Quem julgar que num restaurante de fine dining só se come de garfo e faca, terá que ir jantar ao The Yeatman. A cada ano, o chefe Ricardo Costa tem aprimorado os sabores – cada vez mais portugueses, cheios de memórias e de histórias – , e vem acrescentando mais propostas de finger food, para comer à mão e sem preconceitos. Em Vila Nova de Gaia, com vista para o rio Douro e para a Ribeira do Porto, o restaurante com duas Estrelas Michelin reabriu há dias a temporada (encerra em janeiro e parte de fevereiro) para o ano em que celebra o décimo aniversário. “Uma cozinha genuína que comunique a maturidade do restaurante, a relação com a região, especialmente com o litoral norte”, são as matrizes de Ricardo Costa que, aos 40 anos de idade, assinala também os 20 de carreira.
Nesta viagem à mesa, começamos por levar à boca – com as mãos, pois –, as ostras de Aveiro que acompanham com jalapeños, crocante de tapioca com espinha de sardinha desidratada e um novelo de batata crocante com filete de sardinha, servido com um delicioso sumo verde de erva príncipe, couve e maçã. O pastel de bacalhau com queijo da Serra antecede o caranguejo de casca mole (português, vem de Aveiro onde é usado na pesca à linha) que se molha numa sopa ligeiramente picante e se saboreia em duas dentadas crocantes. O frango piri (coxa de frango confitada que se pincela numa maionese de frango com chili e uma sanduíche de frango assado com a pele bem estaladiça), transporta-nos para os aromas das churrasqueiras tradicionais. Mais português do que isto não haverá.
Por nós, ficaríamos por aqui, mas continuemos a viagem. Ricardo Costa leva-nos a mergulhar no Atlântico através do lírio curado ao sal (apresentado num belíssimo prato com a forma de um peixe azul), que acompanha com spaguetti de pepino marinado com vinagre de arroz e saké, ao qual se acrescentam pérolas geladas de pepino que se desfazem na boca. A frescura do prato limpa o palato para as conservas feitas, ali mesmo, na cozinha (berbigão, mexilhão, barriga de atum, bacalhau, enguia fumada e ovas). Sob o olhar atento de Lucifer, o falcão “contratado” para espantar as gaivotas na varanda deste hotel de cinco estrelas, chega-nos uma tábua com o choco 2020 que se leva à boca com a ajuda de uma pinça (o molusco é cozinhado em forma de lâminas grelhadas, chouriço e tempura).
Continuamos nas águas do litoral com a raia, servida num tacho de barro, com puré e couscous de couve flor acompanhada por molho “pitau”, a evocar uma tradição dos pescadores da Figueira da Foz “que o preparavam com fígados de peixe, como se fosse um escabeche”, conta o chefe que, nesta carta, quis relembrar antigas técnicas de conservação “como o fumeiro e as salmouras”. Até abril, a lampreia é servida à bordalesa com arroz frito para gáudio de alguns comensais na sala. O que não é o nosso caso. Preferimos deliciarmo-nos com o prato de beringela glaceada com molho de borrego e puré de romesco feito à base de tomate e amêndoas. O leitão, iguaria icónica do chefe, cuja técnica tem vindo a apurar (primeiro é cozido, depois vai a assar pincelado ligeiramente com vinagre), leva-nos à Bairrada, acompanhado com uma batata souflé recheada com queijo da ilha.
Esta viagem gastronómica é acompanhada por vinhos de várias regiões, escolhidos por Beatriz Machado, diretora de vinhos do The Yeatman Hotel: Cartuxa Bruto Rosé 2013 (Alentejo), Ilha do Pico Terrantez 2018 (Açores), Quinta do Ameal Loureiro 2005 (Minho), Pape 2012 (Dão), Luís Pato Vinha Pan 2005 (Bairrada) e, claro, um vinho do Porto Taylor’s 30 anos que harmoniza com as sobremesas. Essas, continuam a levar-nos pelo País: ananás dos Açores servido em sorbet com pérolas de coco, uma reinterpretação de ovos moles, que se retiram com uma colher do interior de um ovo de cerâmica, e – uma das maiores surpresas do menu – tripa de chocolate, uma espécie de crepe dobrado, típico de Aveiro, polvilhada com canela. Para comer à mão, pois. Só não vale lamber os dedos.
The Yeatman > R. do Choupelo, Vila Nova de Gaia > T. 22 013 3100 > seg-dom 19h-21h > menu €180, vinhos €90 a €180