Hérnias há muitas, mesmo muitas, e as mais comuns estão divididas em dois grandes grupos: as abdominais e as discais. São protusões (ou saliências) de um órgão ou estrutura e tanto podem ser congénitas como adquiridas. E se umas se manifestam através de um simples desconforto, muita gente não tem essa “sorte” – há hérnias terrivelmente dolorosas, como veremos a seguir.
Abdominais: Quando a parede cede
Henrique Batista, 63 anos, entrou nas urgências em maio de 2020, com uma perfuração intestinal e saiu ostomizado. Três meses depois, foi sujeito a nova intervenção para tirar o saco e ficou com uma hérnia.
Operado para tratar a hérnia, mas com a parede abdominal “muito fragilizada”, acabaram por lhe surgir, na zona da sutura, mais cinco hérnias. Em abril deste ano, já com algum desconforto, dor e a área abdominal muito deformada e exposta – “parecia que ia rebentar!” –, foi aconselhado a fazer novo tratamento.

“Levei uma infiltração de botox para ‘descontrair’ a zona abdominal (tinha um afastamento de 5,5 centímetros nos músculos frontais) e, depois, operaram-me para encerrar os músculos e colocar uma rede de sustentação”, conta. Em agosto, após alguns exercícios para fortalecimento muscular, ficou “operacional”.
O caso de Henrique Batista (hérnia incisional complexa) não é raro. “Estima-se que cerca de 10% da população desenvolva algum tipo de hérnia ao longo da vida e que são realizadas mais de 20 milhões de reparações de hérnias abdominais por ano, em todo o mundo”, revela Miguel Tomé, cirurgião na Unidade da Hérnia da Parede Abdominal do Hospital CUF Descobertas.
Os números mostram que as hérnias abdominais são, de facto, um problema frequente. “Ela ocorre quando há uma zona de fragilidade na parede abdominal, originando um orifício que é atravessado pelo revestimento interno da parede abdominal, formando um ‘saco’ para o exterior. Consoante o tamanho do orifício, este ‘saco’ pode conter parte do intestino ou outro órgão”, explica Miguel Tomé.
Miguel Pinto, responsável pela consulta da Hérnia Abdominal na clínica Cintramédica, dá uma visão ilustrativa: “Imagine uma parede perfeita que separa dois quartos. Suponha que decide começar a abrir ali um buraco. O que vai acontecer? No princípio, na divisão contígua, nem vão reparar no que se está a passar; ouvem apenas um inexplicável barulho. Depois, vai conseguir atravessá-la com a mão, e, se continuar, chegará o dia em que a abertura lhe permitirá passar de um quarto para o outro. Essa abertura anormal que lhe permite ocupar um espaço que não lhe pertence é uma hérnia.”
Normalmente, isto acontece devido a fragilidade da parede muscular, anomalias genéticas ou cicatrizes cirúrgicas, mas também pode estar associado a envelhecimento ou determinados fatores de risco.
Miguel Pinto sublinha: “Não existe um método que permita evitar, de maneira absoluta, o aparecimento de uma hérnia. Contudo, podemos reduzir esse risco quando evitamos a obesidade, o hábito de fumar, a obstipação, a anemia, a desnutrição proteica e quando tratamos os problemas prostáticos que obrigam a um grande esforço para urinar.”
A maioria das pessoas com hérnia abdominal não tem queixas, mas é possível notar um aumento de volume no local, uma “bolinha” que aumenta de tamanho com o esforço e diminui ou desaparece quando a pessoa se deita. Uma situação que pode durar anos.
No entanto, há que estar atento a alterações (como dor intensa ao toque, náuseas ou vómitos), porque, apesar de as complicações serem pouco frequentes, elas existem. “As hérnias podem dar lugar a oclusão ou gangrena intestinal, perfuração do intestino… além de colocarem a vida dos doentes em risco, obrigam a tratamento cirúrgico urgente”, alerta Miguel Pinto.
