Viagem no tempo
Carrega uma história deliciosamente preservada. Uma visita à confeção do pão-de-ló de Margaride faz parte dos roteiros turísticos da região. A produção remonta a 1730 e está sediada, desde 1900, num edifício nobre de Felgueiras, próximo da câmara municipal. Sobe-se ao primeiro andar por escadas ricamente adornadas, com vasos de porcelana chinesa e móveis trabalhados. Tudo nos remete para o passado. Não só a decoração, mas a própria fabricação manteve-se inalterada.
As antigas masseiras de madeira batem a massa, agora mecanicamente, depois de uma alteração para poupar as mãos das trabalhadoras.
De seguida, enchem-se as formas de barro. O forno é aquecido com um maçarico a gasóleo até atingir os 280 graus, temperatura depois mantida a lenha durante os 45 minutos da cozedura. Noutro ponto da sala, é habitual ver-se funcionárias, sentadas à volta de uma tina de cobre aquecida, contendo açúcar em ponto. Com os dedos, cobertos por uma pasta, espalham-no ainda quente nos bolos de gema, outra especialidade da casa.
“O processo de produção do pão-de-ló banalizou-se. Temos de nos dar a conhecer, porque isso é o que nos torna diferentes “, diz Guilherme Lickfold, 35 anos. Ali cresceu, mesmo ao lado, ouvindo do quarto os fornos a trabalhar. Volta e meia saltava da cama, às seis da manhã, para ir buscar o pão-de-ló quentinho.
Enquanto cursava Gestão de Em- presas, não se imaginava a tomar as rédeas deste negócio familiar.
A sala de fabrico, com a luz coada que sai dos tetos altos e os azulejos vermelhos que cobrem os fornos, mais se assemelha a uma capela. Guilherme Lickfold sabe que tem uma preciosidade entre mãos, numa altura em que os produtos tradicionais portugueses e o regresso às raízes são cada vez mais valorizados. E exibe pergaminhos, como o facto de serem, desde 1888, fornecedores da Casa Real Portuguesa.
Pão-de-ló de Margaride Pç. da República, 304 Felgueiras T. 255 312 121 Seg-Dom 9h-12h, 14h-19h
A pingar açúcar
Para se chegar à massa húmida do pão-de-ló de Arouca são precisas seis horas de trabalho minucioso. Levado ao lume em grandes formas retangulares, depois de cozido é cortado às fatias, que se mergulham numa calda de açúcar. Quando as fatias são embrulhadas, individualmente, em papel de celofane com a imagem do Mosteiro de Arouca, todo o miolo tem de estar a pingar.
Por esta altura do ano, o ritmo é diabólico.
Páscoa e Natal são as épocas altas e há que manter os fornos a lenha sempre acesos. Aos comandos das operações estão Pedro Tomé e Fátima Teixeira Pinto, herdeiros de um negócio que remonta a 1840. Esta é a quarta geração guardiã da receita familiar. Não são permitidos intrusos na confeção. “Mantém-se o segredo, senão já havia meia dúzia de casas iguais”, conta Pedro Tomé, 59 anos, que abandonou a profissão de professor, há décadas, para se dedicar inteiramente aos doces. “Aterrei aqui e herdei uma carga de trabalhos. É uma prisão, não há férias e fins de semana. Mas também há muito prazer”, diz, sempre com bom humor.
Permanecem no estabelecimento original, a um quilómetro do centro de Arouca, e ganharam fama por todo o País. Hoje, o pão de ló é vendido, não só aqui, mas também no El Corte Inglés. Outros produtos, entretanto, conquistaram o estômago dos clientes, como os melindres, as cavacas, as pedras parideiras e os doces conventuais conhecidos na região, desde as castanhas de ovos às barriguinhas de S. Bernardo.
Casa do Pão-de-ló Lugar de Burgo, Arouca T. 256 944 246 Seg-Dom 8h-20h
De comer à colher
A cada pergunta, a resposta de Luiz Duarte de Oliveira Dias é, invariavelmente, “isso está tudo no livro”.
À súmula histórica do pão-de-ló São Luiz de Ovar, publicada em edição de autor, não faltam registos comerciais antigos, fotografias, entrevistas e artigos saídos na imprensa que ajudam a contextualizar o aparecimento e a fama conquistada dentro e fora de portas. Um verdadeiro “tratado” do doce regional, resumido num folheto que acompanha cada caixinha vendida. “Não há ninguém dentro da gastronomia que tenha um livro como o meu.”
Muito tem para contar. Com 78 anos, é o mais antigo fabricante de pão-de-ló no nosso país, recentemente entronizado pela confraria respetiva. “Nasci nisto, vivo nisto”, diz, acompanhado pela mulher, Rosa, há quase 50 anos. Imagina que não terá descendentes no negócio. “A minha filha recorda-se do trabalho árduo.”
Os fornos já não são alimentados a pinhas, apanhadas durante a madrugada, e a massa já não é batida à mão, mas o casal continua a marcar presença, todos os dias, às 7 e 30 da manhã e a comandar a confeção. “Há uma fase sigilosa na forma como tratamos o pão-de-ló dentro do forno, com um timing muito preciso. Se não tivermos estes cuidados artesanais, não fica tão aberto e húmido.” A documentação mais antiga a atestar a confeção do doce remonta a 1781. Alguns membros dos seus antepassados, da família Arrota, depositária da receita de origem conventual, exerciam a atividade de fragateiros no Tejo e, partir das oferendas a clientes nas épocas festivas, acabaram por divulgar e expandir as vendas deste pão-de-ló.
A sua massa leve e fofa, a escorrer ovos, acondicionada em papel de linho branco, conquistou muitos admiradores. Não por obra do acaso. “É muito sensível, obriga a uma experiência muito grande.” Numa parede da casinha vareira típica, com muitos azulejos, lê-se a inscrição: “A qualidade nunca é ocasional, é uma constante persistência de convicções por objetivos.” “É um pensamento meu”, conta Luiz Duarte. “Acha que está bem?”
Pão-de-ló de Ovar – Casa São Luiz R. Dr. José Falcão, 48, Ovar T. 256 572 656 Seg-Dom 9h-12h30, 14h30-19h
Festival do pão-de-ló
Na terceira edição participam três dezenas de fabricantes de doçarias, de todo o País e da Galiza. No ano passado foram mais de 10 mil os visitantes. A animar o festival haverá ateliers para os miúdos fazerem a vez de pasteleiros, concertos e conversas à volta dos doces. O Mosteiro do Pombeiro, incluído na Rota do Românico, também terá visitas guiadas.
Mostra anual de pão-de-ló e doces tradicionais
Mosteiro do Pombeiro, Pombeiro de Rivazela, Felgueiras 31 Mar-1 Abr, Sáb 10h30-13h, Dom 10h-20h