É meio-dia e, na cozinha da Fábrica de Braço de Prata, na zona oriental de Lisboa, está tudo bem-disposto. Conversa-se, contam-se piadas, descascam-se batatas, cortam-se tiras de cenoura e, claro, cozinha-se. O húmus com amendoim (bem) posto em tacinhas, as batatas prestes a fritar e, ao lume, em panelas de alumínio, aqueles que serão os pratos principais.
A ementa do almoço é eritreia e os cozinheiros também: Awet, 35 anos, ex-condutor de pesados, Tecklesenbet, 37, professor de Inglês, e Mohamed, 30, antigo empregado de mesa e operador fabril. Ricardo Marques, que assegura o dia a dia do restaurante da Fábrica, faz apenas de cicerone. O chefe Nuno Bergonse só assegura que os trabalhos seguem a bom ritmo. Ou como ele próprio faz questão de dizer: “Não ponho a mão na panela, só ponho um travão no sal e na pimenta.”
Os almoços de sábado do restaurante Fábrica de Braço de Prata, assim como os últimos domingos do mês da Casa Independente, no Largo do Intendente, estão por conta do Marhaba. Se a descrição com que se iniciou este texto tivesse prosseguido, já se teria explicado: nos aventais dos cozinheiros eritreus está escrito marhaba, em árabe tem o significado do nosso “sejam bem-vindos” e é o nome do projeto criado por refugiados da Síria, Eritreia e Palestina, que aqui tentam reiniciar a vida, com a ajuda da associação Crescer e da Câmara Municipal de Lisboa.
Chega de conversa, uma da tarde, hora de começar “o serviço”. Nuno Bergonse está mais ou menos aos comandos, recolhe os pedidos da sala, há um cliente que não come glúten, vai recomendando “small portions”, pequenas porções para quem a ideia de uma boa refeição é sinónimo de prato e barriga cheios. O prato principal, na verdade, é uma degustação: dorho (à base de galinha), alicha (cenoura, batata e couve, sem carne), tibsi (carne de vaca) e ades (lentilhas). E vai à mesa por cima de uma folha de engera, um pão fininho sobre o qual os eritreus põem tudo e mais alguma coisa.
Ao final do dia, depois do trabalho, refugiados e voluntários hão de juntar-se num arraial lisboeta, à volta de uma sardinha assada servida no pão. Afinal, é à mesa que meio mundo se reúne. E de como esta última frase, de repente, vem tudo a propósito do Marhaba.
Marhaba > Fábrica de Braço de Prata > R. da Fábrica de Material de Guerra, 1, Lisboa > T. 96 551 8068 > €15 (menu de almoço constituído por entrada, prato principal, sobremesa e bebida) > Casa Independente > Lg. do Intendente, 45, Lisboa > T. 21 887 2842 > €15 (brunch)