“Dependendo do volume da hérnia e da localização, esta pode conter, no seu interior, intestino, bexiga ou outro órgão, interferindo com o funcionamento dos mesmos”, precisa Miguel Tomé, para exemplificar: “Se o intestino se introduzir no orifício herniário e ficar encarcerado, isto é, ficar ‘preso’ dentro da hérnia, pode levar a crises de obstipação ou mesmo a uma oclusão intestinal, traduzindo-se por náuseas e vómitos persistentes.”
Mais: “Se este encarceramento evoluir para um quadro de estrangulamento, interrompendo o fluxo sanguíneo a esta porção de intestino, a dor vai tornar-se muito intensa e pode ocorrer necrose intestinal”, nota, sublinhando que se trata de “uma emergência cirúrgica, pois o tratamento não atempado pode desencadear perda de parte ou totalidade do órgão”.
Por outro lado, acrescenta, “as hérnias muito volumosas, como as incisionais de grande dimensão (também chamadas complexas), podem conter grande parte do conteúdo intra-abdominal no seu interior, levando a alterações da capacidade respiratória e alterações posturais, dor e desconforto crónico”.
Inguinais são as mais frequentes
Entre as várias hérnias abdominais, as inguinais, que aparecem na zona da virilha, são as mais frequentes. E nem sempre há uma causa aparente: a fraqueza da parede abdominal pode existir desde o nascimento ou surgir mais tarde, relacionada com atividade física intensa, tosse crónica, dificuldade em urinar, traumatismo ou cirurgia abdominal.
Afeta mais os homens do que as mulheres (o risco é de 27% contra 3%), os recém-nascidos (por defeito congénito) e os idosos (sujeitos a um processo natural de enfraquecimento dos tecidos e músculos). Quando diagnosticada atempadamente, costuma ser de resolução fácil.
Luís Martins, 67 anos, foi operado há cerca de cinco meses a uma hérnia inguinal. Uma situação, aliás, recorrente na família. “O meu irmão mais novo foi o primeiro, por volta dos 55 anos. A outro dos meus irmãos surgiu uma hérnia inguinal esquerda aos 63 e aos 65 uma direita. Por último, o mais velho, com 70 anos, teve uma do lado esquerdo. Todos já fomos operados!”, conta. A verdade é que, “embora não tenha sido detetado o gene responsável pelas hérnias, as estatísticas mostram uma tendência familiar, que sugere uma provável componente hereditária”, esclarece Miguel Pinto.

O caso de Luís Martins é emblemático. “Comecei por sentir uma saliência sobre a virilha do lado esquerdo, que se tornava mais evidente ao colocar-me de pé ou quando fazia algum esforço abdominal (em posição de repouso ou deitado, a hérnia recolhia por completo)”, conta.
Foi operado há cerca de cinco meses, e a “recuperação foi relativamente fácil e rápida”. Mas lembra que, “no primeiro mês do pós-operatório, recomenda-se o máximo repouso e, sobretudo, evitar fazer esforços ou levantar pesos”, além de ser importante hidratar a zona da cicatriz. A recuperação é fundamental para prevenir um eventual reaparecimento ou uma nova situação de hérnia inguinal no lado oposto.
Porque as hérnias podem reaparecer. “Até às últimas décadas do século passado, a recidiva chegava a ocorrer em 10% ou mais dos casos”, recorda Miguel Pinto, notando que “esta realidade mudou quando se começou a fazer a reparação das hérnias com recurso a redes, o que permitiu reduzir o risco de recidiva a cerca de 3%, número que chega a ser menos de 1% nos centros especializados”.
Miguel Tomé destaca as várias causas das recidivas. “Há fatores associados à cirurgia, como erro técnico ou mesmo escolha não adequada do material utilizado para reparação, fatores associados ao doente – as chamadas comorbilidades, como o tabagismo, a diabetes mal controlada, estados de imunossupressão, doença pulmonar obstrutiva crónica e obesidade – e, por último, fatores que podem ocorrer no pós-operatório, como, por exemplo, a infeção do local cirúrgico.”
