A diabetes mellitus (DM) é um grave problema de saúde pública, com um significativo impacto nos gastos em saúde e na qualidade de vida dos utentes, causando importante morbilidade e mortalidade prematura.
Apesar de existirem outras classificações, esta doença crónica é maioritariamente classificada como DM tipo 1 e tipo 2. Enquanto a DM tipo 1 resulta da destruição autoimune das células pancreáticas, com consequente défice absoluto de insulina, a DM tipo 2 deve-se à perda progressiva da secreção de insulina pelas células pancreáticas, habitualmente no contexto de insulinorresistência.
Por efeito, a hiperglicemia associada provoca, no decurso da doença, múltiplas lesões em vários órgãos. Deste modo, o objetivo final do tratamento desta patologia será prevenir e atrasar as complicações associadas à mesma, bem como otimizar a qualidade de vida dos utentes. Tal requer, em primeira instância, uma abordagem sistemática à mudança de comportamento do utente, incluindo o apoio e a educação na autogestão desta patologia.
Adicionalmente, o tratamento da DM pode incluir diversos fármacos, nomeadamente os antidiabéticos orais e os tratamentos injetáveis, como a insulinoterapia. A escolha terapêutica deve considerar, entre outros, o risco de hipoglicemia, sendo este um dos principais efeitos secundários da terapêutica com insulina.
Sabe-se que cerca de 90% das pessoas insulinotratadas já tiveram episódios de hipoglicemia e que, aproximadamente, 20% das pessoas com DM referem episódios de hipoglicemia ligeira a moderada, nos últimos três meses.
Por definição, a hipoglicemia é um episódio de glicemia anormalmente baixa, que predispõe o indivíduo a um dano potencial. Nos indivíduos diabéticos, define-se como glicemia inferior a 70 mg/dL e pode ser classificada em três níveis: o nível 1, quando a glicemia é inferior a 70 mg/dL e maior ou igual a 54 mg/dL; o nível 2, quando a glicemia é inferior a 54 mg/dL; e o nível 3, quando se trata de um episódio grave, caracterizado pela alteração do estado mental e/ou físico, que necessita da assistência de terceiros para o tratamento da hipoglicemia.
Os sinais e sintomas de um episódio de hipoglicemia podem incluir fome, palpitações, tremores, diaforese, palidez, parestesias, visão turva, alterações do comportamento, confusão, lentificação psicomotora, convulsões, perda de consciência, coma e morte. Ademais, a hipoglicemia também pode manifestar-se através de irritabilidade, tonturas, cefaleias, náuseas e ansiedade. As complicações deste evento incluem, nomeadamente, aumento da mortalidade, cardiopatia e arritmias.
O tratamento da hipoglicemia deve ser efetuado sempre que a glicemia capilar for menor ou igual a 70 mg/dL, na presença ou na ausência de sintomatologia.
Em indivíduos conscientes e com capacidade de deglutição, o tratamento da hipoglicemia nível 1 baseia-se no consumo de cerca de 15g a 20g de glicose. Face à sua indisponibilidade, pode ser igualmente utilizado qualquer hidrato de carbono contendo este nutriente, como, por exemplo, três pacotes de açúcar diluídos em água, 150 ml a 200 ml de bebida açucarada com 10g de hidratos de carbono por 100 ml (coca-cola, por exemplo) ou uma colher de sopa de mel (20g).
Quinze minutos após este tratamento, se o utente mantiver níveis de glicemia capilar compatíveis com hipoglicemia, o mesmo procedimento deverá ser repetido. Na ausência da normalização dos valores de glicemia, após três tratamentos, deve ser administrado 1 mg de glucagon intramuscular.
Assim que a glicemia for igual ou superior a 70 mg/dL, o indivíduo deverá fazer uma refeição ou lanche, nos próximos 30 minutos, para prevenir a recorrência da hipoglicemia.
O tratamento da hipoglicemia nível 2 segue as mesmas diretrizes de abordagem à hipoglicemia nível 1, com a particularidade de que devem ser ingeridos 20g de glicose.
No indivíduo não cooperante, sem capacidade de deglutição ou inconsciente, com hipoglicemia nível 3, a abordagem consiste na sua colocação em posição lateral de segurança, na manutenção da permeabilidade da via aérea e no contacto do 112. Em particular, todos os indivíduos com elevado risco de hipoglicemia (nível 2 ou 3) devem ter glucagon disponível, cujas indicações de administração e forma de aplicação devem ser igualmente ensinadas aos cuidadores e/ou conviventes.
Na realidade, são várias as repercussões que as hipoglicemias podem provocar na saúde do indivíduo, sendo que estas dependem da gravidade do episódio, da resposta e da duração da recuperação. Adicionalmente, sabe-se que as hipoglicemias graves se associam a um custo substancial para as pessoas com DM, para a sociedade e para o Serviço Nacional de Saúde.
Além disso, os episódios de hipoglicemia podem ser uma barreira na manutenção dos objetivos terapêuticos e na adesão ao tratamento pela adoção de comportamentos defensivos baseados no medo, na ansiedade, no absentismo laboral e na perceção de diminuição da qualidade de vida. Em concordância, os resultados do Estudo DAWN 2 (Diabetes Attitudes Wishes and Needs) realçaram os receios das pessoas com DM e familiares/cuidadores relativamente à ocorrência de hipoglicemias, em especial as hipoglicemias noturnas.
Portanto, e tendo em consideração a orientação clínica da American Diabetes Association, é fulcral a avaliação da ocorrência e do risco de hipoglicemia em todas as consultas, visando a identificação das causas deste episódio, bem como a educação para a prevenção e autogestão de episódios futuros.
*Em coautoria com Rafaela Costa e Raquel Brites, Médicas internas de Formação Específica em Medicina Geral e Familiar
(Artigo publicado originalmente na VISÃO Saúde nº 29 de abril/maio de 2023)