Imagine o que é, de um momento para o outro, começar a ver as pessoas à sua volta com as feições distorcidas. Foi o que aconteceu a Victor Sharrah, residente do Tennessee, EUA, em novembro de 2020, num caso que originou um estudo publicado esta semana na revista científica The Lancet.
“Ninguém consegue imaginar o quanto isso foi assustador”, confessa Sharrah à Skynews, adiantando ainda quase ter sido internado numa instituição psiquiátrica antes de receber o diagnóstico que lhe permitiu encontrar apoio e recuperação. É que durante 31 meses, este homem sofreu de prosopometamorphopsia (PMO), uma desordem neurológica rara e pouco compreendida, com menos de 100 casos diagnosticados desde 1904.
Os investigadores ainda não entendem o que pode desencadear esta condição, apesar de haver a suspeita de que pode estar relacionada com uma disfunção da rede neural que processa o reconhecimento facial. Ao contrário de uma pessoa que sofre de alucinações, uma doente com PMO sabe que está perante uma distorção e que algo de errado se passa com a sua visão.
Após o diagnóstico, este paciente aceitou participar num estudo liderado pelo psicólogo Antonio Mello no Dartmouth College, no estado norte-americano de New Hampshire, que permitiu a criação de imagens que reproduzem a visão de alguém que sofre desta doença.
Sharrah descreveu rostos alongados, com nariz, boca e orelhas esticados e rugas profundas na testa, bochechas e queixo. Curiosamente, estas distorções não eram percecionadas quando observava imagens em papel ou ecrãs, o que permitiu que descrevesse de forma precisa as diferenças entre o que captava numa observação ao vivo ou através de um reprodução.
“Ao alternar entre a observação do rosto percebido pessoalmente como distorcido e a foto no computador percebida como não distorcida, o paciente forneceu feedback em tempo real sobre as diferenças. Em seguida, usámos um software de edição de imagens para modificar cada foto até que ela correspondesse à sua perceção pessoal”, explica Mello.
Contudo, é preciso perceber que esta distinção de visualização e as características percecionadas são particulares deste paciente e, por isso, não devem ser generalizada a todos os casos de PMO.
De acordo com este estudo, o caso de Sharrah pode ter sido desencadeado por um ferimento na cabeça que fez 15 dias antes do aparecimento dos sintomas, uma vez que exames de ressonância magnética mostraram uma lesão do lado esquerdo do cérebro, ou um envenenamento por monóxido de carbono que sofreu quatro meses antes. Os investigadores destacam ainda que este homem tem um histórico de transtorno afetivo bipolar e transtorno de stresse pós-traumático.
Com este estudo, Mello pretende sensibilizar para uma condição que muitas vezes não é diagnosticada ou interpretada como um problema psiquiátrico e não neurológico. “Esperamos que este estudo tenha impacto sobre o que se pensa sobre PMO, sobretudo para que entendam o quão grave pode ser”, escreve o investigador, que dá como exemplo o receio de Sharrah de ir a qualquer superfície comercial por sentir que as outras pessoas formavam “um exército de demónios”.
Quando o diagnóstico de PMO é feito, pode ser possível tratar a condição que está a provocar a distorção. No caso de Victor Sharrah, foi percebido que a luz verde aliviava os sintomas, o que fez com que passasse a usar óculos com lentes dessa cor quando sabe que vai estar perto de muitas pessoas. Os sintomas de PMO podem durar dias ou até anos.