Daí a importância de vigiar os chamados fatores “modificáveis”, até porque, assim, “estamos também a contribuir para a saúde no geral”.
Henrique Batista, operado a cinco hérnias complexas, é um bom exemplo disto. Apesar de recuperado, faz regularmente “exercícios específicos” para fortalecer a parede abdominal, evita esforços e continua a ser seguido por um nutricionista. “Tento não ganhar peso – já perdi 20 quilos desde a primeira operação!”
Discais: O desgaste da coluna
Dores no pescoço e nas omoplatas, fraqueza ou formigueiro no braço e na mão, perda de força e alterações de sensibilidade, dores no meio ou no fim das costas, uma dor aguda que irradia pela face lateral ou posterior da perna até ao pé… Tudo isto podem ser sintomas de hérnia discal.
Uma patologia frequente (calcula-se que cerca de 80% da população mundial apresente, pelo menos uma vez na vida, queixas de dores relacionadas com a coluna), que pode ser debilitante e incapacitante, com interferência na capacidade de trabalho e na qualidade de vida.
Foi o que aconteceu a Fátima Pires, 51 anos. “Eram dores insuportáveis! Cheguei a gritar de dor no trabalho”, conta. Tudo devido a uma hérnia lombar (entre as vértebras L4 e L5), que, aos poucos, lhe afetou seriamente a mobilidade e alguns gestos banais. “Já não me conseguia virar na cama nem vestir sozinha”, recorda. “Além de não conseguir conduzir nem estar sentada mais de 15 minutos. Tinha de me levantar e andar, que era o que me aliviava um pouco as dores.”

Uma hérnia discal é o deslocamento do disco intervertebral, pequenas estruturas cartilaginosas que estão dispostas em toda a extensão da coluna (cervical, torácica e lombar), separando as vértebras, e que têm como principais funções o amortecimento da carga e a mobilidade da coluna. E porque surge?
“O aparecimento da hérnia discal está, na generalidade, inscrito no processo de degeneração do disco intervertebral, isto é, no natural processo de envelhecimento da coluna”, avança Artur Teixeira, ortopedista do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga e coordenador da secção da coluna da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia.
Como se tratam
Só existe um tratamento para as hérnias abdominais: a cirurgia
Na operação, encerra-se o defeito na parede abdominal e reforça-se a área envolvente para minimizar a probabilidade de recorrência. Para tal, na grande maioria das intervenções, são utilizadas próteses (redes), que, durante o processo de cicatrização, acabam por ser integradas nos tecidos. Uma técnica que vem sendo aperfeiçoada.
Durante os últimos 15 anos, tem havido um interesse progressivo em relação a esta patologia por parte dos cirurgiões e da própria indústria farmacêutica, em particular no material utilizado nas reparações, nota Miguel Tomé, cirurgião na Unidade da Hérnia da Parede Abdominal do Hospital CUF Descobertas, salientando que “isto tem levado não só à melhoria e sedimentação de determinadas técnicas cirúrgicas minimamente invasivas como ao aparecimento de novas técnicas e ao desenvolvimento dos materiais utilizados”.
Exemplos disso são a crescente utilização da cirurgia laparoscópica, o surgimento de novas técnicas de separação dos componentes da parede abdominal, o desenvolvimento de próteses mais resistentes a infeções e totalmente absorvíveis e, por fim, a cirurgia robótica.
Precisando, explica que “o disco intervertebral é composto por duas estruturas: o núcleo pulposo, composto por uma substância de consistência gelatinosa rica em glicoproteínas, e o anel fibroso, formado por fibras de colagénio e elastina que retêm o núcleo”. Ora, prossegue, “o aumento do stresse mecânico, ligado à degeneração do disco e à disfunção, cria condições para o aparecimento de ruturas do anel fibroso, que vão permitir a fuga do núcleo para o espaço onde se localizam estruturas neurológicas, como as raízes nervosas ou até a medula espinal”.
