Das boas gulodices: 9 Confeitarias com História, no Porto
Nasceram no século passado para adoçar o Porto e continuam a seguir o receituário da pastelaria tradicional. Nove confeitarias com História e muitas histórias para contar
1. Tavi:A sala de estar da Foz, com vista para o Atlântico
No piso de cima, num canto da sala junto à janela aberta para o mar, o escritor Fernando Echevarría rabisca ideias soltas num papel. Nessa manhã, pediu o costume: um café e um copo de água, porque os seus 90 anos já não lhe permitem “abusar de doces”, brinca. As idas à Tavi são “um ritual de há muitos anos”, conta o escritor e poeta, autor de Obra Inacabada, entre outros livros. “Recebem-me como sendo da casa. Os outros cafés são muito barulhentos, gosto deste sossego”, diz. Desde 1935, quando Octávio Teixeira (Tavinho, como era conhecido) ergueu esta confeitaria na Foz – desde 2006, nas mãos da família de José Paiva – que a casa conquista clientes, tanto pelo atendimento quanto pela delicadeza dos bolos que saltam à vista nas vitrinas.
As glórias, os jesuítas, o bolo de arroz, o pudim Abade de Priscos de outrora rivalizam com o coulis de chocolate, a tarte de limão merengada, o queque de ameixa feito com fruta fresca, o quindim, o merengue de chocolate (€2,20), e com o bolo inglês (€25/kg), cuja receita terá vindo do Palácio de Buckingham, em Londres. “É o nosso bolo mais caro, leva frutos secos e cristalizados, especiarias [como cravo-da-Índia e gengibre], conhaque… Tem muita procura, até em agosto tivemos de o fazer”, conta Rui Paiva, que assume a gestão da confeitaria. Outra das mais-valias da Tavi é a esplanada coberta, com vista para o Atlântico, onde se saboreiam uns ovos mexidos ou Benedict ao pequeno-almoço, ou um bacalhau à Brás ao almoço ou, ainda, uns scones acabados de fazer, servidos com compota e manteiga e uma chávena de chá biológico do Cantinho das Aromáticas, ao lanche. R. Senhora da Luz, 363, Porto > T. 22 618 0152 > seg-dom 8h30-20h
2. Padaria Ribeiro: Sortido de bolachas e biscoitos, ao quilo
Nasceu como padaria em 1878, na chamada Praça do Pão (atual Praça Guilherme Gomes Fernandes) – onde, aos sábados, se juntavam as padeiras que vinham de burro desde Valongo –, e por lá se mantém. Entretanto, abriu na Foz do Porto, em Matosinhos e na Maia –, mas é na loja original da Padaria Ribeiro que, além das 30 variedades de pão, se encontra o maior sortido de bolachas e biscoitos, feito diariamente. Fidalgos, pirilampos, línguas de gato, rex, parafusos, araruta, caramujos são os que mais se vendem (€14,25/kg ou €3,95/pacote de 275 gramas), a par dos cacos (€18,40/kg) e de bolachas fininhas e delicadas, que até já chegaram a festivais, como o Primavera Sound e o Serralves em Festa.
Todos os biscoitos continuam a ser feitos “de acordo com as receitas originais”, garante Duarte Cunha, o supervisor da marca que Afonso Vieira e Vítor Brandão adquiriram vai para 30 anos. “Os turistas chegam à loja da Baixa à procura dos almendrados e das clarinhas de chila. Trazem uma foto e tudo”, conta. Há três anos, voltaram a fazer marmelada e compotas. Tradições antigas que convivem bem com receitas de hoje, como o bolo de chocolate sem farinha, a bolacha salgada de sésamo ou de alecrim, e os brownies com chocolate e nozes. Pç. Guilherme Gomes Fernandes, 21, Porto > T. 22 200 5067 > seg-sáb 7h-20h
3. Confeitaria do Bolhão: Bolo-rei todo o ano
Situada em frente ao Mercado do Bolhão (fechado, atualmente, para obras de renovação), adivinha-se-lhe a afluência de gente que outrora ali entrava, antes de ir comprar fruta e legumes. Agustina Bessa-Luís, que frequentava a Confeitaria do Bolhão amiúde, para “comer torradas quentes que pareciam cavacas de Resende”, escreveu, no livro O Princípio da Incerteza: A Alma dos Ricos (vol. II), que “às sete da tarde a sala estava cheia, os cadeirões cor de morango recebiam nos braços as beldades do Porto”. Hoje, o cenário da mais antiga confeitaria da cidade (1896) é bem diferente.
