“O meu trabalho é contar uma história. Construir uma narrativa olfativa que é suposto ter um final feliz”, diz à VISÃO Se7e Lourenço Lucena, perfumista e único português membro da Sociedade Francesa de Perfumistas. Recebe-nos em Santa Apolónia, no escritório da agência de branding Blug, da qual é CEO, e onde aplica uma linha multissensorial na forma de pensar as marcas. É ali que tem instalado o seu órgão de perfumista, uma mesa de trabalho especial, a fazer lembrar um anfiteatro, onde dispõe os vários frasquinhos com aromas e vai elaborando combinações até chegar a uma fórmula final.
Esta apetência para desenvolver identidades olfativas começou cedo e já o levou a criar perfumes para as noivas de Santo António, com a marca Casa Comigo Lisboa, e, recentemente, a compor o Belcanto Perfume, para o renovado restaurante do chefe José Avillez, no Chiado – além de ter lançado a sua própria Acqua di Portokáli, inspirada nas laranjas do Algarve. O primeiro passo é receber o briefing e conhecer a história da pessoa ou da marca. “Descobrir a essência e pesquisar. Com base nisso, associar um conjunto de aromas.” Este é o segundo passo. “Não há um máximo ou um mínimo. Pode ser um perfume muito simples ou um com quantidades milimétricas de 30 matérias-primas [existem entre seis e sete mil].” De seguida, define numa fórmula a quantidade de cada matéria-prima que vai usar. Daí parte para a junção física, num frasco limpo, inodoro, seguindo a receita escrita, com os necessários acertos para que corresponda à narrativa inicial. “A fórmula final fica duas semanas a macerar no frasco e só então é apresentada ao cliente.” O perfume é depois produzido em Portugal ou em França. Lourenço Lucena fala também de um ressurgimento da indústria perfumista, tanto em marcas mais estabelecidas, como a Claus Porto e a Castelbel, como em projetos pequenos, exemplo de dois perfumes ligados à Comporta.
“Recebi uma herança e em vez de comprar uma casa ou um carro, fiz uma marca de perfumes.” De maneira muitíssimo resumida, este é o início da história da Comporta Perfumes, marca lançada por Pedro Simões Dias, advogado e professor, a 21 de junho de 2017. Colecionador de perfumes de nicho – os que são feitos com matérias-primas mais exclusivas – e frequentador de feiras da área, é fundador do site sotdclub.com (Scent of the day), onde escreve conteúdos sobre perfumes. “Fui entrando na área e até havia perfumistas que me enviavam amostras para avaliar. Algumas pessoas insistiam para fazer uma marca portuguesa e decidi avançar.” A escolha recaiu sobre a Comporta, por uma motivação económica. “Acredito que vai ser uma marca nacional importante nos próximos anos, mas também por uma questão olfativa. O facto de não haver casas na praia faz com que não exista contaminação do ar. As dunas cheiram a dunas, os arrozais a arroz.”
A Comporta Perfumes recria cheiros e memórias da zona, feitos num trabalho conjunto com perfumistas internacionais, que têm honras de aparecer referenciados no rótulo. “Como colecionador, acho fundamental ter o nome do perfumista e o ano de criação.” São oito no total. Existe o Areia Salgada, com notas de bergamota, tomilho e maçã, que recria “um shot de felicidade quando tomo um gin tónico na praia”; o Mosquito, “é como se entrasse numa cama de lençóis egípcios”; ou o Palafítico, “com folhas de chá branco, algo gordo, salgado”; há ainda o Dona Bia, o Muda, o Sela, o Ocaso e o Mosquito Man (a partir de €140, à venda em www.comportaperfumes.com). Os primeiros são eau de parfum, os dois últimos são extrato de perfume (mais especiais). Para festejar os dois anos da marca, lança nesta sexta-feira, 21 de junho, o novo frasco desenhado pela Vista Alegre em exclusivo para a marca.
Também fruto de uma paixão pela Comporta, acaba de ser lançado o novo Alma da Comporta, do francês Pierre Bouissou, especialista em dermatologia e cosmetologia, ex-CEO da Boucheron, que presta uma homenagem à riqueza sensorial do lugar onde construiu a sua casa na praia, há oito anos. Composto apenas com os ingredientes que encontrou na Comporta, é um eau de parfum unissexo, inspirado nos cheiros da brisa marítima, das laranjeiras, da lavanda, dos pinheiros, numa fragrância especial que junta elementos do mar e da terra (€180). É apenas vendido em Portugal nas lojas Jasmim Noir (Lisboa, Porto e Algarve), na Lavanda (Comporta), na Barracuda (Carvalhal) ou no novo hotel Quinta da Comporta Wellness Boutique Resort.