Aquela “substância intrusa” é a hérnia discal, que, “em certas circunstâncias, pode condicionar compressão e irritação química das estruturas nervosas e, com isso, provocar dor, alterações da sensibilidade e da função motora”. Ou, inclusive, situações mais complicadas. Mas, atenção, nem sempre isto acontece. “A hérnia discal tem, na maior parte das vezes, um curso benigno, e muitas nem chegam a dar sintomas”, alerta.
Nelson Carvalho, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral e cirurgião de coluna no Hospital Lusíadas, fala ainda da existência de dois tipos de hérnias: “As agudas, que surgem geralmente na população ativa, e as crónicas, que afetam pessoas com mais de 65 anos e que não costumam dar sintomas, porque, nesta altura, já estão calcificadas.”
Mesmo as primeiras, sublinha, podem não dar grandes problemas, só se justificando uma intervenção “mais agressiva” se houver “compromisso neurológico”, visível através dos “sinais major, que são a falta de força e a alteração dos reflexos e da sensibilidade”, caso estes não atenuem com medicação, repouso ou fisioterapia.
“Uma faca espetada”
A hérnia pode surgir em qualquer disco intervertebral, mas é mais frequente no segmento lombar e, mais raramente, na coluna dorsal. Associada ao desgaste natural das vértebras, em consequência de movimentos repetidos ou cargas excessivas ao longo do tempo, também é favorecida por certos fatores de risco. “O tabagismo, o excesso de peso, o sedentarismo e as atividades com elevação de pesos e vibração estão associadas a um maior risco”, sublinha Artur Teixeira.
Compreensivelmente, tem uma maior incidência entre os 30 e os 50 anos. Embora não exista nenhum estudo epidemiológico em Portugal, os dados internacionais podem ser extrapolados: estudos escandinavos, por exemplo, apontam para uma incidência de 9% a 13% de novos casos de ciática por ano, com um pico de incidência na quinta década de vida.
Manuel Ferreira, hoje com 46 anos, tinha 38 quando sentiu os primeiros sintomas. “Não sei bem como e porque começou. Só sei que tinha dores e já andava meio curvado”, conta. Diagnosticaram-lhe uma hérnia lombar (entre a L1 e a L2) e foi tratado através de ozonoterapia. Porém, dois anos depois, o problema voltou.

O médico proibira-o de praticar futebol, mas “achava que estava bom”, e lá foi. No terceiro jogo, a certa altura, deu um passo em frente e caiu de imediato no chão: “Percebi logo que tinha estragado tudo.” Mas o pior ainda estava para vir. Comprou uma casa e começou a remodelá-la. “Pintar paredes, carregar madeiras, pôr chão… mais tarde, mudanças e arrumações… Cheguei a um ponto em que todos os dias tomava anti-inflamatórios para sair de casa”, recorda.
“Parecia que tinha uma faca espetada na coxa, não conseguia estar de pé. Percebi que era qualquer coisa de grave.” Uma ressonância magnética acabou por confirmar as suspeitas: a hérnia discal voltara. Desta vez, teve de ser operado, mas 12 horas depois já andava devagarinho, sem dores, “o que pareceu um milagre”. A recuperação correu “muito bem”, mas hoje tem certas preocupações, designadamente com pesos, esforços e atividades que envolvam impacto.
Dos medicamentos à cirurgia
O tratamento de uma hérnia discal varia consoante o tipo de hérnia e o estado em que se encontra. “A maior parte consegue resolver-se com medicação e fisioterapia”, explica Nelson Carvalho. E até há casos em que “o nosso sistema imunitário é capaz de resolver o problema per se”, nota Artur Teixeira, adiantando que há estudos que “demonstram uma clara regressão do volume e até absorção do fragmento discal ao longo do tempo, com melhoria da sintomatologia no espaço de um a dois meses”. Mas nem sempre é assim.
Fátima Pires tentou os métodos conservadores várias vezes. Em vão. “Medicamentos, massagens, osteopatia, fisioterapia… nada me fazia passar aquelas dores horríveis”, conta. É repositora de supermercado de manhã e costureira à tarde, atividades que a obrigam a esforços e posturas incorretas e que, possivelmente, foram responsáveis por uma hérnia (entre a L4 e a L5).
