A basorexia é ainda pouco conhecida, muito devido à pouca investigação sobre esta condição. Para compreender melhor este tema, a VISÃO conversou com a psicóloga Vera de Melo, que não encontrou dados científicos em Portugal sobre este fenómeno que descreve como “intrigante e pouco conhecido”
O que é a basorexia?
É definida como um desejo intenso ou obsessão por beijar. É uma emoção complexa e multifacetada que tem intrigado psicólogos durante anos, ainda que, no fundo, seja pouco conhecido.
O termo basorexia significa, literalmente, uma fome de beijar (advém do grego “basi”, que significa beijo; e “rexia”, que significa fome) e é um intrigante e complexo fenómeno caracterizado pela forte tentação em beijar o outro.
A basorexia é, por isso, um termo informal usado para descrever uma condição em que a pessoa sente uma obsessão por beijar outras pessoas, ou seja, o individuo sente uma compulsão, uma necessidade repentina, ou um desejo incontrolável de beijar alguém.
O beijo inerente à condição de basorexia diferencia-se de outras formas de beijar – como o beijar romântico ou o beijo de amizade. Significa isto que beijos “basoréxicos” são geralmente mais intensos, sendo que as pessoas afetadas tendem a sentir uma forte necessidade de recorrer a este ato.
É uma doença? Como é classificada?
A basorexia não é formalmente reconhecida como uma doença, ainda que possa ter consequências significativas, como comportamentos impulsivos, que podem resultar em problemas psicológicos, emocionais e interpessoais.
Como é que pode ser identificada?
A basorexia manifesta-se de várias formas, desde um gosto geral pelo beijo até um desejo insaciável pelo ato em si. Os portadores desta condição — que, sublinha-se, não é oficialmente reconhecida como uma perturbação clínica — podem dar por si a sonhar acordados sobre beijar alguém ou à procura de oportunidades para se envolverem no ato íntimo. Para algumas pessoas, o simples pensamento ou menção de beijar pode evocar respostas emocionais e físicas intensas, levando a um desejo avassalador de se envolver na atividade.
Quais os sinais que podem ajudar a entender que uma pessoa tem, ou não, basorexia?
Quem sofre com este desejo incontrolável de beijar o outro tende a ter comportamentos impulsivos que podem levar a problemas sociais e psicológicos, como perturbações de ansiedade e o isolamento. Alguns especialistas acreditam que indivíduos com um sentido acentuado de basorexia podem ter uma necessidade subjacente de proximidade emocional e intimidade.
Alguns sinais/ sintomas da basorexia:
- Desejo intenso de beijar alguém;
- Sensação de impulso incontrolável – caso como se se tratasse de um “vício”;
- Aumento da produção de saliva;
- Dificuldade em engolir;
- Sensação de boca seca;
- Movimentos involuntários da língua;
- Sentimentos de culpa e vergonha;
- Irritabilidade;
- Problemas de sono;
- Dificuldade de concentração noutras tarefas…
O desconforto sentido na contenção da necessidade de beijar o outro pode refletir-se na cedência a comportamentos impulsivos, como, por exemplo, beijar desconhecidos em público, sem o seu consentimento – que terá consequências e implicações, sejam elas psicológicas (ex. culpa, arrependimento) ou sociais (ex. isolamento).
Existe um tratamento para a basorexia?
A Terapia Cognitivo-Comportamental pode ser um auxilio no controlo de comportamentos compulsivos.
Para além disso, fomentar uma comunicação aberta com os parceiros, uma expressão das necessidades emocionais e básicas de cada um, assim como a delimitação e a compreensão dos limites pessoais de cada elemento do casal podem ser áreas de exploração essencial, num processo psicoterapêutico. A promoção de conversas saudáveis sobre desejos e expectativas pode, ainda, promover uma maior compreensão e ligação entre as pessoas com as quais o indevido estabelece vínculos.
Adicionalmente, explorar formas alternativas de afeto físico, como abraçar, acariciar ou dar a mão, pode proporcionar uma sensação de intimidade e ligação para além do beijo. O desenvolvimento de uma abordagem completa ao afeto físico pode ajudar os indivíduos com basorexia a satisfazer os seus desejos de uma forma que seja respeitosa e satisfatória para si próprios e para os outros.
Por seu turno, recorrer à terapia farmacológica pode ser necessário para mitigar ou aliviar sintomatologia persistente e patológica (ex. ansiedade, sintomatologia depressiva), cuja causa é, precisamente, a basorexia.
O que é que sentem as pessoas que têm basorexia? Ou seja, que processo mental ocorre para que as pessoas com esta patologia sintam mais necessidade de beijar que as outras pessoas que não têm esta carência?
De uma perspetiva biológica, o beijo desencadeia a libertação de oxitocina, uma hormona associada à empatia, ligação e vinculação, criando uma sensação de prazer e intimidade. Este desejo humano inato de ligação física e afeto pode ser considerado o fundamento da basorexia.
Por sua vez, a condição é diretamente associada à libertação de dopamina, neurotransmissor responsável pelo prazer e recompensa. Deste modo, pressupõe-se que beijar pode estimular o sistema de recompensa do cérebro dos basoréxicos mais do que em pessoas que não sentem a necessidade do toque labial. Assim, esta resposta neurológica pode explicar porque é que indivíduos com basorexia se sentem cada vez mais atraídos pelo beijo como forma de procurar prazer e satisfação emocional.
A basorexia tem outras implicações – por exemplo, ter mais tendência a sentir-se rejeitado ou mais solidão?
Alguns especialistas acreditam que indivíduos com um sentido acentuado de basorexia podem ter uma necessidade subjacente de proximidade emocional e intimidade. De certa forma, este desejo de ligação através do beijo pode potencialmente compensar necessidades emocionais não satisfeitas, ou servir como um mecanismo de sobrevivência, perante a solidão ou ansiedade. Deste modo, o beijo surge como uma porta para a conexão e uma forma de compensar necessidades emocionais por satisfazer — tratando-se, por isso, de uma defesa.
Por sua vez, os fatores culturais e sociais também desempenham um papel significativo na formação da experiência da basorexia. Diferentes sociedades têm atitudes diversas em relação ao beijo, desde as mais conservadoras às mais permissivas. Deste modo, as normas socioculturais podem moldar as crenças da pessoa em relação ao beijo, influenciando o seu nível de desejo e até conforto com o ato. Por exemplo, em sociedades onde o beijo é mais um ato mais restrito e visto como extremamente íntimo, os indivíduos com basorexia podem ter dificuldades em lidar com os seus desejos, o que pode levar a sentimentos de culpa ou vergonha.