Em Portugal, cerca de 57,5% da população tem excesso de peso e, dessa percentagem, 20,8% sofre de obesidade. Mas “há ainda um outro dado a destacar”, refere, em declarações à VISÃO, Conceição Calhau, professora catedrática da NOVA Medical School e investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde. “Em Portugal, tal como na Hungria, na Irlanda, em Espanha ou no Reino Unido, estima-se que mais de 20% das mulheres vivam com obesidade quando ficam grávidas”, afirma a professora.
E isto, de acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), faz com que haja um “risco mais alto de aborto, diabetes gestacional, alterações na hipertensão, nados-mortos e hemorragias pós-partos”. “Além disto tudo, sabe-se que a obesidade é transmissível de geração em geração e que um ambiente intra-uterino metabolicamente desfavorável fará com que a programação metabólica que ocorre durante a vida fetal fique registada para um mau funcionamento”, destaca Conceição Calhau. Nestes casos, refere ainda, a probabilidade de desenvolvimento de uma doença metabólica em idade pediátrica e adulta é maior.
Sabe-se, também, que, em pessoas obesas, a microbiota intestinal, ou seja, a comunidade de microorganismos, principalmente bactérias, que habitam o trato gastrointestinal humano, é diferente, ou seja, indivíduos com excesso de peso ou obesidade apresentam uma microbiota intestinal distinta comparativamente com a microbiota, também conhecida por flora intestinal, daqueles com um peso considerado normal. “Há transmissão dessa ‘informação’ microbiana para o filho e por isso a microbiota que passa da mãe para o filho revela também o legado da mãe”, diz a especialista.
Isto significa que podemos estar condenados, à partida ?De acordo com Conceição Calhau, estas informações servem para se “poder intervir já durante a gravidez e reforçar os cuidados na primeira infância no sentido de reverter esta tendência”.
Mas qual é, afinal, o papel da microbiota intestinal no controlo do peso?
De acordo com a professora, “a microbiota intestinal é essencial na monitorização e controlo do equilíbrio metabólico e dos gastos energéticos”. Por isso, quando está desequilibrada, torna-se incapaz de regular o apetite, a saciedade e a adiposidade.
Conceição Calhau explica que alguns tipos de microrganismos que habitam o intestino podem, ao influenciarem o metabolismo energético de cada pessoa, potenciar a sua vulnerabilidade para o excesso de peso e obesidade. “Indivíduos com excesso de peso ou obesidade têm menos abundância de espécies bacterianas benéficas e um aumento de bactérias potencialmente prejudiciais, que contribuem para o aumento de peso”, esclarece.
Nos últimos dez anos, a investigação científica permitiu compreender mais sobre os mecanismos
de regulação do apetite. Por exemplo, estudos comprovam que as enterobactérias, comuns no trato gastrointestinal de humanos e animais, tal como a Hafnia alvei, conseguem produzir uma proteína, ClpB, capaz de ativar vias neuroniais associadas à saciedade, o que para o controlo do peso é muitas vezes um fator
decisivo.
Além disso, em estudos de intervenção com a estirpe Hafnia alvei HA4597 foi possível verificar que, além redução da ingestão alimentar por menos apetite, observava-se uma potenciação da perda de gordura.
Segundo a investigadora, para garantir que tanto as bacterianas benéficas como as potencialmente prejudiciais vivam em harmonia, exercendo os seus papéis fundamentais no corpo humano, “o ideal é garantir a existência de uma microbiota intestinal equilibrada, com riqueza e diversidade”.
É possível levar bactérias “boas” para o organismo e enriquecer a microbiota para favorecer o seu funcionamento adequado
Conceição calhau
O que a microbiota intestinal é capaz de produzir a partir do que ingerimos é determinante no comando de múltiplas funções biológicas, diz a professora. Neste sentido, é possível levar bactérias “boas” para o organismo e enriquecer a microbiota para favorecer o seu funcionamento adequado, por exemplo consumindo mais alimentos ricos em fibra, como hortícolas, fruta e leguminosas, ou reduzindo o consumo de alimentos ultraprocessados, que normalmente têm valores energéticos mais elevados e intensificadores de sabor, adoçantes artificiais não calóricos, emulsionantes, entre outros, que podem provocar o consumo de maiores quantidades de alimentos. “Os aditivos podem alterar a microbiota intestinal e ter um impacto metabólico não desejável”, refere Conceição Calhau.
A especialista aborda ainda a importância de escolher gorduras de boa qualidade, privilegiando o azeite como gordura de adição e reduzindo o consumo de alimentos ricos em gordura saturada, de limitar o consumo de açúcar e sal, de beber água (essencial para que todo o metabolismo funcione) e de ingerir alimentos fermentados.
“A toma de probióticos na forma de suplemento é relevante quando enquadrada num contexto clínico, numa identificação do efeito que se pretende e sobretudo devem ser considerados os que mais evidência científica
apresentam”, refere ainda Conceição Calhau. “Muitas vezes temos a venda de probióticos sem qualquer evidência associada ou mesmo investigação. Os probióticos não são todos iguais nem são todos adequados a todos os indivíduos”, remata.