimónia idêntica, os 49 anos do 25 de novembro!… O que não faz nenhum sentido e politicamente só é explicável (embora admita que alguns dos que o aprovaram não o hajam compreendido) visando desvalorizar, diminuir, relativizar, o 25A. Dando palco, ou mesmo principal protagonismo, como previsível, ao Chega, para mais um comício com a defesa, explícita, implícita ou disfarçada, de valores e princípios absolutamente contrários ao 25 de Abril. E, por isso, também ao 25 de novembro.
Porque 25n é uma data meramente tributária ou acessória do 25 de Abril: só foi (muito) importante por permitir manter e desenvolver, sem ameaças ou desvios de extrema-esquerda ou direita, o caminho e os objetivos da libertadora revolução do 25A. Nesta ótica, e só nela, sendo natural, positivo, assinalá-la ‒ mas de outro modo, não o de agora. Como foi feito só serviu para o que acima referi, e, de facto, como se temia, para reabrir querelas e feridas já esquecidas ou saradas.
2. Por isso bem se compreende que a Associação que representa os que fizeram o 25 de Abril, e foram também os “vencedores” do 25n – a começar pelo seu presidente, exatamente o Vasco Lourenço, figura decisiva em todos estes acontecimentos ‒, não se tivesse feito representar naquela cerimónia. E se Ramalho Eanes esteve, compreensivelmente, presente, foi como antigo Presidente da República.
Presidente na sequência e também como consequência de ter sido o chefe operacional do 25 de novembro. Já então houve quem, por isso, o quisesse alcandorar a “chefe”, pelo menos musculado… E quando das eleições presidenciais de 1976, a cuja comissão política pertenci, não faltou quem pretendesse que se apresentasse como o “candidato do 25 de novembro”. Eanes nunca o quis ou aceitou: foi o “candidato do 25 de Abril” (restaurado a 25n).
Aliás, entre as muitas críticas extremamente injustas, até mentirosas, que ao longo do tempo vários políticos, incluindo de primeiro plano, fizeram a Eanes, foi a de ter um plano pessoal para conquistar o poder, exercendo-o de forma menos democrática, ou pelo menos musculada. Alguns próximos até o desejariam e a isso o impeliriam: Eanes sempre o recusou in limine, frontalmente. Agora, que está quase a completar 90 anos (também a 25… de janeiro próximo), impõe-se sublinhá-lo.
3. Voltando ao 25n. Vivi intensamente esse período, como jornalista e cidadão. Olho para a coleção de O Jornal – jornal de jornalistas, fruto e de certa forma “corporização” na imprensa do espírito do 25 de Abril –, e leio em manchetes (que foram famosas) de edições anteriores ao 25n: “Até quando a ‘política da chaimite’?”; “Golpe de esquerda, de direita ou de misericórdia?”; “Vocês sabem mesmo o que é a guerra civil?”.
Estas manchetes dão ideia da situação que se vivia, para mais sendo O Jornal independente, de esquerda democrática, pluralista, tido por próximo dos “Nove”, cujo documento foi por nós publicado. E na edição de 14/20 de novembro eu escrevia, a abrir p. 2, um texto significativamente intitulado “(Re)unir o MFA – Salvar a Revolução”. Enquanto, na de 21/27, a manchete era: “Em exclusivo para O Jornal – Vasco Lourenço e Otelo dizem o que pensam um do outro.”
A substituição de Otelo por Vasco à frente da Região Militar de Lisboa fora muito contestada, até um dos motivos alegados para o desencadeamento do 25n. Consegui essa excelente “caixa” ‒ que tem uma história, com outras histórias pelo meio, que já aqui não cabem. Talvez a elas volte.
Mário Soares, o que faria?
A posição do PS quanto às comemorações do 25 de novembro foi alvo de várias críticas que creio injustificadas. Expressa talvez de forma nem sempre muito clara, é certo, mas a posição correta. Enquanto me parece lamentável a do PSD, viabilizando o que ocorreu nos termos em que ocorreu.
Muitos dos que criticaram o PS, que liderado por Mário Soares foi entre os partidos e na sociedade civil a força mais decisiva para a vitória democrática do 25n, fizeram-no afirmando que aquela posição era quase uma “traição” ao então líder socialista.
Pois penso exatamente o contrário. Conhecendo bem, naturalmente, o seu percurso político, e o que pensava e fez nos últimos anos de vida, a minha convicção é de que a sua atitude seria a mesma da Associação 25 de Abril.
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