Um ataque repetido de tosse tão grave que por vezes as pessoas sentem dificuldade em voltar a respirar. E tão crónico que há quem lhe chame de “tosse dos cem dias”, por ser esse o tempo que se demora a recuperar da doença. Num adulto saudável, a infeção respiratória provocada pela bactéria Bordetella pertussis não põe em risco a vida, mas num bebé pode causar-lhe a morte.
A tosse convulsa, assim apresentada, não tem nada de benigna. E, quando se sabe que continua a ser endémica em toda a Europa, perde o rótulo de “doença do século passado”. Mais ainda agora que um especialista veio dizer que podemos vir a ter um maior número de casos em 2024 do que em qualquer um dos últimos 40 anos.
A hipótese avançada por Paul Hunter, professor de Medicina na Universidade de East Anglia, em Norwich, no Reino Unido, baseia-se nos casos de tosse convulsa recentemente registados no seu país. Só em fevereiro deste ano, os laboratórios do RU confirmaram 913 casos, quase o dobro dos 555 de janeiro. E isto quando, durante todo o ano de 2023, tinham sido registados 858, lembrou, ao Standard, o especialista em epidemiologia e saúde pública.
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) revelou esta quarta-feira que foram registados 200 casos de tosse convulsa nos primeiros quatro meses de 2024, quase dez vezes mais do que os 22 confirmados ao longo do ano passado.
A tendência é semelhante em toda a Europa. Segundo o último comunicado do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), foram registados 32 037 casos entre janeiro e março deste ano, na União Europeia e no Espaço Económico Europeu (mais Noruega, Islândia e Liechtenstein), contra 25 130 durante todo o ano de 2023.
De acordo com o ECDC, ao longo de 2023 e dos primeiros quatro meses de 2024, os bebés com menos de 1 ano foram o grupo com maior incidência em 17 países da UE/EEE. A maioria das mortes também ocorreu em bebés. A agência de saúde europeia alerta, por isso, para o facto de os doentes de maior risco serem as crianças com menos de seis meses, não imunizadas ou apenas parcialmente.
PORQUÊ AGORA?
Que força é esta, agora, de uma doença para a qual existe vacina?
Segundo a DGS, em Portugal a cobertura vacinal da 5.ª dose de vacina combinada contra o tétano, difteria e tosse convulsa atingiu os 95% em 2023, e estima-se que 85% das mulheres grávidas elegíveis tenham sido vacinadas.
Acontece que a tosse convulsa é uma doença endémica na UE/EEE (ou seja, circula entre a sua população em números estáveis), que causa epidemias significativas a cada três a cinco anos, mesmo em países com uma cobertura vacinal elevada.
Os surtos acontecem em ciclos, sem que se compreenda totalmente porquê. Mas é provável que a diminuição da imunidade a nível da população contribua para isso, daí a importância de uma elevada cobertura de vacinação.
Os especialistas também fazem notar que este aumento do número de casos de tosse convulsa em toda a Europa surge após alguns anos de circulação limitada da doença, sobretudo durante a pandemia de Covid-19.
“Este aumento mostra a necessidade de se estar vigilante. É uma doença grave, especialmente em bebés”, disse a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, citada no comunicado do ECDC.
VACINAR, VACINAR, VACINAR
No mesmo comunicado, insta-se as autoridades sanitárias a reforçarem os programas de vacinação para alcançar uma cobertura adequada da população infantil, incluindo a conclusão atempada da imunização primária e a administração de doses de reforço. E recorda-se que a vacinação no segundo ou terceiro trimestre da gravidez é um meio muito eficaz de prevenir a doença nos recém-nascidos que ainda não receberam a imunização e que, por essa razão, estão em risco.
“Temos vacinas seguras e eficazes que a podem prevenir”, disse ainda Stella Kyriakides. “A vacinação é o nosso principal instrumento para ajudar a salvar vidas e evitar que a doença continue a propagar-se.”
O sublinhado da comissária europeia da Saúde ganha mais sentido quando se sabe que a Covid-19 levou muita gente a duvidar da eficácia das vacinas, no geral.
O “susto com as vacinas”, como lhe chama Paul Hunter, não é de agora – ele surgiu no início da década de 2000, levando a que um grupo de pessoas, que hoje têm cerca de 21 anos, não completasse a vacinação por iniciativa dos seus pais.
“A infeção pode afetar qualquer pessoa que não esteja vacinada e mesmo algumas que estejam vacinadas”, lembrou ao Standard o especialista em epidemiologia e saúde pública. “No entanto, o principal risco de morte ou de complicações graves a longo prazo verifica-se nas crianças pequenas, especialmente nas que têm menos de três meses de idade.”
“É este grupo etário que corre o maior risco de morte e de desenvolver problemas a longo prazo, como lesões cerebrais”, explicou ao jornal. “O problema é que, na maioria das circunstâncias, este grupo etário é demasiado jovem para receber a vacina. É por isso que oferecemos a vacina às mulheres grávidas, para proteger os seus bebés durante os primeiros meses de vida, que são os mais arriscados. E a adesão à vacina nas mulheres grávidas tem vindo a diminuir de forma bastante acentuada nos últimos anos.”
TOSSE, TOSSE, TOSSE
O principal sintoma desta doença respiratória altamente contagiosa, provocada pela a bactéria Bordetella pertussis, é a tosse, como já se viu. Mas, ao comprometer a traqueia e os brônquios, ela traz mais sintomas.
Inicialmente, os sintomas assemelham-se aos de uma constipação comum (espirros, corrimento nasal, febre baixa e tosse ligeira), explica-se no Portal Europeu de Informação sobre Vacinação. Mas, no espaço de duas semanas, a tosse agrava-se e é caracterizada por acessos consecutivos seguidos de um ronco ou guincho.
“Estes acessos de tosse terminam frequentemente com a expulsão de um muco espesso e transparente, muitas vezes seguida de vómito. De início, os acessos de tosse ocorrem à noite e depois tornam-se mais frequentes durante o dia, podendo persistir durante um ou dois meses.”
A tosse convulsa caracteriza-se por três fases, ensina-se, por sua vez, no portal do SNS24.
Na fase catarral (1-2 semanas), ocorre inflamação e corrimento nasal, tosse não produtiva e febre baixa.
Na chamada fase paroxística (2-6 semanas), verifica-se um agravamento da tosse com momentos de intensidade, que podem ser acompanhados de cianose (coloração azulada da pele e dos lábios) e inchaço da língua. Tipicamente existe um ruído inspiratório e a tosse pode provocar o vómito. A tosse é mais frequente no período noturno e agrava-se com o choro ou a deglutição.
E na fase de convalescença (2-6 semanas), há uma diminuição progressiva da intensidade e frequência da tosse, desaparecendo o ruído inspiratório e os vómitos. Sendo que esta fase pode prolongar-se durante meses com episódios recorrentes de tosse, desencadeados por infeções respiratórias virais.
No mesmo portal, lembra-se que os adolescentes, os adultos ou as crianças parcialmente imunizados apresentam, em geral, sintomas mais ligeiros ou um pouco diferentes. Nestes grupos e nas crianças muito pequenas, a tosse convulsa é, por isso, mais difícil de diagnosticar.