Um consórcio de médicos testou um medicamento experimental para o tratamento do cancro do pâncreas, tendo demonstrado uma eficácia média de 70% nos tumores testados.
“Trabalho com o cancro do pâncreas há quase 20 anos e nunca tinha visto resultados pré-clínicos como estes”, afirma Kenneth Olive, médico e investigador da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, EUA, que liderou a experiência.
Os tumores pancreáticos são compostos por diferentes populações de células que comunicam entre si através da secreção de vesículas extracelulares. Segundo a equipa deste novo estudo, publicado na Nature, o medicamento experimental, que os investigadores denominaram por RMC-7977, foi capaz de interferir com fatores genéticos que estão na origem de cerca de 95% dos cancros do pâncreas mais comuns, os adenocarcinomas ductais pancreáticos, que começam nas células dos canais do pâncreas, uns tubos que transportam sucos digestivos.
O gene por detrás deste medicamento
O gene KRAS contém instruções para a produção de uma proteína denominada KRAS, que desempenha um papel importante na regulação do crescimento e divisão das células. Em condições normais, este gene ajuda a controlar processos celulares fundamentais, tais como a diferenciação celular, a sobrevivência celular e a resposta a sinais externos.
No entanto, podem ocorrer mutações neste gene, alterando a função normal da proteína. Estas mutações são comuns em vários tipos de cancro, incluindo do pâncreas: quando o gene KRAS sofre uma mutação, a proteína resultante pode tornar-se hiperativa, levando a um crescimento celular descontrolado e à formação de tumores, muitas vezes resistentes ao tratamento e que respondem mal à quimioterapia.
“Há mais de quatro décadas que sabemos que existe uma proteína RAS específica, denominada KRAS, que sofre mutação e é responsável por cerca de 95% de todos os casos de adenocarcinoma ductal pancreático, e durante a maior parte desse tempo não dispusemos de ferramentas diretas para o atacar”, afirma Olive.
Os investigadores testaram o novo fármaco em células cancerígenas de seres humanos e concluíram que o tumor diminuiu em sete de 10 modelos, demonstrando reduções entre 30% e 98% em relação ao volume inicial dos tumores.
“O RMC-7977 como agente único superou o melhor regime de combinação alguma vez registado na literatura neste modelo sistema”, refere o médico, acrescentando que existe uma “possibilidade real de esta abordagem ajudar a mudar o padrão de tratamento dos doentes com cancro do pâncreas”. Contudo, apenas os ensaios clínicos vão poder confirmar estes resultados.
Este medicamento não se revelou prejudicial para outras células saudáveis, descobriu a equipa, o que é positivo, uma vez que vários tratamentos contra o cancro, como a quimioterapia, podem danifircar células saudáveis enquanto destroem as cancerígenas.
Em Portugal, surgem anualmente cerca de 1800 casos de cancro do pâncreas e as estimativas apontam para que este tipo de cancro, silencioso e geralmente detetado em estadios avançados, seja a segunda causa de morte por cancro.
Numa entrevista à Lusa em 2019, Rui Tato Marinho, médico especialista em Gastrenterologia, apontou o envelhecimento da população como um dos principais motivos para o aumento deste tipo de cancro, tal como acontece com quase todos os tumores.
Além do envelhecimento, há fatores de risco, que “podem ser corrigidos”, como fumar, a obesidade e o excesso de peso, a vida sedentária, a diabetes e o álcool, disse o especialista, advertindo que “o tabaco aumenta duas vezes no fumador crónico o risco de vir a morrer com cancro do pâncreas”.
Acresce o facto de cancro do pâncreas ser difícil de detetar precocemente, ao contrário do que acontece por exemplo com o da mama, da próstata ou o cancro do cólon.
Geralmente, o cancro do pâncreas é difícil de detetar cedo, o que torna o tratamento mais complicado. Os fatores de risco incluem idade avançada, tabagismo, histórico familiar de cancro pancreático, obesidade e certas condições genéticas. O tratamento geralmente envolve cirurgia, quimioterapia e radioterapia, mas as taxas de sobrevivência costumam ser baixas, especialmente em casos avançados.