Há um ano, ninguém diria que a professora primária Filipa Motta Veiga, 28 anos, ia passar um fim de semana inteiro atrás de uma banca, a vender laçarotes, no Mercado Criativo, num espaço que antes pertencia ao Bingo das Amoreiras, em Lisboa. Muito menos que teria de repartir-se em três para conseguir estar em todos os mercados a que decidiu ir mostrar, nestes dias, a sua mercadoria. A safra rendeu-lhe 70 laçarotes, a preços que rondam os 7 euros.
Depois de, no Natal passado, ter oferecido uns exemplares feitos à mão a amigas e família, experimentou uma feira, no colégio São Tomás, também em Lisboa. Correu tão bem que sentiu necessidade de criar uma marca e uma página no Facebook. Assim nasceu a Lemon Hair Lovers, com o pressuposto de que “uma menina sem um laço não é uma menina”. Filipa trabalha todo o dia num escritório, no rés do chão da sua casa. É lá que trata das questões burocráticas e dá algumas laçadas. Depois, à noite, e com a ajuda da filha Matilde, 8 anos, faz os acabamentos. “Isto é artesanato puro”, diz, enquanto queima as pontas da fita com um isqueiro de fogão.
Apesar de as feiras serem o único espaço físico com que conta para vender, não vai a todas, pois há que saber adequar a marca ao evento. No caso da Lemon, os melhores são os que se dirigem a crianças, como o Lisbon Kids Market, que aconteceu em março.
Pagar para vender
Se o público varia de feira para feira, o mesmo acontece com o preço a pagar para ali se poder vender. Os valores oscilam entre 10 e 400 euros, consoante a dimensão e popularidade do mercado. Alugar um espaço na edição de Natal do Campo Pequeno valia mais de 400 euros – durante os cinco dias que durou, passaram por lá 25 mil pessoas. O CCB, por enquanto, cobra 30 euros por cada mercado mensal. Mas o Urban Market, que também acontece uma vez por mês, em Linda-a-Velha, pede apenas 10 euros.
Luís Sousa e Susana Cavaco organizam este último encontro de talentos desde abril, com o apoio da Junta de Freguesia. Aceitam inscrições até 60 feirantes, mas o número de interessados tem sido cada vez maior. “Custa muito deixar alguns de fora”, diz Susana.
Na véspera da feira, que já vai na oitava edição, têm de marcar no chão os sítios das bancas e decidir onde ficam os artesãos, em cada uma das três salas. Para levar mais gente a passar por ali, desenvolvem outro tipo de atividades, como concertos, workshops ou teatro.
As presenças são assíduas, com 40% de residentes – as Tradições do Campo, por exemplo, que, no último sábado, ali estavam, com os seus enchidos, queijos e azeites. Mas num fim de semana de vésperas de Natal, há que ter quase tantos tentáculos como um polvo, ou não seria possível fazer cinco feiras em três dias.
Comida genuína
Esta empresa, que representa pequenos produtores, começou o seu périplo na quinta-feira, ao final do dia, a montar o estaminé na Cordoaria Nacional para a Mostra Nacional, uma enorme feira, patrocinada pelo Ministério da Economia. E terminou na noite de domingo, depois de ter desmontado todo o equipamento no CCB, em Oeiras e em Colares.
Só nessa altura o casal Rita e Luís Ribeiro de Sousa voltou à sua outra vida. Ela é assessora de direção e ele trabalha num banco. Há três anos começaram a trazer produtos regionais de Castelo Novo, uma aldeia histórica da serra da Gardunha, ajudando os produtores que ainda fabricam de forma ancestral. A ideia foi sempre vender os artigos em mercados com público urbano, menos habituado a comida genuína. Mas nunca pensaram que deixassem de ter fins de semana – em 2013 estiveram em 92 feiras.
Se compensa? “Bastante, nem que seja pela gratificação que se vê nas pessoas”, diz Luís. Mas não será apenas isso: ele fala também em sete ou oito mil euros de faturação, numa edição conceituada, como a do Campo Pequeno. A este valor há que retirar os custos dos produtos e do pessoal (hoje já têm duas empregadas e quatro avençados só para as ocasiões especiais). Chegaram à Cordoaria com cerca de 50 queijos, “que é o que sai melhor”. Isso, as sandes e os copos de vinho. Desta vez, trouxeram com eles duas irmãs de Estremoz: uma estreia-se agora nos patés e outra já tem alguma história nos chutneys.
Vidas itinerantes
Ficaram lado a lado no Campo Pequeno e fizeram logo ali uma parceria para dividir os custos de estar na Cordoaria. “Há muita interação entre os feirantes. Existe um esforço de caminharmos todos no mesmo sentido e trocamos muita informação acerca dos sítios mais adequados para vender”, conta Maria João Cortés, 36 anos.
As feiras também servem para alavancar negócios, através dos contactos que naturalmente acontecem. Por entre as pessoas que circulam por estes sítios, há sempre quem tenha lojas ou restaurantes e ande à procura de novas ideias e parceiros.
“Nestes dias, percebo logo quando um cliente gostou dos meus produtos”, nota Maria João, que confeciona iguarias como chutney de cogumelos ou preparados de açorda de poejos e coentros, vendidos em caixas. “Faço tudo, menos o vidro dos frascos, por isso demoro 15 a 20 dias a preparar-me.”
A Tasca do Ti Chico, uma ideia do ex-apresentador de TV Francisco Mendes, 40 anos, que nasceu com base na itinerância, não demora quase nada a montar. Os eletrodomésticos estão guardados numa garagem e são transportados sempre que se deslocam para uma feira. Mas como cozinham os produtos de quem vende ao seu lado, só têm de se aviar de legumes. Até dia 23, estarão no Figueira Marca-te, organizado, todos os meses, pela Associação de Dinamização da Baixa Pombalina, só com produtos portugueses, debaixo de uma grande tenda branca instalada numa das principais praças de Lisboa.
