Ana Sofia Ventura, médica de Medicina Interna na CUF, e Jorge Brandão, médico de Medicina Geral e Familiar e vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, explicam quais são as doenças habituais nesta época e como se pode prevenir o seu agravamento
Quais são as doenças mais frequentes?
Os diagnósticos mais comuns são os de “agudização de doenças respiratórias”, refere, Ana Sofia Ventura, médica de Medicina Interna na CUF, acrescentando, “sobretudo os de asma, sinusite, rinite alérgica, exacerbações de bronquite crónica, DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica), enfisema pulmonar e pneumonias”. Além do mais, também é frequente o “agravamento de outras doenças nomeadamente cardiovasculares (HTA, insuficiência cardíaca, cardiopatia isquémica, doença cerebrovascular, diabetes, hipercolesterolemia, etc.), reumáticas e musculoesqueléticas”, diz. Também são usuais, acrescenta a especialista, “as lesões na pele, por desidratação (secura, eczema) ou por exposição direta ao frio e à humidade (úlceras por frio derivadas do congelamento, queimaduras, ou frieiras)”.
O frio tem impacto nos AVC?
Ana Sofia Ventura refere que “alguns estudos internacionais dão conta de um aumento de aproximadamente 20% da incidência de AVC durante o inverno”. Isto porque, diz, “no inverno, e devido à descida de temperatura, os vasos sanguíneos (sobretudo os periféricos), contraem-se para manterem a temperatura corporal estável, sensivelmente entre os 36 ºC e os 37 ºC, num fenómeno a que se dá o nome de vasoconstrição”.
Esta diminuição dos vasos leva a um aumento da resistência vascular que, depois, aumenta a pressão arterial. É este aumento que, nota a especialista, “além de sobrecarregar o coração”, pois este tem de fazer mais esforço “para bombear o mesmo volume de sangue por vasos de menor calibre”, facilita “também a rotura de pequenos vasos mais frágeis e a de eventuais placas de gordura (ateroscleróticas)”, podendo levar a um enfarte agudo do miocárdio ou a um AVC isquémico.
As mortes por enfarte aumentam quando a temperatura desce abaixo dos 14 graus centígrados?
A internista da CUF dá conta de vários estudos que mostram existir um aumento da incidência de enfarte durante os meses de inverno, sendo que em alguns deles se “afirma inclusivamente que uma descida de 10 ºC na temperatura” é acompanhada de um aumento de aproximadamente 7% do número de enfartes e noutros estudos “refere-se que, quando a temperatura alcança médias diárias abaixo de 14 °C, os casos de morte por enfarte do miocárdio (ataque cardíaco) aumentam em até 30%”. Em Portugal, diz, uma análise retrospetiva do Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção, publicado em 2016, “também mostrou esta tendência”: por cada grau de descida de temperatura houve um aumento de 2,2% nos casos de enfarte em Lisboa e de 1,7% no Porto.
Qual o efeito que o frio pode ter nas alergias e nas doenças inflamatórias?
No caso das alergias, pode influenciar certo tipo de doenças, “como a urticária desencadeada pelo frio e, nas alergias respiratórias, pode ser um fator de maior agressão da árvore respiratória já eventualmente fragilizada pelo processo alérgico”, explica Jorge Brandão, médico de Medicina Geral e Familiar e vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Ressalve-se, no entanto, que, diz, “as épocas do ano em que há mais disseminação ambiental de substâncias alérgicas são a primavera e o outono”. Quanto às doenças inflamatórias, que são muitas, adianta médico, “pensando apenas nas de expressão reumática (os reumatismos)”, é comum “e do senso clínico”, estabelecer relação entre o tempo frio e o “agravamento da capacidade funcional dos doentes”.
Qual o impacto nas doenças respiratórias?
O frio é um “irritante brônquico” e, por isso, “facilitador do agravamento das doenças respiratórias crónicas”, lembra Ana Sofia Ventura. O nosso organismo “defende-se” num processo que começa nas vias respiratórias, em que “o nariz inala o ar e as substâncias agressivas, mantendo uma temperatura de 37 ºC e uma humidade de 78%”. Se o ar estiver muito frio, “os capilares nasais dilatam-se e produzem mais muco”, continua, o que pode resultar numa congestão nasal ou até numa infeção respiratória.
Este muco (muco nasal e expetoração) tem como finalidade, explica, “a fixação dos irritantes que invadem o aparelho respiratório para serem expulsos”. Só que, os vírus ou bactérias ficam ali depositados e, dada a sua composição e a temperatura do corpo, encontram “condições ótimas para a sua multiplicação, com desenvolvimento das doenças infeciosas respiratórias virais e bacterianas”, nota.
