I gotta felling, that tonight’s gonna be a good, good night…. O sucesso dos americanos Black Eyed Peas ecoa de um rádio na cozinha do restaurante Buhle, como que a mensagem pudesse servir de premonição ao que muitos gostariam que acontecesse esta noite de quinta-feira, 14, em Londres, na Wilkinson Gallery, quando forem divulgados os premiados dos Design Awards 2010 atribuídos pela revista Wallpaper. É que o restaurante do Porto, reaberto há um ano depois uma arrojada renovação, é um dos cinco nomeados na categoria Best New Restaurant, que premeia novos projectos em todo o mundo, tendo sido, mesmo, o único seleccionado da Europa. O júri inclui uma lista de nomes fortes de diferentes áreas: James Murdoch (Media), John Galliano (Moda), Pedro Almodóvar (Cinema), Steven Holl (Arquitectura), Carsten Höller (Arte) e Kelly Wearstler (Design de Interiores).
A disputa será feroz. Na lista estão espaços do Brasil, Argentina, Estados Unidos e Coreia do Sul. Mas não há nada que demova os responsáveis, e os cerca de 30 trabalhadores do Buhle, de acreditarem na possibilidade de vitória. O convite para a gala de atribuição dos prémios chegou ao Porto apenas na semana passada o que, para Pedro Sá Pereira, CEO do grupo Five Dons, que gere o restaurante (e de onde fazem parte Vítor Baía, Tiago Monteiro, Henrique Dias e Pedro Emanuel), “possa ser um bom presságio”. “As visitas da Wallpaper começaram na Primavera”, recorda Pedro. “A primeira vez, vieram numa sexta-feira à noite e voltaram na semana seguinte para fazer um trabalho fotográfico. Outros fotógrafos regressaram durante o ano mas nunca soubemos porquê. Em Novembro recebi um e-mail e fiquei atónito. Na altura o Buhle fazia um ano, foi a melhor prenda de aniversário”, conta, eufórico. E quem são, afinal, os protagonistas deste restaurante, um dos mais carismáticos do Porto com vista para o mar? Como se desenrola o dia-a-dia do Buhle, nomeado então um dos melhores novos restaurantes do mundo por uma das revistas mais prestigiadas na área do design e arquitectura?
O DIA-A-DIA
A primeira a chegar, a partir das 8 e meia, é a empregada de limpeza, Ângela, e por lá fica durante a toda a manhã. “Normalmente não encontro isto muito sujo… Na noite de passagem de ano é que estava pior…” Na cozinha, quem chega primeiro passa a manhã a preparar as mise en place, ou seja, as bases que facilitam a preparação das refeições – como descascar cenouras, batatas, cortar legumes, preparar carnes… “A brigada toda, desde a copa à pastelaria, entra entre as 11 e as 12 horas”, conta-nos um dos cozinheiros. “Hoje vamos ter cá o ministro dos Transportes, António Mendonça, ao almoço”, avisa Pedro Sá Pereira. E isso muda alguma coisa no habitual funcionamento do restaurante? “Não”, garante. “Recebemos personalidades quase todos os dias. Até José Sócrates já cá veio. Rui Rio é que não”, diz-nos, em jeito de lamento. Até ao final do ano, a cozinha foi da responsabilidade de Rodrigo Garrett, que acaba de sair para trabalhar no estrangeiro. Em breve, deverá ser anunciado o novo chefe de cozinha, que dará continuidade à gastronomia atlântica e asiática.
Ana Lúcia, 31 anos, directora do restaurante e braço-direito de Pedro Sá Pereira, ainda se recorda da dificuldade em encontrar no mercado alguns ingredientes da cozinha asiática, caso do yusu (um sumo de limão japonês) e do bacalhau negro. Ana é o que se costuma chamar “pau para toda a colher” e é vê-la na cozinha a coordenar a saída dos pratos para a sala – ouve-se ordenar “zona privada, pode sair”, “primeiro as entradas para as senhoras” – ou na parte mais administrativa. Em conjunto com Rodrigo Garrett, foi, ainda, responsável pela carta. Além de pratos tão elaborados como camarão em tempura, mongolian beef, shitake, cebola roxa, bok choi e óleo de sésamo, bacalhau negro com puré de daikon, edamame e cogumelos, atum braseado, puré couve-flor, yusu e nage cogumelos, o menu conta com memórias do velhinho Bule como o arroz de pato ou o pato assado com laranja (ao domingo). Para Ana, a nomeação da revista londrina “já é um prémio”. “Saio daqui quase sempre às duas da manhã, é um reconhecimento fantástico.” “Quando soubemos da notícia, demorámos uma semana a interiorizar a ‘coisa'”, confessa.
A IMPORTÂNCIA DO DETALHE
Enquanto na cozinha se preparam para a azáfama da hora de almoço, na sala, os empregados, envergando fardas Peter Murray, confirmam os pormenores. Susana Torres, 26 anos, chefe de sala, verifica se copos, talheres, pratos e guardanapos estão bem colocados nas mesas e se as cadeiras estão correctamente posicionadas. “É importante abrir a casa impecável, ter em atenção todos os pormenores – desde as cortinas, às velas, ao ambientador.” À volta dos vinhos anda o escanção Sérgio Pereira, 26 anos, que aqui está apenas há cinco meses, mas cujo desempenho já garantiu ao restaurante o 2.º Prémio da Melhor Carta de Vinhos 2009 atribuído pela Revista de Vinhos. Sérgio gere uma garrafeira com vinhos de diferentes categorias que podem ir dos €9 aos €1 600. Está atento a novos lançamentos, contacta com fornecedores, visita as melhores feiras internacionais do sector de Itália a Espanha. “O vinho vem antes da escolha que faço da garrafa. Há clientes que já não vêem a lista e aceitam logo o que recomendo para aquele dia. Tenho de fazer sentir o cliente seguro.”