Francisco Mendes juntou-se, há pouco mais de um ano, a Samuel Ramos e Sónia Pinto para levar esta ideia avante. Além de estarem sempre nesta feira, já andaram um pouco por todo o País. De boina, camisa aos quadrados e suspensórios, os três sócios interiorizam o personagem do taberneiro. Conhecem os clientes habituais pelo nome, fazem as contas com lápis e papel, acendem o fogão com fósforos e consultam o Borda d’Água. Na tasca, servem muito bacalhau à Brás, pataniscas, moelas e pratos de fumeiro. Agora, idealizam eles próprios a organização de uma feira com os produtores com quem normalmente têm parcerias.
Que friiiio!
Até abril, para andar em itinerância era preciso tirar o cartão de feirante, fazendo o pedido à Direção-Geral das Atividades Económicas. Pagava-se 15 euros anuais e podia-se ir a qualquer feira. Mas, os novos feirantes nem sempre tratavam do assunto, talvez porque, na realidade, não se levassem muito a sério… A fiscalização também não parece dirigir-se a este tipo de mercado urbano, com artesãos pouco experientes. Neste momento, a legislação é mais facilitadora: rebatizou o cartão de feirante, designando-o título de exercício de atividade, e podendo este ser obtido na internet, sem custos ou prazo de validade.
No ateliê de Solenn Alazet, 34 anos, o iPad debita uma música de Bon Iver, enquanto o sol outonal entra pela janela daquele 13.º andar, em São João do Estoril. É ali que esta francesa, radicada em Portugal, passa os dias a costurar saias com padrões originais que dão para usar dos dois lados. O dedal, a tesoura, a fita métrica, a máquina de costura e os restos de tecido pelo chão significam que tudo é feito ali, saia a saia.
Solenn veio passar um ano sabático a Portugal e nunca mais de cá saiu. Foi tradutora e, depois, trabalhou em multinacionais. Por duas vezes bateu com a porta. E, há um ano e meio, decidiu mesmo mudar de vida. Abriu um site com os seus modelos e, de repente, havia feiras por todo o lado.
“Já experimentei várias, mas vendo sempre uma média de três saias por dia”, lembra, dizendo que cada exemplar custa 35 euros. Nesta altura do ano, também tem grinaldas de Natal, feitas com papel. Já esteve no Lx Market, na Casa da Guia, no Mercado de Fusão, no Martim Moniz, em Almada, no Sacramento… A informação vai passando de boca em boca, numa constante troca de informação entre colegas de luta.
Solenn desloca-se sozinha, com um charriot carregado de saias e um espelho. “É nestes mercados que vendo, embora cada vez haja mais feirantes e vendedores de coisas em segunda-mão. Mas montar a banca, estar o dia todo no exterior, com frio, sempre a tentar fazer negócio sem que aconteça muita coisa, torna-se cansativo.”
Insegurança que compensa
Desde há um ano que Susana e João Alves também trabalham em casa, perto do Magoito, numa rua de terra batida e rodeados de sossego. Enquanto os dois filhos estão na escola, o casal dedica-se a restaurar móveis. Sempre o fizeram para consumo próprio, mas o táxi que ele conduzia em Lisboa e a gerência de cinco lojas de telemóveis, não lhe deixavam muito tempo livre para este hóbi. Apesar de a casa estar cheia de móveis, não conseguiam desfazer-se deles.
Até que, um dia, Susana pôs uma arca à venda, na internet, por 180 euros, e num ápice apareceu comprador. Em menos de um instante tinham um nome, Reciclarte, um site e uma página no Facebook. Para as suas peças, não compram nada – são feitas com velharias deixadas lá em casa ou descobertas nas ruas. Estrearam-se no Coolares Market, uma hippie-chique garage sale, que decorre mensalmente numa quinta centenária, perto de Sintra. E, depois, entraram no circuito CCB. Só frequentam estas duas feiras, que lhes ocupam dois fins de semana por mês.
Já houve dias em que venderam quase tudo, outros em que só despacharam uma peça. “Perdemos a segurança dos empregos, mas tudo o resto compensa. Chega-nos para viver, mas também não precisamos de muito”, afirmam, em sintonia com os outros novos feirantes.
ROTEIRO
De volta aos mercados
LISBOA
Natal do Cais do Sodré ao Príncipe Real Jardim do Príncipe Real Dias 19 a 21, das 11 às 18h
Mostra de Artesanato de Campo de Ourique Jardim da Parada Dia 21, das 10 às 18h
Coolares Market Quinta de Cima do Pé da Serra, Colares Dias 21 e 22, das 11 às 19h
Lx Market Lx Factory Dia 22, das 11 às 18h
Figueira Marca-te Praça da Figueira Dias 18 a 23, das 10 às 21h (domingo até às 20h)
Crafts & Design Jardim da Estrela Dias 21 e 22, das 10 às 18h
PORTO
Urban Market Hotel Carris Porto Ribeira Dia 21, das 11 às 21h
Mercadinho dos Clérigos Rua Cândido dos Reis Dia 28, das 10 às 20h
Mercado Porto Belo (edição especial de Natal) Praça Carlos Alberto Até dia 24, das 11 às 19h
Cedofeita Viva Ruas de Cedofeita e Miguel Bombarda Dias 21 e 22, das 11 às 23h
Pink Market Hard Club, Porto Dias 21 e 22, das 12 às 20h
Artesanatus Pç. D. João I Até dia 23, das 11 às 20h (sexta e sábado até às 23h)