Quando nascem, os bebés têm o que se intitula de “reflexos arcaicos”, competências inatas, de tal forma que se costuma dizer que “quando um bebé agarra o dedo de um adulto, do pai ou da mãe, com muita força, existe um compromisso para a vida toda”. É um apelo à proteção, que “gera sentimentos de afeto extremamente importantes na ligação com os pais”. Apesar de não serem competências adquiridas, vão ser grandes “armas” para as crianças, pois conseguem modificar o ambiente do próprio adulto.
É nesta fase que começa o “diálogo” entre o “toque, o olhar e os sons emitidos pelos pais. Tudo isto são estratégias de estimulação, quer sensorial, quer de afeto, que são extremamente importantes”, explica a pediatra do neurodesenvolvimento da Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso. Há até quem diga que os primeiros 1000 dias “são como uma casa em construção”. Os bebés são muito perspicazes e querem perceber tudo o que se passa ao seu redor. O nascimento de uma criança e os primeiros dias e anos de vida são “um processo de descoberta mútua.”
Fatores de risco
As más experiências para as crianças, nomeadamente a negligência afetiva, leva a um maior isolamento dos mais pequenos, que começam a brincar sozinhos e a não procurar o adulto. “E isto pode acontecer em qualquer família.” Maria do Carmo Vale sublinha que “a criança é um ser eminentemente social e, se o adulto não responde aos seus apelos sociais, ela vai-se relegando ao isolamento”.
As crianças que não são bem cuidadas, “em termos alimentares, de cuidados de higiene e no que respeita à ligação afetuosa e de interação, podem vir a ter problemas: crescem menos, não se interessam muito por algumas atividades [como o contacto com os livros] e vão ser menos criativas quando forem maiores”.
Em suma, tudo isto vai repercutir-se mais tarde, na escola, nas motivações escolares e na própria “ambição” da criança. Há todo um conjunto complexo de interações, quer entre “o seu potencial genético, quer entre a riqueza e pobreza do seu meio ambiente, que fazem toda a diferença no futuro de uma criança”, reforça a médica pediatra.
Existem fatores de risco socioambientais que são muito importantes para o crescimento de uma criança, desde logo, “a pobreza, a iliteracia parental, as doenças do foro psiquiátrico da mãe ou do pai, a prematuridade, ser mãe adolescente, o consumo de substâncias ilícitas, etc.”
O amor e a atenção são fundamentais no crescimento das crianças. “Toda a criança que tem afeto, amor, as condições básicas de vida asseguradas, por muitos problemas que tenha de saúde, vai ser uma criança feliz.” Para as crianças que não têm pais, é essencial existir um adulto de referência que promova uma interação regular. “A aprendizagem – a capacidade de desenvolvimento e de interagir – é muito feita à custa das emoções e da paixão que os pais têm pelos seus filhos.”
Maria do Carmo Vale sugere ainda que o contacto visual e o abraço também são bons ingredientes no relacionamento entre pais e filhos, mas também o elogio e a repreensão, sempre que necessário. “A repreensão deve ser suave, mas consistente. As regras são extremamente importantes porque as crianças e os adolescentes têm de ter limites. Uma criança sem limites sente-se completamente perdida.”
A pediatra do neurodesenvolvimento demonstra o seu espanto com o grau de perceção e até de chantagem emocional que as crianças pequeninas fazem com os pais. “Uma criança, a partir dos sete meses, percebe tudo.” Ao longo da vida, o diálogo franco entre pais e filhos e a corresponsabilização são essenciais para que a criança cresça num ambiente seguro.
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