Natureza num frasco
A resposta à pergunta “A que cheira Portugal?” foi o ponto de partida para a criação do Le Parfum da Claus Porto, em 2017, ano em que a marca soprou as 130 velas. Coube à perfumista britânica Lyn Harris empreender uma viagem de norte a sul do País, do Douro vinhateiro às praias do Algarve, para chegar à fórmula final, 100% ligada à Natureza. “A nota predominante é o figo, tem notas de topo de bergamota, limão e laranja, notas de coração de figo verde, melancia e grãos de angélica, e notas de base de cedro, olíbano e absoluto de esteva”, descreve Maria João Nogueira Mendes, diretora de comunicação e relações públicas da Claus Porto. O frasco foi inspirado num outro do espólio da marca, dos anos 30 (de um dentífrico), a fazer lembrar um tinteiro – “a nossa ideia é contar sempre uma história” –, e produziram-se apenas 1 887 unidades (€160), ano do nascimento da Claus.
No ano seguinte, aproveitando a riqueza dessa viagem, Lyn Harris criou cinco águas de Colónia, cujas embalagens exteriores são inspiradas nos materiais dos passaportes antigos. A Vetiver representa um dia nublado sobre as planícies do Alentejo; a Geranium, um jardim exótico no coração de Lisboa; a Fougère é a ligação entre as praias e as florestas de pinheiros; a Clementina tem ligação aos pomares de citrinos do Douro, e a Porto é uma cidade à beira-mar (€85).
Também a Castelbel, empresa fundada no Castêlo da Maia, em 1999, quis entrar no mercado da perfumaria. No final de 2014, através de uma reinterpretação dos perfumes para a casa, lançou as primeiras linhas de eau de toilette, com 10% de concentração de perfume e óleos essenciais. “Têm fragrâncias exclusivas e foram desenvolvidas na Europa pelos perfumistas Mireille Picard e François Robert”, diz Francisca Portela, da equipa de marketing e comunicação da marca. Existem de Jasmim, Rosa, Lavanda, Verbena (uma das mais populares) e Romã. A Portus Cale, uma marca mais moderna e premium da Castelbel, também ganhou a sua linha de eau de toilette, com a Blooming Garden, o Rosé Blush, o Gold & Blue, num frasco inspirado pelos azulejos portugueses, e a Black Edition, para homem (€37).
Antes de as barbas voltarem a estar na moda, já Luís Pereira, a trabalhar em perfumaria há mais de 20 anos, dava o seu contributo, com a criação da Antiga Barbearia de Bairro, em 2010. “A inspiração foi nas barbearias antigas e nos bairros típicos”, conta à VISÃO Se7e. A Ribeira do Porto foi a primeira zona a ser homenageada, com uma linha de sabonetes, cremes e barba, e uma água de Colónia (€33,90), na qual usaram a esteva, a bergamota e as madeiras. “Foi desenvolvida pela perfumista Paula Gomes, que trabalha connosco desde o princípio.” Veio depois o Príncipe Real, no caso uma eau de toilette (€35,90), ligado aos cheiros do jardim lisboeta, com notas de cedro e sândalo, acompanhadas pelo patchouli; e, mais tarde, o eau de parfum Chiado (€39,50), cuja nota principal é a folha de tabaco, combinada com notas de gálbano, manjericão e jasmim. “São mais masculinos, mas também podem ser usados por mulheres.”
Também a cosmética biológica portuguesa já tem algo a dizer nesta área, através de dois perfumes em óleo da marca Unii, a linha própria da Organii. A empresa nasceu há dez anos pelas mãos das irmãs Cátia e Rita Curica, com uma loja no Chiado que pretendia agregar uma série de marcas de cosmética biológica, cresceu para outros espaços e, em 2018, após uma série de testes, lançou a Unii, com produção em Pero Pinheiro, Sintra. Do laboratório, onde Cátia e um engenheiro de produção trocam ideias e receitas, saem sabonetes, champôs sólidos, pastas de dentes e perfumes em óleo (€9,90). “São um bocadinho diferentes. Quisemos ter uma linha com mais óleo e menos água, fundamentalmente por questões ecológicas, e lançámos estes perfumes com aplicação roll-on. São pequenos (10 ml), de fácil transporte e hidratam a pele”, explica Cátia. Primeiro veio o Comfort Winter, com notas de canela, gengibre, pinho e eucalipto; mais tarde, em parceria com a chefe de cozinha natural Joana Limão, o Blooming Summer, mais floral, com geranium e ylang- -ylang, “aromas mais doces”, resume. Pontos de partida para uma linha que, em breve, terá outros aromas.
Criar o próprio perfume
A piscar o olho aos turistas, a primeira loja da Yntenzo abriu ao público em dezembro de 2018, na Rua do Souto, no centro histórico de Braga. Afinal, as origens da marca estão nesta cidade, na Nortempresa, a única fábrica de perfumes portuguesa à escala industrial. “Quisemos arriscar e lançar uma perfumaria de nicho, com ingredientes naturais menos convencionais e a existência de dois Lab Experience, onde cada pessoa poderá criar a sua própria fragrância personalizada”, explica Daniel Vilaça, administrador. Por marcação, há três workshops disponíveis, de uma a três horas, com os mestres perfumistas a fazerem uma apresentação dos ingredientes e a darem uma ajuda na criação das fórmulas, registadas para compras futuras.