Tanto entram turistas, para fotografar a sala revestida a espelhos debruados a madeira – dos tais cadeirões de que falava Agustina sobraram apenas dois –, como clientes que vão comprar pão (há mais de 50 variedades), um doce, ou mesmo almoçar. Quando, em 1998, o luso-venezuelano José Rodrigues comprou a confeitaria num leilão – reabrindo a casa fechada há mais de dez anos –, desconhecia a sua história. Para que não se perdesse a memória da casa, restaurou o seu interior e recuperou algumas das receitas que constavam do antigo livro da confeitaria, como o bispo, o pão de deus, a regueifa, o bolo-rei (vendido durante todo o ano) e o pão de ló, ao mesmo tempo que introduziu novidades, como as tigelinhas do Bolhão (€1), feitas à base de ovos e amêndoa “a fazer lembrar um doce conventual”, descreve José. R. Formosa, 339, Porto > T. 22 339 5220 > seg-sáb 6h-20h
4. Leitaria da Quinta do Paço: O segredo destes éclaires está no chantilly
Terá sido de uma viagem à Suíça, nos anos 50, que o proprietário da Leitaria da Quinta do Paço, o latifundiário Alexandre Mendonça, trouxe a ideia de fazer éclaires recheados com o chantilly que já ali se vendia, ao peso, em saquinhos de papel encerado. Nascida em 1920 como depósito e venda de leite (mais tarde, distribuído ao domicílio, em garrafas levadas à cabeça), além de manteiga e de iogurte, vendido em frascos de porcelana, a Leitaria via crescer as filas à porta, muito por culpa dos tais éclaires com cobertura de chocolate (conhecidos por Doce do Porto).
Com a gestão do casal José Eduardo e Joana Costa, desde 2012, a Leitaria renascia, devolvendo à cidade o éclair clássico, a par de outras variedades (a partir €1,10): limão, frutos vermelhos, café, chocolate negro, caramelo, maracujá, crocante, além dos sazonais (como o de outono, de maçã e caramelo). As bolas de Berlim, feitas no forno e recheadas com chantilly, também são procuradas, mas nada que se compare aos éclaires de massa choux, que podem ser levados para casa em versão XXL (60 cm) ou em forma de algarismo. Prestes a fazer 100 anos, a Quinta do Paço continua a ir ao encontro das memórias, como prova o regresso dos iogurtes, da manteiga (dos Açores) e do chantilly (250 gramas/€3,50). Pç. Guilherme Gomes Fernandes, 47, Porto > T. 22 208 4696 > seg-qui 9h-20h, sex-dom 9h-21h > Matosinhos, Lisboa, Oeiras, Almada e, em breve, Braga
5. Petúlia: O salão de chá que soube reinventar-se
Viviam-se os tempos da ditadura, quando, em 1972, Ilídio Pinto e a mulher, Amélia, abriram a Petúlia, na Rua Júlio Dinis, na zona da Boavista. Durante décadas, a confeitaria e salão de chá ganhou a fama (e o proveito) de ser uma das mais chiques da cidade, onde se sentavam empresários, políticos e figuras do desporto, em tertúlias ou reuniões. Desses tempos, continua a ser o receituário dos doces que conquista gerações: “As crianças que vinham com os pais trazem agora os filhos”, conta Jorge Pinto que, com o irmão, Eurico, gere o negócio do pai.
Na Petúlia, o bolo-rei (€17/kg) é feito todos os dias, assim como o pão de ló, as tíbias, os húngaros, os jesuítas e, entre as criações mais recentes, os duchesses de chantilly com fios de ovos (€1,30), a tarte de morango e a tarte da casa, de massa folhada, com chantilly e morangos, que faz um brilharete em qualquer mesa. A redução de açúcar e de gorduras hidrogenadas tem sido uma das preocupações. “Não queremos perder o comboio da inovação, mantendo sempre o que é tradicional”, salienta Jorge Pinto. R. de Júlio Dinis, 775, Porto > T. 22 606 6181 > seg-dom 8h-23h
E AINDA
6. Confeitaria Serrana Desde 1943 que a confeitaria, conhecida pelas bolas de Berlim (€1,20), ocupa um edifício com uma belíssima tela de Acácio Lino no teto e arquitetura de Francisco Oliveira Ferreira, discípulo do arquiteto Marques da Silva. Distinguida como Loja de Tradição e citada por jornais estrangeiros, como The New York Times, está a braços com um processo judicial devido à venda do imóvel. R. do Loureiro, 52, Porto > T. 22 200 1110 > seg-sex 8h-19h
7. Confeitaria Doce Mar Os croissants quentinhos (€0,95) são uma tradição da casa há mais de 60 anos. Saem do forno duas vezes por dia: às 8h da manhã e a partir das 16 horas. Av. do Brasil, 519, Porto > T. 22 618 4522 > seg-dom 8h-20h
8. Confeitaria Aliança Terá nascido há quase 90 anos esta casa, onde se vendem húngaros, almendrados, pães de deus, broas de mel, bolo-rei e pão de ló como antigamente. R. de Cedofeita, 87, Porto > T. 22 200 22 92 > seg-sáb 7h-20h
9. Ateneia No antigo salão de chá da alta burguesia (inaugurado em 1937), provam-se almendrados, bolos de gema e fatias de Resende. Pç. da Liberdade, 57, Porto > T. 22 200 6691 > seg-dom 8h-20h