Mais à frente, no Mixology Bar, Mário Quirino prepara os sumos de fruta para os cocktails que hão–de sair ao longo do dia. Em cima do invulgar balcão decorado por milhares de ripas de madeira – da autoria de Paulo Lobo, um dos protagonistas deste espaço, como veremos mais à frente – estão dispostos coadores, espremedores, raspadores… essenciais para preparar os mojitos e os demais cocktails. O bar está situado à entrada do restaurante. É a primeira imagem, o cartão-de-visita. O Mixology inclui, também, uma vasta lista de chás e infusões e, a partir de Fevereiro, será também bar de tapas. “Uma refeição divertida e diversificada” é o que Pedro Sá Pereira defende para esta nova área. “Hoje, as pessoas não procuram um restaurante só pela comida.” O responsável quer que o Buhle faça a diferença através de pormenores. Como as garrafeiras personalizadas. O cliente “aluga” um dos cubos da prateleira e vai bebendo das garrafas que seleccionou previamente. Outra mais-valia é o serviço de vallet park, levado a cabo por Euclides Correia, que fica responsável por estacionar os carros dos clientes na zona.
“Oferecer um conceito cosmopolita à cidade” são as linhas do restaurante. Daí que, além das tapas, também o sushi passe a ter um menu próprio já este mês. Sílvio Santos será o sushiman de serviço. Convida-nos para o acompanhar a Matosinhos onde vai comprar peixe. Não abre mão de “peixe fresco, normalmente robalo, atum, salmão, carapau ou linguado. Preocupo-me com a cor dos olhos – estes têm de estar brilhantes”, conta, enquanto carrega no lombo do peixe para confirmar a textura.
Regressamos ao Buhle. À sexta-feira é dia da manutenção dos jardins e do lago, porque nem a parte exterior da casa pode ser descurada. “Os jardins junto ao mar dão imenso trabalho. Mas a avaliar como se encontram, até as plantas são felizes aqui”, sorri Luís Miguel Carreira, responsável pelo projecto do jardim. Também ele se sentiu “nomeado” pela Wallpaper. Ele que protegeu com unhas e dentes as antigas memaleucas que lá se encontravam e são já uma imagem de marca do restaurante.
OS MENTORES
A ideia de reconverter o velhinho Bule andou na cabeça de Pedro Sá Pereira durante mais de cinco anos. Até porque o velho espaço era o lugar eleito para individualidades da política ao futebol se sentarem à mesa. “Viajo muito e observo o que se faz lá fora. Faltava um espaço como este na cidade.” A dupla Miguel Ribeiro de Sousa/Alexandre Teixeira da Silva foi responsável pela arquitectura e reconversão. “Era uma casa antiga, desqualificada. O ponto de partida foi fazer algo completamente novo, um espaço de referência a nível de arquitectura e design”, conta Ribeiro de Sousa. O resultado foi uma estrutura modular, construída sob os elementos madeira, fogo e água. “A madeira e o vidro foram os materiais-base. O vidro permite uma leitura cruzada entre os vários ambientes e o mar”, clarifica o arquitecto, visivelmente orgulhoso com a nomeação da Wallpaper. Paulo Lobo é outro premiado nesta nomeação e não é a primeira vez que o conhecido designer de interiores vê o seu nome na revista londrina. Já em 2001 apareceu citado pelo projecto do restaurante Oriental e, em 2003, pelo Sensorial. Com modéstia, considera que esta nomeação “tem um sabor especial. Mas há que fazer mais.” Confessa não gostar de reagir de forma entusiástica a estas coisas. “Já reagi de uma forma muito eufórica, há dez anos, quando veio cá um senhor que agora é meu amigo, o Enrico Baleri [director da Baleri Itália] e achou o meu trabalho fantástico. Para mim ele é um mestre.” Aliás, conta-nos o designer, Baleri considera que “o Porto dá três a zero a Itália” em relação a esta área. Transmitiu-lhe isso, há dias, quando os dois se encontraram numa tertúlia, precisamente no Buhle. O projecto de interiores de Paulo Lobo foi, aliás, largamente citado pela Wallpaper que salientou as “esculturas-candeeiro de madeira a imitar um pássaro e as salas privadas divididas por cortinados” como elemento diferenciador.
Depois disto, ansiará o Buhle uma estrela Michelin? Pedro Sá Pereira garante “não ser prioritário”. “A prioridade é surpreender o cliente num patamar que consideramos exigente.” São 20 horas de uma sexta-feira. “Tenho a sala cheia”, conta-nos Pedro. O pico da azáfama acontecerá entre as 21 e 22 horas, quando todas as mesas estiverem cheias de clientes. “Vai ser até às tantas, outra vez.” Aqui, pelo menos, são já vencedores.