Para as pessoas que possam pensar que o cérebro de um recém-nascido não sente dor, um novo estudo vem comprovar que sentem e numa escala semelhante à de um adulto. As experiências muito precoces com dor podem até alterar as respostas à dor mais tarde na vida e levar a resultados adversos a longo prazo. Por isso, em situações de injeção ou recolha de sangue neonatais quanto mais confortável e menos dolorosa for a situação para o bebé melhor.
A nova investigação, feita nos EUA e publicada na revista Pediatric Research, ao pôr a tocar música instrumental de embalar de Mozart, durante a realização do teste do pezinho, concluiu que ajuda aliviar a dor dos bebés. Numa espécie de efeito analgésico.
Em Portugal, o Programa Nacional de Rastreio Neonatal realiza, desde 1979, testes de rastreio em todos os recém-nascidos de 26 doenças raras e graves, 25 das quais de origem genética. Quanto mais cedo forem detetadas as alterações genéticas, mais depressa começa o seu tratamento. Daí a importância de o teste ser feito entre o terceiro e o sexto dia de vida. Apesar de não ser obrigatório, o programa tem atualmente uma taxa de cobertura de 99,5%, sendo o tempo médio de início do tratamento de 9,9 dias.
Entre abril de 2019 e fevereiro de 2020, uma equipa de investigadores da Universidade Thomas Jefferson, em Filadélfia, trabalhou com especialistas médicos do Lincoln Medical & Mental Health Center, no Bronx, em Nova Iorque, para medirem os níveis de dor dos recém-nascidos durante a realização do teste do pezinho, através da recolha de sangue do calcanhar dos bebés.
A análise foi feita numa centena de bebés (53 do sexo masculino, 61 hispânicos, 19 afro-americanos, 20 de outras etnias) com média de dois dias de vida e nascidos com 39 semanas de gestação.
Numa sala silenciosa, com pouca iluminação e boa temperatura ambiente, depois de cada um dos bebés ter tomado uma pequena solução oral de sacarose, dois minutos antes da punção do pezinho, o investigador colocou auscultadores nos ouvidos com cancelamento de ruído. Os níveis de dor antes, durante e após o teste do pezinho foram determinados através da observação das expressões faciais, grau de choro, padrões respiratórios, movimentos dos membros e de alerta.
Dos 100 bebés, 54 ouviram uma canção de embalar instrumental de Mozart durante 20 minutos antes e durante o teste e durante cinco minutos depois do teste. Os restantes 46 recém-nascidos não ouviram qualquer música.
Os níveis de dor antes do teste foram semelhantes em ambos os grupos, com uma média de zero, numa escala que vai até ao sete. Os bebés que ouviram a canção durante e após o teste tiveram uma média significativamente menor, passando de quatro durante o procedimento para zero um minuto depois. A pontuação média de dor dos bebés que não ouviram a canção de embalar foi de sete no momento da picada no pé, caindo para 5,5 após um minuto e para dois após dois minutos.
“A intervenção musical é uma ferramenta fácil, reprodutível e barata para o alívio da dor em pequenos procedimentos em recém-nascidos saudáveis. Sugerimos que nos próximos estudos também considerem a exploração dos efeitos de intervenções semelhantes, como a gravação da voz dos pais em vez da música de Mozart”, aconselhou Saminathan Anbalagan, médico neonatologista da Universidade Thomas Jefferson.
Investigações anteriores sugeriram que os bebés prematuros podem sentir menos dor durante procedimentos médicos quando as mães falam com eles e que ouvir a voz materna aumenta os níveis de oxitocina na saliva, a conhecida “hormona do amor”. “Esta nova pesquisa sugere que a estimulação auditiva através da música pode reduzir os índices de dor. Intervenções reconfortantes, como ouvir música, devem ser consideradas quando os bebés necessitam de procedimentos clínicos essenciais”, acrescenta Rebeccah Slater, professora de neurociência pediátrica da Universidade de Oxford, no Reino Unido.