Graças ao seguro de saúde, acabou por recorrer a um tratamento a laser numa clínica – “não custou nada e a recuperação foi rápida” – e ficou “muito bem”, mas reconhece que “é caro” e que “a maior parte das pessoas pode não ter meios para o fazer”.
José Pratas Vital, neurocirurgião há mais de 40 anos, diz que “há muito tempo que são usadas, incluindo no Serviço Nacional de Saúde, várias formas menos agressivas de descompressão da hérnia sobre o nervo”, indicadas sobretudo para “hérnias pequenas contidas (não extrusadas), em que o anel não rompeu por completo”, explica. O leque destas técnicas menos intrusivas é vasto – da infiltração de corticosteroides à ozonoterapia, passando pela neurólise por radiofrequência ou pela nucleoplastia por coablação –, mas a sua utilização não é isenta de controvérsia.
“Quando a hérnia é pequena, é sempre preferível optar por técnicas minimamente invasivas”, defende Armando Barbosa, médico anestesiologista e fundador da clínica Paincare, especialista em terapêutica da dor, exemplificando com o caso do laser: “Aplica-se com uma agulha no núcleo pulposo do disco, levando ao retraimento da hérnia.”
A taxa de sucesso é “bastante elevada”, mas “a recidiva é de 10%, pelo que é sempre possível a hérnia voltar”, diz o médico, alertando para a importância de o doente “adotar uma vida mais ativa e posturas corretas, ter cuidado com o peso corporal e eliminar o tabagismo e o álcool”.
O neurocirurgião José Pratas Vital diz que os resultados destas técnicas percutâneas há muito que “estão devidamente documentados e estudados”: “Há dezenas de anos que se sabe que, ao vaporizarmos o disco, por exemplo com ozono, isso faz descomprimir o núcleo e aliviar o disco.” Obviamente, “tudo depende da hérnia”, mas “é preferível tratar um doente com uma agulha a [utilizar] uma faca”.
Opinião contrária tem Nelson Carvalho, para quem este tipo de intervenção “não é consensual entre os médicos” nem dá quaisquer garantias. “Na ozonoterapia, por exemplo, estamos a encolher o disco, e tenta-se assim melhorar o quadro neurológico, mas depois volta tudo ao mesmo.” E alerta ainda para o facto de que, “cada vez que picamos, corremos o risco de induzir a doença”.
Artur Teixeira é igualmente crítico, falando em “agulhas milagrosas” e “terapêuticas sem eficácia, caras e com riscos muitas vezes não esclarecidos” pelas pessoas que as praticam. “Do que se consegue extrair da literatura médica, não é possível concluir com rigor sobre a eficácia de tais métodos”, diz, admitindo mesmo que “muitos destes doentes melhoram pelo efeito placebo”. Por isso, defende, “são necessários estudos bem controlados para o sabermos”.
Já a cirurgia parece ser mais consensual, sendo opinião unânime que se trata de uma solução segura. E que tem vindo a aperfeiçoar-se. Nelson Carvalho destaca, em particular, a cirurgia endoscópica, “um dos avanços mais recentes, que consiste na introdução de umas pinças através de uma pequena porta de entrada para remoção da hérnia, o que a torna muito menos invasiva e de recuperação muito mais rápida do que a cirurgia clássica”.
Artur Teixeira, por seu turno, lembra que “a cirurgia tem evoluído no sentido de uma menor invasão e agressão aos tecidos, promovendo internamentos rápidos, menor lesão muscular e óssea e um mais precoce retorno ao trabalho e às atividades diárias”, sublinhando que “a utilização do microscópio e a endoscopia transformaram, hoje, a cirurgia da hérnia discal numa intervenção pouco dolorosa, segura e com recuperações mais rápidas.”