O frio tem impacto na imunidade?
Não “parece ter relação direta no funcionamento do nosso sistema imunitário”, nota a médica da CUF. Contudo, durante o outono e o inverno, há fatores que parecem contribuir para uma maior vulnerabilidade, nomeadamente para o aumento do número de infeções nesta época do ano. “Há maior circulação de vírus e de agentes patogénicos respiratórios, o ar é mais seco e, tendencialmente (embora não neste ano, devido à pandemia), há maior aglomeração de pessoas em ambientes fechados e climatizados e mudanças bruscas de temperatura”, diz a especialista.
Que erros devem ser evitados?
O primeiro conselho do médico em Medicina Geral e Familiar é “não se expor ao frio, sem proteção”. Quem tem problemas respiratórios deve utilizar cachecóis ou lenços que cubram a boca e o nariz, permitindo filtrar e aquecer o ar frio. Neste “inverno, como a moda vai tender para as máscaras, isso já constituirá algum tipo de proteção, criando-se, em frente à boca e do nariz, um microclima” de ar aquecido, atesta. O médico recorda que se deve evitar o “exagero no aquecimento ambiental” e, também, os “choques térmicos”, principalmente na passagem do calor para o frio.
Ana Sofia Ventura avisa que, “em caso de significativa modificação da sintomatologia habitual, de instalação aguda, com expressiva sensação de mal-estar”, não se deve adiar a ida às urgências ou ao atendimento permanente. O “atraso”, continua, na obtenção de cuidados de saúde em situações-limite ou agudas graves “pode ter mau prognóstico e, não raramente, pode mesmo ser fatal”.
Quais os hábitos que ajudam a prevenir as consequências?
Ter um estilo de vida saudável, com exercício físico e uma alimentação equilibrada, é fundamental, assim como beber líquidos, mesmo quando não se tem sede. Se se tomar medicamentos, é preciso que se “cumpra as indicações recomendadas e se assegure que existe medicação suficiente e algum stock (pelo menos para um mês de tratamento)”, nota Ana Sofia Ventura. Deve-se, também, ter as vacinas em dia e, no caso de pessoas maiores de 65 anos ou com doenças crónicas, “fazer a vacina da gripe e informar-se sobre a vacina antipneumocócica”, lembra a médica.
O que devemos fazer em casa para nos protegermos do frio?
Estar agasalhado, mas não nos esquecendo, caso se tenha infeções respiratórias ou alergias, de “facilitar a circulação de ar e de abrir as janelas periodicamente, para melhorar a qualidade do ar”, recomenda a internista. Limpar e/ou substituir regularmente os filtros do ar condicionado, “aspirar a casa com frequência e evitar a utilização de alcatifas, tapetes e cortinados muito densos e que possibilitam a acumulação de pó” são outros conselhos da médica.
Que erros devem ser evitados, nesta altura do ano?
Por causa da pandemia Covid-19, muitas pessoas, devido ao receio de contágio, deixaram de ir ao médico ou de fazer as consultas regulares. Ana Sofia Ventura reforça que “é absolutamente fundamental que os doentes não tenham medo de se deslocar aos hospitais e aos restantes serviços de saúde, para procurarem o seu médico e efetuarem a vigilância da sua saúde, bem como para prevenir ou acompanhar as suas patologias”. Lembre-se de que, se uma doença for diagnosticada de forma tardia, as consequências podem ser mais graves.
Fortalecer a imunidade
Exercício, alimentação cuidada e sono reparador são essenciais para se robustecer o metabolismo
Através da alimentação
Alimentos ricos em vitamina C – Esta vitamina estimula os glóbulos brancos na resposta a agentes infeciosos. Exemplos: citrinos, agrião, papaia, morango, batata ou brócolos.
Alimentos ricos em vitamina D – Esta vitamina estimula a atividade dos glóbulos brancos e de outras células face aos agentes infeciosos. Exemplos: peixe, carne, ovos, produtos lácteos.
Alimentos ricos em zinco – Pessoas com défice de zinco têm uma menor resposta imunitária perante os agentes infeciosos. Exemplos: frutos secos, sementes de sésamo, sementes de abóbora, gérmen de trigo, cereais fortificados.
Dormir bem
Descansar apenas quatro ou cinco horas por dia não é o suficiente para se repor o nosso metabolismo. Para fazer reset, recomenda-se que se durma entre 7 e 8 horas (para um adulto).
Apanhar sol
A vitamina D é essencial para se manter o equilíbrio mineral do corpo.
Exercício
Uma caminhada diária de 30 minutos com “passada larga” para se aumentar a frequência cardíaca e se transpirar um bocadinho é essencial.
(Artigo publicado originalmente em outubro de 2021)