Para quem não queira aventurar-se na criação de uma fragrância, existem diferentes gamas de águas de Colónia para mulher e homem (€39,90 a €52) e perfumes premium unissexo (€69,90 a €134), com o selo Yntenzo, dos aromas mais amadeirados aos mais florais. Os vidros lembram os frascos de laboratório, ao passo que as embalagens de cartão remetem para a azulejaria portuguesa. Este mês, foi lançado o Whiskey & Tobacco (€168), um perfume de aromas quentes, em tributo aos Descobrimentos portugueses, guardado numa caixa pintada à mão com a réplica da caravela de Pedro Álvares Cabral. Numa homenagem à perfumaria feita em Braga, a loja tem uma pequena área museológica com fotografias e peças antigas da Confiança, este ano a comemorar 125 anos, além de vender alguns dos seus produtos. Em setembro, está prevista a abertura de um Museu do Perfume, no último piso, onde será reproduzido todo o processo de industrialização, a começar pela destilação das plantas.
O perfumista Lourenço Lucena realça que “os portugueses tiveram uma importância enorme para a perfumaria do século XVIII com aquilo que trouxeram de frutos tropicais e especiarias” e que foi disseminado pelo mundo. Mais: “Chegou a existir uma importante indústria de perfumaria em Portugal, sobretudo nos anos 30 do século XX, mas por ser um país mais fechado ao exterior, foi um hábito que acabou por se perder.” Resta esperar que o nascimento de novas marcas, sobretudo de nicho, e o ressurgimento de outras antigas, dê os seus frutos.
Glossário
Parfum
25% a 30% de concentração de matérias-primas. O resto do frasco é composto por água e álcool
Eau de parfum
15% a 20% de concentração de matérias-primas
Eau de toilette
8% a 12% de concentração de matérias-primas. O mais comum nos perfumes convencionais
Água de colónia
1% a 3% de concentração de matérias-primas. Desaparece facilmente da pele
Volatilidade e tenacidade
Dizem respeito às matérias-primas, cuja composição molecular pode ser mais ou menos densa, conferindo maior ou menor capacidade de permanecer no corpo
Notas de cabeça (ou topo)
Têm maior volatilidade
e fraca tenacidade, ou seja, desaparecem mais facilmente (30 a 45 minutos). Dão frescura e efervescência e são habitualmente notas cítricas, aromáticas, verdes e aquáticas, como a bergamota, o alecrim ou algumas ervas
Notas de coração (ou centro)
Têm volatilidade média e maior tenacidade do que as notas de cabeça. Duram entre duas a três horas, dão personalidade e caráter. São habitualmente notas florais, especiadas e frutadas, como a canela, o jasmim, a rosa, o ylang ylang
Notas de fundo
Têm menor volatilidade e são as notas mais tenazes (perduram cinco a seis horas e têm alguma profundidade). São algumas notas florais, especiadas, frutadas, gulosas, animais ou balsâmicas, como cedro, patchouli ou baunilha

Aromas de sempre: Dois clássicos da perfumaria portuguesa, a que se junta uma novidade
Lavanda
O mítico frasco verde está de parabéns: acaba de chegar aos 90 anos. Com um inconfundível cheiro a alfazema, o produto da Ach. Brito, empresa familiar do Norte e detentora da Claus Porto, foi idealizado para servir de água de Colónia, mas cedo lhe descobriram outras funções: perfumar a roupa de cama, ambientar a casa ou aplicar como after–shave (€33,80). O frasco é desde sempre desenhado pela Vista Alegre Atlantis e chegou a ser oferecido como presente aos passageiros da TAP, durante a década de 70.
Musgo Real
Mais uma insígnia da Claus Porto, com registo feito em 1936. A imagem atual foi trabalhada pelo designer portuense Eduardo Aires, com base na linha original da marca, tal como os aromas usados: respeitaram-se as fórmulas antigas, mas sofreram os ajustes necessários ao século XXI. Entre as quatro Splash Colognes (€65), contam-se a Classic Scent, mais amadeirada, a Orange Amber, com notas de lavanda, limão e almíscar, a Oak Moss, a combinar sálvia com madeira, e a Spiced Citrus, com aroma de especiarias. Em setembro, será lançado um aroma novo, num frasco preto, produzido pela Vista Alegre.
Água de Colónia Couto
À marca Couto os portugueses associam imediatamente a pasta dentífrica. Mas há muito mais para conhecer no catálogo da empresa que chegou aos 100 anos em 2018. A efeméride foi celebrada com a primeira loja no Porto, na Rua de Cedofeita, e com uma linha de produtos na qual se conta a Água de Colónia, a primeira da casa, com notas predominantes de manjericão, mas também de neroli, almíscar branco e cedro. É vendida sem embalagem (€17,90) ou dentro de uma lata metálica, forrada com uma imagem de uma antiga publicidade da célebre pasta de dentes.

Créditos: Sergio Ferreira
Créditos: Sergio Ferreira