Uma coisa parece certa: é importante um bom diagnóstico e uma boa avaliação. Porque, como nota Nelson Carvalho, “as hérnias não são todas iguais e, mesmo do ponto de vista cirúrgico, nem todas se resolvem com cirurgias minimamente invasivas”.
Todas as hérnias
Os tipos variam de acordo com a causa e o local do corpo em que aparecem, sendo mais comuns no abdómen e na coluna

Inguinal
Ocorre quando uma abertura nos músculos abdominais da virilha faz com que uma parte do intestino ou de outro órgão saia por essa abertura (pode observar-se um pequeno inchaço na região, sempre ou quando se faz esforço). É duas vezes mais comum no lado direito do que no esquerdo e em homens até aos 40 anos. É frequente em recém-nascidos, sobretudo nos meninos. Trata-se de um defeito congénito, que leva a que parte de uma víscera, geralmente o intestino, deslize para dentro do canal inguinal.
Umbilical
Ocorre quando as camadas da parede abdominal não encerram completamente ao nível do umbigo. É mais frequente nas crianças, mas também pode afetar os adultos. Nos bebés, torna-se mais visível durante o choro. Geralmente, é inofensiva e indolor, e a maior parte encerra durante o primeiro ano. Quando não fecha até aos 3 anos, ou quando surge na idade adulta, deve operar-se para evitar complicações.
Epigástrica
Forma-se acima do umbigo. É mais frequente em adultos, mas pode existir à nascença e cicatrizar sem tratamento, à medida que a criança cresce. Geralmente, são hérnias pequenas, pelo que apenas a gordura pré-peritoneal consegue passar. É mais comum no sexo masculino.
Incisional
Surge após um procedimento cirúrgico quando, em algum ponto, a incisão não cicatrizou adequadamente. Neste caso, nota-se um aumento de volume na incisão ou perto dela. Normalmente, tem que ver com a prática prematura de exercícios, infeção da ferida, anemia, desnutrição ou erros técnicos. Outras possibilidades são o ganho de peso ou a gravidez próximos à cirurgia.
Femoral
Aparece no canal femoral (um pouco abaixo da virilha, em que estão presentes a artéria, a veia femorais e alguns nervos) e é causada pelo deslocamento de parte da gordura do abdómen e intestino. É pouco frequente, mais comum em mulheres e normalmente não apresenta sintomas. Na maioria dos casos, a causa é desconhecida (pode nascer-se com uma área debilitada do canal femoral ou a região ficar fraca ao longo do tempo).
Cervical
Ocorre habitualmente entre a 5ª e a 6ª vértebras cervicais (C5C6) ou entre a 6ª e a 7ª (C6C7) quando um fragmento da parte interna do disco (o núcleo pulposo) escapa através de uma rutura na camada externa (o anel fibroso). A hérnia pode comprimir uma das raízes nervosas cervicais, sendo o sintoma principal uma dor forte num dos braços (braquialgia) ou compressão da medula, provocando um quadro neurológico grave (mielopatia). Geralmente, está relacionada com o processo degenerativo da coluna, mas também pode ser provocada por traumatismo.
Dorsal ou torácica
É muito mais rara devido, em parte, à posição da caixa torácica, que atenua alguma da força que possa recair sobre os discos intervertebrais dorsais. Manifesta-se por perturbações da sensibilidade, perda de força e formigueiro no tronco e nos membros inferiores, dores laterais das costas e alteração do padrão de marcha.
Lombar
O mais comum é ocorrer entre as 4ª e 5ª vértebras lombares (L4L5) ou entre a 5ª vértebra lombar e a 1ª vértebra do sacro (L5S1), comprimindo os nervos nestes segmentos. Manifesta-se por uma dor ao longo da nádega, região posterior ou face lateral da coxa e perna até ao pé. Esta dor, denominada ciática, pode ser acompanhada de alterações neurológicas. Também podem ser atingidas outras zonas lombares, mas, nestes casos, a dor irradia pela face anterior da coxa e não ultrapassa o joelho.
Artigo publicado na VISÃO Saúde de out/Nov de 2023